Eu havia começado a escrever sobre outro assunto para esta semana, mas a corrida de Fórmula 1 em Interlagos domingo me fez mudar de ideia. Assim, voltarei ao meu tema inicial na próxima coluna.
Há uns 30 anos que ouço gente que diz “deixei de assistir Fórmula 1 depois que Ayrton Senna morreu”. Entendo, é claro, e na maior parte das vezes fico quieta, mas para mim essas pessoas gostavam do Ayrton Senna, não da Fórmula 1. Algo parecido acontece de um ou dois anos para cá quando alguém me diz que não vê Fórmula 1 porque já sabe quem vai ganhar, tamanho o domínio da Red Bull e de Max Verstappen.
Geralmente essas pessoas assistiam corridas na época de Ayrton Senna e do domínio dos McLarens ou mesmo de Lewis Hamilton e Mercedes, mas tudo bem. Ultimamente tenho preferido não entrar em discussões estéreis. Se insistem em me fazer entrar na conversa, apenas digo: você já viu filmes sobre Jesus Cristo? Ou sobre Napoleão Bonaparte? Ou leu livros sobre eles? E não sabia exatamente como ia acabar? Então… o que vale a pena não é apenas a chegada, mas a viagem em si.
Quem gosta de Fórmula 1 pode listar várias corridas nas quais pouco importou quem ganhou, mas as lembranças mais fortes e relevantes foram de outros pilotos que não quem cruzou a linha de chegada primeiro. Esse certamente será o caso do Grande Prêmio São Paulo 2023. A linda disputa entre Fernando Alonso, num Aston Martin que não é lá grande coisa e Sergio Pérez, num carro perfeito como o Red Bull, foi a melhor coisa da prova e provavelmente a melhor disputa do ano. Mostrou grande habilidade dos dois e uma luta limpa até nos momentos mais difíceis de se manter a calma. Quem me conhece sabe que não sou especialmente fã de nenhum dos dois pilotos, mas sei reconhecer quando alguém faz algo fantástico — e foi o caso de ambos.
Também merece destaque a atitude de “Checo” Pérez depois da prova: enquanto Alonso dava entrevistas, foi até ele, o cutucou e o abraçou. O espanhol foi tão efusivo quanto o mexicano e ainda brincou: “Eu disse a ele para não me estressar tanto novamente, pois já tenho uma certa idade…”.
Ainda gostaria que voltássemos aos tempos românticos da categoria, quando pilotos eram amigos entre si fora das pistas, as famílias viajavam juntas, comemoravam aniversários juntas e as disputas eram somente dentro das pistas. Não tenho certeza de que Interlagos seja o início de um período assim novamente, mas com certeza me deu esperanças — ou pelo menos, de que há uma possibilidade de que voltemos a esse nível de civilidade. Mas temos visto, especialmente na geração mais nova, muita camaradagem como há muito não se via. Lando Norris no aniversário da enteada de Max Verstappen, Charles Leclerc e Pierre Gasly vão a shows com outros amigos não-pilotos, George Russell e Alexander Albon mantém uma amizade desde que eram quase crianças.
Também foi ótimo ver que dá para correr com garra e agressividade sem provocar acidentes nem jogar o carro para cima do adversário. Basta querer. Por isso vou aqui lembrar outras provas em que vimos disputas assim, independentemente de quem venceu a prova.
Atenção: todos os vídeos abaixo estão bloqueados para integração a sites, por isso é necessário clicar nos endereços em vermelho para assisti-los.
A ordem é aleatória, exceto pelas duas primeiras que são, na minha opinião, duas das mais fantásticas manobras e cenas da Fórmula 1 de todos os tempos:
- Gilles Villeneuve x René Arnoux – Dijon 1979
Provavelmente a disputa mais empolgante da Fórmula 1 até hoje. Poucos lembram quem venceu (Jean-Pierre Jabouille, de Renault), pois o grande acontecimento foi o duelo entre o canadense Villeneuve, de Ferrari e o francês, de Renault nas últimas voltas, quando um ultrapassou o outro diversas vezes, disputando curvas e freadas, com até mesmo toques roda a roda, mas de forma limpa, embora duríssima. No fim, Villeneuve chegou em segundo e Arnoux em terceiro, a somente 0,24 segundo.
