A situação da equipe Alpine no Campeonato Mundial de Fórmula 1 de 2023 não anda muito bem e não é por causa do duplo abandono de Esteban Ocon e Pierre Gasly no GP da Hungria (foto de abertura), na semana passada. Ninguém duvida de que isso foi um incidente inesperado e que ambos não tiveram culpa no que aconteceu. A situação na equipe francesa poderia muito bem ser explicada com cores familiares: em busca do azul que recoloque o time no caminho de ser uma força da categoria é preciso consolidar a paz interna (branco) e evitar declarações belicosas (vermelho). Um ano após uma semana turbulenta em Budapeste, quando perdeu Fernando Alonso e foi esnobada por Oscar Piastri, ainda há feridas abertas no ambiente, o que aumenta a pressão sobre o team principal Otmar Szafnauer, o responsável pelo dia a dia da operação.
Ao final da temporada de 2022 ainda era notável a ressaca advinda da maneira como o time deixou escapar um bicampeão mundial e um piloto no qual a equipe investiu alguns milhões de dólares em sua preparação para chegar à F-1. Este ano, em Budapeste, Fernando Alonso revelou que tinha intenção de permanecer na Alpine: “Eu queria ficar, mas nunca recebi uma oferta concreta para permanecer. No meio do ano a única oferta que eu tinha era a da Aston Martin e eu aceitei. Hoje eu vejo que, afortunadamente, tomei a decisão correta.”
Alonso lembrou ainda que notava uma certa preferência da equipe por Piastri, algo que também contribuiu para sua saída. A relação do time com o australiano, porém, se desgastava a cada etapa e a demora em permitir que ele participasse do primeiro treino livre às sextas-feiras não colaborou para sedimentar a relação. Quando Szafnauer anunciou o novato como o substituto do espanhol o barco já tinha afundado: numa reação típica de bate pronto, Oscar desmentiu categoricamente que seria piloto da marca em 2023. Nesse ponto já era voz corrente que ele tinha um contrato assinado com a McLaren, equipe igualmente envolta em um relacionamento difícil com um piloto, o também australiano Daniel Ricciardo.
Os bons resultados na pista, porém, arrefeciam os ânimos e ao final da temporada a esperança de melhorar ainda mais prevalecia. Após um período de negociações que envolveu a Mercedes e a Red Bull, o francês Pierre Gasly foi liberado de seu posto na AlphaTauri e abriu espaço para o holandês Nick De Vries ocupar seu lugar. Ironicamente, De Vries não correspondeu e após 10 etapas foi substituído por… Daniel Ricciardo.
Durante as primeiras etapas desta temporada a Alpine viveu altos e baixos, que culminaram com uma bronca pública de Laurent Rossi, então executivo-chefe da marca, após Gasly e Ocon terminarem o GP de Miami em oitavo e nono lugares, respectivamente. Nessa altura do campeonato a escuderia tinha somado apenas oito pontos e aparecia no sexto lugar entre os construtores. Sem reservas e, supostamente, com muita propriedade, Rossi declarou que o desempenho apresentado era amador e não justificava o alto investimento feito na operação. Mais foi categórico ao declarar que se não houvesse melhoras, o projeto F-1 poderia ser sumariamente cancelado.
Certamente o executivo francês ignorou algumas normas não escritas que regem o ambiente da F-1 e que podem ser aplicadas em investimentos dessa natureza. Em primeiro lugar está o compromisso com patrocinadores que investiram no projeto. O maior deles levado por Otmar Szafnauer: a empresa de tratamento de água BWT. Em seguida aparece a imagem da Alpine, e por tabela a da Renault, junto ao grande público. Os franceses já se destacaram na F-1 em diversas maneiras e oportunidades, entre elas a introdução do motor turbo na F-1 moderna, o motor V6 que dominou a categoria entre 1992 e 1997 e os dois títulos mundiais de Fernando Alonso em 2005 e 2006. O próprio Alonso reconhece que o carro francês é melhor do que parece: “Eu não acho que o Alpine seja um carro lento. Como se viu em Silverstone, o Gasly andou colado na minha traseira por 30 voltas, isso mostra que o carro é rápido. O desempenho de um F-1 muda rapidamente de uma pista a outra e ficarei contente em ver a Alpine andando rápido novamente.”
Outro nome que mostrou apoio aos franceses é Christian Horner, o comandante da Red Bull. Em busca de corrigir erros no desenvolvimento do seu motor atual, a Alpine trabalha para conseguir liberação da FIA para resolver o problema. Horner já se posicionou favorável à causa.
Após várias mudanças de identidade, incluindo a venda da equipe por pressão dos sindicatos franceses e posterior recompra, a Renault decidiu adotar o nome Alpine em 2019 e, com isso, capitalizar o apelo das corridas para sua marca de carros esporte. Nesse período Laurent Rossi assumiu o comando da operação e aí fez a célebre declaração de que em cem corridas a equipe estaria disputando o título.
O plano não saiu como esperado. Após o incidente de Miami as aparições de Rossi nos autódromos tornaram-se discretas e nas últimas semana passada duas novas mudanças aconteceram, decisões que tendem a dar fôlego a Szafnauer mostrar que é a pessoa certa para cuidar da equipe. Após Bruno Fabin assumir o comando de todas as atividades esportivas da marca sobrará mais tempo para o romeno naturalizado estadunidense se dedicar às suas atividades e sem a pressão de Rossi, que foi substituído por Phillipe Krief no cargo de executivo-chefe da empresa. Oficialmente Laurent Rossi foi transferido para comandar a divisão de projetos especiais da Renault. Para muitos, foi uma maneira discreta de remover obstáculos rumo a uma fase de vitórias e, muitos, títulos.
O resultado completo do GP da Hungria, que marcou a décima segunda vitória consecutiva da Red Bull, novo recorde na categoria, você encontra aqui.
WG
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