Nossas fábricas não têm vida própria, pois são dependentes das estratégias globais de suas matrizes. Foi assim em janeiro de 2021 com a Ford, pois Dearborn decidiu dedicar-se globalmente aos suves, picapes, comerciais e elétricos. E interrompeu sumariamente suas linhas de produção no Brasil. Fechou até a Troller no Ceará, mantendo a fábrica da Argentina, que produz a picape Ranger. Alinhada, portanto, com a política da matriz.
Já tinha sido assim também 30 dias antes, em dezembro de 2020, com a Mercedes: Stuttgart estabeleceu uma nova política para seu portfólio de automóveis, reduzindo a gama e mantendo apenas modelos de elevada rentabilidade. E nem piscou para fechar a fábrica de Iracemápolis, SP, inaugurada há menos de cinco anos, pois só produzia carros “de entrada” da marca alemã.
E como fica o mercado brasileiro de automóveis com a tendência mundial da eletrificação veicular? Novas reviravoltas previstas?
O Brasil não deverá copiar a solução adotada em outros países, de migrar do motor a combustão diretamente para o elétrico, pois este ainda é muito caro para a grande maioria dos nossos consumidores. E também prejudicado pelas grandes distâncias a se vencer nas rodovias num país de dimensões continentais como o nosso.
Por enquanto, a melhor alternativa de propulsão para o mercado brasileiro é o carro híbrido, que poderia ter emissão zero desde que projetado para queimar apenas álcool.. Pois, por enquanto, o motor ser flex nada significa: ainda se vende no Brasil o dobro de gasolina (70%) que álcool (30%).
Neste panorama, a GM estará às voltas com um impasse no Brasil. Sua matriz já declarou objetivamente a estratégia global de passar diretamente do motor a combustão para o elétrico. Não deixou claro seus planos no Brasil, mas seu presidente local, o colombiano Santiago Chamorro, sinaliza que pretende seguir a matriz: na Anfavea (associação dos fabricantes), ele está “do lado” de quem defende a manutenção de tributação reduzida para os elétricos.
Voltando novamente ao conturbado janeiro de 2021, a GM ameaçou fechar suas fábricas no Brasil (foto de abertura, unidade de São Caetano do Sul, sede da fabricante aqui). Verdade ou blefe, é uma hipótese a ser considerada. Até porque, se a matriz não desenvolver a tecnologia híbrida, vale a pena a filial investir só para atender o mercado nacional?
Por outro lado, recentemente sua “big-boss” Mary Barra reforçou esta possibilidade ao declarar que não investe em regiões de pouca rentabilidade para a empresa. E não hesitou em fechar as portas de sua fábrica na Austrália (Holden) e vender as históricas operações da Opel e Vauxhall (subsidiárias europeias) para a PSA (hoje Stellantis) em 2017.
O carro elétrico vai demorar anos para se incorporar de fato à frota brasileira. Mas, e quando isso acontecer? A poderosa Mary Barra vai abrir os cofres para a filial brasileira assumir os pesados investimentos necessários para produzir elétricos? Ou resistir, enquanto possível, com os motores a combustão e se tornar então uma importadora, seguindo os passos da Ford? Nos EUA, ela já decretou fim de linha para o carro a combustão em 2035.
Outro provável terremoto, de escala muito inferior que o da GM, é da fábrica da Jaguar Land Rover, que tem uma pequena linha de montagem em Itatiaia, RJ. Ninguém duvida de que a marca inglesa só a mantém devido ao contrato estabelecido com o governo do estado do Rio de Janeiro para obter incentivos fiscais, mas mesmo assim tem rentabilidade negativa ou nula. Seu diretor de desenvolvimento na Inglaterra, François Dossa (que já foi presidente da Nissan no Brasil) esteve recentemente no país para estudar a possibilidade de eletrificar os modelos aqui produzidos. Pois a matriz já anunciou que a linha Jaguar será toda elétrica a partir de 2025. E a Land Rover, em 2030. Ou seja, se os ingleses (ou indianos, donos atuais) não investirem na fábrica de Itatiaia até lá, o que é muito pouco provável, ”Bye bye, Brazil”….
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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