Recentemente escrevi neste espaço sobre mulheres em provas de automobilismo. Aliás, em 2022 já havia feito isto aqui e naquela ocasião havia explicado que meu sonho é que isso não seja notícia — gostaria que um dia fosse indiferente se um participante de corridas de carros é homem ou mulher. Mas, infelizmente, ainda é notícia pelo que a palavra é definida — basicamente, algo que é novidade, que chama a atenção por ser diferente.
Em compensação, gosto muito de escrever sobre jovens pilotos, independentemente de serem homens ou mulheres. Acredito que é neles que está o futuro de qualquer modalidade e gosto de acompanhar os novatos. Hoje, os dois assuntos convergem e vou falar de uma jovem promessa do automobilismo: Aurélia Nobels. O leitor Lucas dos Santos, sempre atento, havia me sugerido escrever sobre ela, mas acabei demorando mais do que gostaria em atender o pedido dele. Mas cá estou.
Aurélia Corine Nobels nasceu em Boston (Estados Unidos), mas mora no Brasil desde os 3 anos de idade (vai fazer 17 agora no início de 2024) e se naturalizou brasileira. É filha de belga e tem as três bandeiras no capacete: Estados Unidos, Brasil e Bélgica. Ela é a primeira mulher a fazer parte da Academia de Pilotos Shell Racing e a única mulher representante do grid da F-4 Brasil.
Em 2022, Aurélia venceu a seletiva mundial da Girls on Track – Rising Stars (“garotas na pista – estrelas em ascensão”, numa tradução livre), organizada pela Federação Internacional do Automóvel (FIA) ao superar 16 competidoras do mundo todo. O programa é uma parceria da FIA com a escuderia italiana que pretende inspirar e lançar competidoras no mundo automobilístico e, claro, promover a igualdade de gênero nas pistas, desde o kart até a F-1. Aurélia é a terceira piloto a conseguir uma vaga no Ferrari Driver Academy através do FIA Girls on Track – Rising Stars (foto de abertura).
Em 2022, a primeira fase foi disputada na França e teve quatro etapas: kart, teste de F-4, prova física e mental. A final foi em Maranello, no norte da Itália, onde está localizada a sede da Ferrari.
Ao vencer a seletiva, e, como parte da premiação, Aurélia ganhou o direito de fazer parte da Academia de Pilotos da Ferrari e da equipe da Prema Racing em 2023. “Sempre foi um sonho estar na Ferrari. Sou corajosa desde pequena, nunca tive muito medo e adoro um desafio”, disse Aurélia quando foi anunciada sua ida para a academia, por onde já passaram pilotos como Charles Leclerc, hoje piloto da própria Ferrari na F-1.
“Comecei a gostar de automobilismo porque meu pai sempre foi um grande fã e temos um monte de coisas relativas ao esporte em casa, como quadros e capacete do Ayrton Senna. Aos 10 anos, pedi para andar de kart e nunca mais saí da pista”, conta. De fato, ela foi formada, como a maioria dos grandes pilotos, no kart. Aurélia aprendeu na escola do ex-piloto da Stock Car Tuka Rocha e depois de cinco anos de trabalho e algumas conquistas no Brasil, se classificou para as etapas do Campeonato Europeu de Kart e para o Mundial de Kart, em 2020. Em 2021, seu último ano na categoria, ela disputou a 56ª edição do Campeonato Brasileiro de Kart e terminou num honroso quarto lugar.
No início de 2023, Aurélia se mudou para Maranello, onde foi muito bem recebida pela Ferrari e pela Prema Racing. “Estamos muito felizes em tê-la conosco para a temporada de 2023 da Fórmula 4 Italiana”, declarou, à época, Angelo Rosin, chefe da Prema Racing. O campeonato de 2023 foi disputado em sete etapas e passou por pistas do calendário da Fórmula 1, como Imola, Spa-Francorchamps e Monza. O campeonato italiano de F-4 é o mais disputado do planeta, com grids com até 40 carros.
A carreira internacional não chega a ser novidade para Aurélia. Este ano ela fez sua primeira temporada completa na Europa, mas em 2022, além de disputar corridas na temporada inaugural da F-4 Brasil, ela havia disputado provas nos campeonatos da Espanha e Dinamarca. “Meu sonho é chegar à F-1 e mostrar que as mulheres podem competir de igual para igual com qualquer piloto”, diz ela. “Já vivi situações de preconceito, como o pai de um menino que me mandou brincar de boneca quando ganhei do filho dele. Ele disse que ali não era o meu lugar. Tento não escutar. Foco no que tenho de fazer. Nenhum comentário negativo foi suficiente para me desanimar. Trabalho duro e me dedico mais do que os meninos para mostrar que nós, mulheres, temos espaço”, diz.
A temporada da Fórmula 4 Italiana, o mais disputado campeonato da categoria no mundo, terminou em outubro com a sétima etapa no autódromo Piero Taruffi, em Vallelunga. E Aurélia arrasou: foram três vitórias entre as mulheres nas três provas disputadas na pista italiana. No campeonato feminino, ela terminou na terceira posição, apesar de não ter disputado a etapa de Spa-Francorchamps por causa de uma lesão no punho. A campeã foi a suíça Tina Hausmann. No total, Aurélia obteve 8 vitórias nas 17 corridas disputadas na temporada 2023. Na classificação geral, Auréia terminou o campeonato na 25ª posição.
A F-4 italiana utiliza exclusivamente carros do construtor italiano Tatuus. O chassis é um monoposto feito de compósito fibra de carbono. O motor é Fiat-FPT de 1.400 cm³ que entrega 160 cv. A temporada inaugural foi o Campeonato Italiano de F-4 de 2014, substituindo a Fórmula Abarth. Entre os pilotos que já disputaram a F-4 italiana (e que venceram campeonatos) estão Lance Stroll, Enzo Fittipaldi, Dennis Hauger, Oliver Bearman e Jüri Vips.
Mudando de assunto: gostaria de desejar a meus leitores e suas famílias um excelente Natal e um 2024 maravilhoso, com muita saúde, felicidade e tudo de muito, muito bom. Encerro este ano com as lindíssimas imagens da filhinha de Kevin Magnussen, que se chama Laura,, uma fofura e uma verdadeira autoentusiasta.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.