A GM ameaçou, há cerca de cinco anos, fechar suas portas no Brasil. Nunca se sabe se a empresa blefa para obter melhores condições ou se pretende mesmo deixar o país. Recentemente, seu vice-presidente de Comunicação, Fabio Rua, negou que a ameaça venha a se concretizar (*). Mas vários indícios sugerem o contrário:
• Na mesma época, a presidente-executiva global da GM, Mary Barra, declarou que não pretendia investir “para perder dinheiro”, referindo-se ao mercado brasileiro;
• A antiga General Motors Corporation, atual General Motors Company desde 1/06/2009, não hesitou, em passado recente, a se despedir — como fabricante — de vários mercados importantes como o europeu (vendeu a Opel/Vauxhall para a PSA Peugeot Citroën) e o australiano, onde tinha a Holden;
• A mesma Mary, no importante cargo desde 2014, explicou que a GM, em termos mundiais, não iria produzir híbridos, mas pular dos motores a combustão diretamente para os elétricos. Uma sinuca de bico para sua filial no Brasil, mercado que, por suas características, deverá necessariamente passar pelos híbridos, que não estariam em seu portfólio.
• A linha Chevrolet, a mais importante marca da GM, tem boa participação no nosso mercado, mas concentrada praticamente num único arcabouço de compactos, de ticket médio baixo: Onix, Onix Plus, Tracker e Nova Montana. Além da Spin, S10 e Trailblazer, projetos obsoletos e de pouca rentabilidade para a empresa. Os demais são importados, com preços elevados e baixo volume.
• Depois de todos os esforços para reduzir custos de produção e vendas, a GM acabou apelando para uma solução mais complexa há dois meses, quando tentou demitir mais de 1.200 trabalhadores em três fábricas. Alegou queda nas vendas locais e exportação, mas não deu certo, pois foi impedida pela Justiça do Trabalho.
• A linha Chevrolet já recebeu todo o leque de carrocerias do arcabouço mundial GEM (sedã, hatch, suve e picape), desenvolvido na China, mas não se anunciou uma renovação de modelos a curto ou médio prazo. Estratégia de marketing ou desaceleração mesmo?
• Produzir localmente tem custo muito elevado (o famoso “Custo Brasil”) e nosso mercado está estagnado, com capacidade ociosa de cerca de 50% e volume de vendas estancado há anos nas duas milhões de unidades. A GM vendeu sozinha quase este número (1,7 milhão) na China;
• As fábricas de automóveis consideram o fortalecimento dos sindicatos como um entrave para sua atuação (e permanência) no país;
• A GM é uma das empresas insatisfeitas com os benefícios fiscais concedidos às fabricas de automóveis instaladas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e os considera um complicador na disputa de mercado, reduzindo ainda mais sua rentabilidade.
Luz no fim do túnel?
Surge agora, entretanto, uma luz no fim do túnel para a filial brasileira: Fabio Rua esclareceu que, se for impositiva uma mudança de planos, a GM poderia, sim, investir nos híbridos. E até já existe um Monza (novo Onix) na China com esta motorização.
Se Mary Barra mantiver a decisão de pular direto para os elétricos, a empresa poderá ser bem sucedida em países do Primeiro Mundo, mas a filial brasileira terá dificuldade em manter volumes razoáveis de vendas pois os elétricos são caros e de recarga complicada. Hoje, por exemplo, o mais barato elétrico que ela traz para o Brasil, o Bolt, custa mais de R$ 250 mil. E está deixando de ser produzido nos EUA.
Outro problema será o fim da isenção do imposto de importação dos eletrificados: mesmo que ela tenha um volume isento de tributação por cotas, os preços vão aumentar. o colombiano Santiago Chamorro, seu presidente no Brasil, alega que as baterias terão seu preço sensivelmente reduzido a médio prazo e outros argumentos para justificar a permanência da empresa no país mesmo atuando só com motores a combustão ou elétricos. Mas ele sabe que a presença de versões híbridas no portfólio de qualquer grande empresa do setor nos próximos anos é essencial para sua sobrevivência.
Tomar uma decisão como a da Ford há dois anos (fechar fábricas), é extremamente complicado e uma sinalização foi o recente entrave colocado pela Justiça do Trabalho (além de greve nas fábricas) à demissão de trabalhadores. Mas a marca do oval azul não tem do que se queixar: depois que se transformou numa importadora, reverteu os resultados financeiros, de um gigantesco prejuízo para uma razoável rentabilidade nas operações locais.
Eu definitivamente não queria estar na pele de Santiago Chamorro…
(*) Pode ser uma meia-verdade (ou meia-mentira…): a GM poderia não sair do Brasil assim como a Ford, que ficou, mas apenas como importadora…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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