https://www.youtube.com/watch?v=ogTx_7a9A90
- Nelson Piquet x Ayrton Senna – Hungria 1986
As manobras em si duraram um par de voltas, mas foram de uma precisão e de um risco incríveis. Para quem curte não apenas velocidade, mas Física, pode fazer os cálculos. Na velocidade em que os dois pilotos estavam, naquela curva e consideradas as forças centrífuga e centrípeta envolvidas era simplesmente impossível acontecer o que aconteceu. Presenciamos algo assim como um milagre. E, diga-se de passagem, manobras feitas por dois grandes pilotos, o que só abrilhanta mais o resultado da disputa. O resultado? Piquet (de Williams) em primeiro e Ayrton Senna (de Lotus) em segundo lugar.
https://www.facebook.com/ContosDaFormula1/videos/piquet-vs-senna-hungaroring-1986/1140733893083448/
- Kimi Raikkonen x Montoya – Alemanha 2002
Eis uma disputa interessante que hoje seria impossível. Dois pilotos extremamente rápidos e, naquele momento, ambos em equipes muito competitivas – Kimi na McLaren e Montoya na Williams. Limite de pista? O que é isso? Um joga o outro para fora, depois tocam pneus… Apesar da descrição assim, digamos, dura, não chegam a ser manobras sujas. Já escrevi várias vezes que não gosto dessas restrições e punições por não respeitar os limites de pista. Acho que deveria haver algum espaço e segurança e, depois, brita ou grama que, por si só, já pune o piloto que vai para lá. E pronto, nada além disso. Quem venceu? Michael Schumacher, de Ferrari. Montoya terminou em segundo lugar e Kimi abandonou na volta 59.
https://www.youtube.com/watch?v=-xWfWsJHASg
- Ayrton Senna x Nigel Mansell – Mônaco 1992
Sim, sei que Mônaco é um circuito de difíceis ultrapassagens, mas as três últimas voltas desta prova mostraram toda a capacidade defensiva do piloto brasileiro e a capacidade de ataque do piloto inglês. Nenhum dos dois cometeu um único erro – algo muito fácil de acontecer nesta pista. Ambos brilharam e fizeram deste final de prova uma das mais emocionantes da história. As imagens de um Mansell exausto, quase desmaiando, traduzem bem o quanto ele se esforçou para tentar uma vitória que não veio.
https://www.youtube.com/watch?v=YsqipJ2lSZs
- Felipe Massa x Robert Kubica – Japão 2007
O embate entre o brasileiro, de Ferrari, e o polonês, de Sauber sob uma chuva torrencial merece o tão desgastado adjetivo de épico. Neste vídeo com uma câmera onboard dá para entender porque acho estas voltas tão memoráveis. Novamente, numa época em que não havia punição por sair do traçado da pista ou por forçar outro carro a sair do asfalto. Agora, caros leitores, imaginem o que deve ser pegar grama encharcada e voltar para a pista, a um zilhão de quilômetros por hora sem derrapar. Coisa para quem tem muito braço, mesmo. Massa corria de Ferrari e Kubica de Sauber. Quem ganhou aquela prova? Lewis Hamilton, de McLaren. Massa terminou em sexto e Kubica em sétimo a 0,243 segundo do brasileiro.
https://www.youtube.com/watch?v=AnxUu36-uYw
- Gilles Villeneuve x Didier Pironi – Imola 1982
Imaginem, caros leitores, uma disputa de Ferraris em Imola, pelo primeiro lugar durante praticamente toda a corrida. Foi basicamente isso o que aconteceu nesta prova, para delírio dos tifosi, os fanáticos torcedores da marca italiana. Os vídeos da época são meio ruinzinhos, não havia tantas câmeras quanto há agora e muitos lances se perderam, mas dá para perceber como a disputa foi dura. No final, o francês venceu seguido de muito perto (0,366 segundo) pelo canadense e nunca mais se falaram. Villeneuve não perdoou que seu companheiro de equipe não tivesse seguido a ordem da equipe de lhe dar passagem e eles não se falaram mais. Duas semanas depois, Villeneuve morreu num acidente nos treinos em Zolder (Bélgica).
https://www.youtube.com/watch?v=OKVgEazd0Kg
Mudando de assunto: Para surpresa de zero pessoas, as fabricantes de veículos começam a rever para baixo suas projeções de fabricação de veículos elétricos. Parece que alguém resolveu fazer cálculos mais realistas.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.