Sempre defendi a existência da imprensa e da informação em geral. Sou das que acreditam que os meios têm um papel importante e sou contra a extinção ou o fechamento de qualquer um que seja por achar que desinformação se combate com mais informação e não com menos.
Mas também ando cansada da preguiça dos meus coleguinhas. Quando comecei na profissão adquiri o saudável hábito de recorrer aos Centro de Pesquisa ou Centro de Informações (os famosos CIs) dos jornais em que trabalhava. Basicamente, um arquivo sobre o que a mídia havia publicado, tudo cuidadosamente catalogado.
Fazia isso por dois motivos: primeiro para pesquisar se o assunto era realmente importante, pois apesar da minha prodigiosa memória poderia ter deixado passar algo ou mesmo esquecido e, mais ainda, se era novidade — nada mais chato do que requentar notícia velha para atender aos interesses do entrevistado. Depois, para ter subsídios para não fazer pergunta idiota e, principalmente, para não aceitar resposta idiota. Sempre entendi que meu patrão era o leitor e é a ele a quem devo respeito e a quem tenho que entregar qualidade de informação.
Nos primórdios da minha carreira, os arquivos eram em papel. Se eu ia ao lançamento de um carro, por exemplo, dirigia-me (ênclise fraquinha, mas vale como tal, não?) até o CI e pedia a pasta do fabricante do veículo, da qual constavam todas as matérias publicadas por boa parte dos meios em que a empresa estivesse citada ou fosse a fonte. Também solicitava a pasta da indústria automobilística como um todo e, eventualmente, outras com informações que poderiam ser úteis, como exportações, importações, autopeças, inflação, etc.
Folheava cada uma, lia as matérias e fazia anotações. Ia para a entrevista (ou a fazia por telefone) e muitas vezes voltava ao CI para mais informações. Eventualmente, contatava novamente a fonte para complementar ou rebater algo que havia sido dito e só depois escrevia o artigo. Trabalhoso? Claro, mas necessário. Nunca consegui não fazer todo esse processo e sempre fui figurinha carimbada nos CIs, onde fiz grandes amigos.
Obviamente hoje isto tudo é mais fácil. Não preciso nem levantar da cadeira para acessar o Google e pesquisar tudo em segundos. Posso até fazer isso pelo celular, quando estou na rua, e durante a entrevista. Isso fez com que as matérias ficassem mais completas? Infelizmente, não.
Faz poucos dias me deparei com uma notícia sobre a “reabertura da fábrica da Ford em Camaçari”. A fonte não era alguém da indústria automobilística, mas sim o ministro do Trabalho que havia tuitado, em seu perfil oficial, que o governo negocia a retomada da Ford na Bahia. Como sói acontecer para dar um ar de credibilidade em postagens, havia um link para uma matéria da revista Veja. Só que ao abrir o link me deparei com um texto que falava de uma negociação com chineses para a compra da fábrica, especificamente, a BYD. Também como sói acontecer, o link não confirmava o enunciado da postagem do ministro. E o governador da Bahia divulgou isso em suas redes sociais, também como grande novidade.
Para não variar, alguns meios de comunicação publicaram apenas a história da retomada da fábrica, sem, aparentemente, sequer ler o que estava no link.
Aqui faço um parênteses Se bem é fato que muitas vezes este tipo de coisa se dá por ideologia —jornalista querer fazer propaganda para alguma corrente ideológica é algo comum — outras por pura preguiça. Para que abrir o link e ver se a matéria confirma ou não o enunciado pelo ministro?
Preguiça parte 2: o anúncio das conversas entre a BYD e o governo da Bahia já havia sido feito em outubro do ano passado, quando uma publicação do setor havia divulgado que “BYD prepara instalação de fábrica de carros elétricos e baterias na Bahia”. No mês seguinte, matéria de um grande jornal de circulação nacional havia publicado que “BYD, marca chinesa de veículos elétricos e baterias, vai produzir no Brasil”.
Aqui no AUTOentusiastas já publicamos diversas matérias sobre fabricantes chinesas. Uma matéria de 2021 destaca que “Se você acha que a BYD é uma novata nesse jogo, é porque não imagina o excelente (e discreto) trabalho que ela tem feito por aqui nos últimos anos. Chegou ao país em 2013, montou uma fábrica de ônibus elétricos em Campinas, SP em 2015, passou a produzir painéis solares em 2017 e inaugurou uma fábrica de baterias em Manaus, AM em 2020.”
