Por diversas razões, passei parte do meu tempo ultimamente conversando com alunos e com instrutores de autoescola e, para minha surpresa, muita coisa mudou desde que eu passei por isso.
Digo surpresa pois acho que alguns princípios deveriam continuar os mesmos, afinal o Código de Trânsito Brasileiro pouco ou nada mudou nas últimas décadas. Entenderia alterações na pedagogia do ensino, mas, mesmo assim, algumas das minhas constatações me preocuparam (foto de abertura).
Sem dúvida a que me deixou mais estarrecida é que nem o examinador nem o instrutor podem fazer pegadinhas com o aluno, como mandar virar numa rua contramão. Em algum momento já comentei aqui que aprendi os fundamentos da direção com meu pai e meu tio César — este melhor motorista do que aquele, mas mesmo assim, ambos com conhecimentos técnicos de sobra. Meu pai era Químico, fã de Ciências Exatas e adepto de uma lógica meio cartesiana, por isso as explicações que eu recebia eram de que deveria trocar de marcha ao atingir “x” mil rotações, por exemplo. E, claro, sempre com a devida explicação.
O motivo de não se frear numa curva era claramente dito com base nas leis da Física e não apenas por “não se freia em curvas”. E, por óbvio, seguidos de uma explicação de o que fazer se entrasse numa curva muito rapidamente.
As aulas que fiz de autoescola — talvez umas 20, lembro que foi o mínimo necessário e que eram muitas — foram essenciais para fazer de mim uma motorista competente e responsável.
No primeiro dia de aula, o instrutor me levou a uma rua quase sem trânsito para testar meus conhecimentos de direção. Em alguns minutos, constatou que eram muito razoáveis e me mandou seguir por uma rua, virar numa outra, fazer uma rotatória e… tchatchã! apareci em plena marginal do rio Tietê às 16h30 de um dia de semana. E lá foram feitas todas minhas outras aulas. Se era para perder o medo de dirigir, não poderia haver choque maior de realidade.
Meu instrutor era excelente. Me pregou várias peças ao longo do aprendizado. Na primeira vez que me disse para virar numa rua, logo vi que era contramão e protestei: como assim? É contramão! Resposta dele: que bom que você estava atenta. Esse era o objetivo das “pegadinhas”. Hoje, segundo me disse um instrutor, se ele fizer isso pode ser processado por induzir o aluno a erro. Para tudo!… E o mesmo se aplica ao examinador.
Imaginem, caros leitores, um motorista que tirou CNH aprendendo assim, a pão-de-ló, que sai com amigos. Quem nunca perguntou o caminho para o pessoal dentro do carro? E se um deles, desligado ou apenas porque a rua que ele conhecia mudou de mão, falasse para o condutor virar? Entendo que o futuro motorista tem que ser treinado para evitar essas coisas e não vejo problema em que isso seja feito enquanto está aprendendo. Depois, Inês é morta.
Outra coisa que me lembro do meu instrutor foi a quantidade de explicações que ele me dava sobre como e por que fazer determinadas coisas. Sempre gostei de trocar marcha num carro e quando cheguei ao Brasil percebi como era bom ter esse hábito, com tantas subida e descidas. Nada de querer encarar uma ladeira em terceira apenas porque vinha nessa marcha. Nananinanão, troca-se a marcha para baixo. Tenho ainda o hábito de usar muito a redução, algo muito tipicamente argentino, mas depois das aulas na autoescola incorporei outro hábito: se há carros atrás de mim, e se eles estão especialmente perto, dou um leve toque no pedal do freio. Assim, quem vem atrás sabe que estou diminuindo a velocidade.
Aprendi isso dirigindo na marginal, com caminhões gigantes colados na traseira do carro da autoescola e considero que a dica é muito razoável. Se não há carros atrás de mim, nem freio, apenas reduzo na caixa de câmbio, mas adquiri o hábito de olhar no retrovisor para ver se era necessário o toquinho no pedal.
As aulas hoje são dadas para que o aluno seja aprovado, não para que saiba dirigir e sequer servem para que se constate se sabe dirigir. Quando eu tirei a primeira habilitação precisei apenas fazer baliza e dar uma volta num quarteirão, longo, mas apenas isso. Nesse sentido, as conclusões que podem ser tiradas são exatamente as mesmas da minha primeira habilitação. Hoje é exatamente assim, mas vejo que os alunos estão muito menos preparados para o mundo real do que eu estava — e sim, sei que meu instrutor era uma exceção, mesmo naquela época. É uma pena que se perca uma boa chance de melhorar o trânsito e, principalmente, torná-lo mais seguro.
Mudando de assunto: … e por falar em reduzir marchas, adorei esta piadinha que diz: “Este veículo está equipado com …. dispositivo antifurto milenial”. Sinceramente, acho que só millenials ou pessoas ainda mais velhas é que sabem usar câmbio manual.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.