Lembrei imediatamente do executivo de uma multinacional francesa do segmento químico que era piada entre os jornalistas mais cricas como eu por anunciar várias vezes, como novidade, o mesmo investimento para um mesmo ano. Cansei de ir em entrevistas coletivas dele, voltar para a redação e não ter uma única linha para escrever, pois não havia novidade alguma.
Certa vez o pauteiro do jornal me questionou por que os outros jornais tinham a notícia de um anúncio dessa empresa e eu, que era especializada nesse setor, havia “tomado um furo”. Prontamente, mostrei a matéria de um par de meses antes em que já havia divulgado isso e ouvi um pedido de desculpas, pois era norma da Gazeta Mercantil não repetir notícia, por mais entrevista coletiva que se fizesse. Mas enquanto isso, o tal executivo ampliava seu espaço na mídia, pois sempre aparecia. Na época não havia LinkedIn, mas hoje ele certamente estaria recheado com cópias das matérias e até mesmo alguma avaliação de cobertura na mídia que ele conseguia sem desembolsar um centavo.
Pode parecer implicância minha, mas é apenas coincidência, pois algo muito parecido aconteceu também nos últimos dias e um amigo do setor financeiro, Marcelo Guterman, alertou para a repetição. Eu, claro, fui checar. A notícia envolve outra fábrica chinesa de veículos – e elétricos, mais uma vez. Uma publicação financeira divulgou semana passada que a GWM lançará o primeiro carro importado pela marca no mercado brasileiro, em março. Uma emissora de televisão anunciou que a empresa chega ao Brasil neste mês e ainda vinculou a notícia (sic, pois não é novidade) à visita do presidente da República à China este ano, como se uma coisa estivesse ligada à outra. Detalhe: há notícias divulgadas na mídia em geral em janeiro do ano passado sobre a compra da planta da Mercedes-Benz em Iracemápolis pela GWM e nós mesmos, no AUTOentusiastas, publicamos a notícia ainda antes, em 2021. Ou seja, a empresa não chega agora em março e o fato nem tem nada a ver com o atual governo, que naquela época nem havia tido sua candidatura formalizada e, muito menos havia ganhado as eleições. Aliás, a fábrica só começará a produzir no ano que vem…
Novamente, aqui no AUTOentusiastas já publicamos diversas matérias sobre a empresa.. O mesmo texto que mencionei, de 2021, diz que “Outra gigante mundial que vem da China para dar trabalho aos fabricantes já estabelecidas por aqui é a Great Wall Motors (GWM). Suas intenções são tão sérias que comprou a fábrica que a Mercedes-Benz tinha em Iracemápolis, SP para começar a produzir seus próprios veículos no país, com o objetivo de transformar o Brasil em um centro de exportação para a América do Sul. A ambição é converter a discreta fábrica que produzia 2 mil veículos por ano e empregava 370 trabalhadores em um novo complexo para 2 mil funcionários que fabricarão até 100 mil unidades anuais. Para isso, já anunciou que vai investir R$ 4 bilhões em cinco anos.” E, ainda: “A estreia será no primeiro semestre de 2022 por meio da importação e, no comecinho de 2023, vai se dedicar aos modelos fabricados no Brasil. Seu grande diferenciador será comercializar desde o início da operação veículos híbridos e elétricos, inclusive quando tiver a produção local.” E tem coleguinha que acha que está escrevendo novidade…
Evidentemente que a chegada de novas fábricas de veículos é uma boa notícia. Mas repeti-la insistentemente, ou “vender” o fato como novidade várias vezes não multiplicará os recursos. Assim como acontecia com aquela empresa química, não é por que se anunciava quatro vezes um investimento de sei lá, US$ 10 milhões, que ele virava US$ 40 milhões. Ou anunciar três vezes que se abrirão 300 novos empregos não fará com que sejam abertas 900 vagas.
Mudando de assunto: felizmente, já recomeça a temporada de Fórmula 1. Infelizmente, vou acabar discutindo com algum mexicano sobre “Checo” Pérez. O fanatismo deles é inacreditável. Torcer, eu entendo, mas desqualificar o outro dizendo “quando seu país tiver um piloto na F-1 conversamos” ou “peruano falando de F-1… só em rede social mesmo para ter espaço para isso”. Como diz um amigo meu, “estou pegando ranço do Pérez por causa da torcida grosseira e sem noção”. Eu, continuo lutando para não misturar as coisas, mas que cansa, isso, sim.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.