O período das férias de meio de ano e aquele entre o final de um campeonato de Fórmula 1 e o início do seguinte costumam ser chamado de silly season, algo assim como temporada tola ou período besta em tradução bem livre. O motivo é simples: as equipes estão de folga e as poucas notícias que circulam são sobre lançamentos de carros, renovação de contratos, mas nada disso é sequer totalmente definitivo. Mesmo as estreias dos novos modelos são relativas, pois ainda serão feitas alterações até a primeira classificação do campeonato e, obviamente, as equipes não revelam tudo. O que nos resta aos apaixonados por automobilismo? Basicamente, fofocas, notícias requentadas e, como tudo no ambiente virtual, muita intriga. Este ano não é diferente.
Como já comentei neste espaço há algum tempo, sigo algumas páginas de pilotos, fãs e equipes de Fórmula 1. Mas esta silly season está especialmente “silly” sobretudo nas páginas da imprensa e dos fãs latino-americanos, especialmente dos mexicanos. Mesmo os até algum tempo atrás quase imbatíveis britânicos estão muito atrás dos fanáticos mexicanos em quantidade de teorias estapafúrdias publicadas no ambiente virtual. Até aí, tudo bem. Se houvesse algum bom senso este público não seria chamado de fã — só que uma coisa é dizer “gosto e apoio tal piloto” e outra é brigar com os fatos. E é isto o que tem acontecido mais do que nunca. (foto de abertura).
Eu mesma gosto de pilotos que não foram campeões do mundo ou mesmo tiveram relativamente poucas vitórias e não há demérito algum nisso. Alguns dos meus exemplos são Gilles Villeneuve, que conquistou apenas 6 vitórias e 13 pódios em 67 corridas que disputou e não ganhou nenhum campeonato; Kimi Räikkönen, com um título mundial, 21 vitórias e 103 pódios em 339 corridas e mesmo James Hunt, com um campeonato, 10 vitórias e 23 pódios em 92 largadas. Os três estão entre meus pilotos favoritos de todos os tempos (junto com Nélson Piquet), mas seria néscio da minha parte falar que os três estão entre os, sei lá, cinco melhores pilotos de todos os tempos. Ou que são melhores do que o gênio Niki Lauda. Os números e a lógica não dizem isso. Eles estão na minha lista dos cinco pilotos de quem eu mais gosto. Talentosos? Muito, mas não me engano quanto aos resultados deles nem brigo com os fatos.
Mas, vamos a algumas coisas notáveis no fanatismo mexicano já que uma faringite fortíssima me derrubou nos últimos dias e me fez passar mais tempo do que o normal lendo coisas no ciberespaço. Não tenho certeza de que tenha valido a pena, mas me fez pesquisar números e, em alguns casos, rebater algumas postagens. Só espero não ficar de novo de cama ou, pelo menos, não entrar mais em discussões estéreis como as dos últimos dias. A questão é que são muito os pontos e dividirei este tema em duas colunas — portanto, na próxima edição tem mais.
Em todo caso, caros leitores, se quiserem se divertir e repassar alguns conhecimentos às custas da minha dor de garganta, eis algumas das mais notáveis:
– A Red Bull não permite que Pérez compita com Max Verstappen porque ganharia dele
Como criatura prática que sou, fui checar e não é o que a Matemática diz, isto é, nada indica que ele ganharia. Pérez acumula 257 corridas em 13 anos na categoria e conseguiu somente 6 vitórias (5 das quais desde que foi para a Red Bull, há 3 anos) e 35 pódios (20 desde que foi para a Red Bull). Foram apenas 3 pole positions e 11 voltas mais rápidas. Max tem 185 corridas em 8 anos, 54 vitórias, 98 pódios, 32 pole positions, 30 voltas mais rápidas e, claro, três campeonatos. Mesmo em relação a seus outros companheiros de equipe, os números de Pérez não o ajudam. Na sua estreia na F-1, em 2011, terminou em 16º lugar no campeonato. Seu colega de Sauber, Kamui Kobayashi, terminou bem à frente, em 12 º. Em 2013, na McLaren, ficou em 11 º lugar, dois atrás de seu companheiro de equipe Jenson Button. Em 2014, na Force India, o mexicano terminou em 10 º lugar (com 59 pontos), bem atrás de seu companheiro Nico Hulkenberg (9 º lugar, mas com 96 pontos). Quando Pérez vai para a Red Bull é que a diferença fica ainda mais gritante. Nos três anos ele ficou bem atrás de seu companheiro de equipe. Resumindo: das 13 temporadas em que Pérez correu, em 6 campeonatos ficou atrás do próprio companheiro de equipe. Das outras 7 temporadas ficou apenas um lugar à frente do companheiro de time em 3 temporadas.
Outro problema desta teoria: por que uma equipe contrataria um piloto para que não fizesse pontos para o time? Gastaria milhões só para boicotá-lo por pura maldade? É claro que há escuderias que tem pilotos favoritos – quem não lembra do Nigel Mansell sendo favorecido pela Williams em detrimento de Nélson Piquet? — mas isso não significa que contratem um piloto apenas para que o outro não tenha concorrência.
– A Red Bull usa Sergio Pérez para desenvolver os carros e por isso ele faz sempre piores tempos do que Verstappen
Esta teoria também não para em pé. Se Checo desenvolve os carros, como depois reclama de que não está à vontade no carro? Como fica tão atrás de seu companheiro? Ele diz à equipe o que tem de ser feito e a equipe faz o contrário? A verdade é que a Red Bull tem pilotos de teste e de desenvolvimento e nenhum dos dois postos é ocupado pelo mexicano. E, obiamente, ninguém testa ou desenvolve carro durante as provas. Para isso existem simuladores e treinos.
– A Red Bull desenvolveu o carro exclusivamente ao gosto de Verstappen e insiste em que Pérez tem de se adaptar em vez de desenvolver um ao gosto do mexicano
Em novembro do ano passado o piloto de desenvolvimento da Red Bull e campeão da Fórmula E da temporada 2022-2023, Jake Dennis, fez um treino livre do grande prêmio de Abu Dhabi com o carro de Verstappen. No final, deu entrevistas dizendo: “É só entrar no carro que tudo parece perfeitamente natural. Não concordo quando algumas pessoas dizem que o carro foi desenhado para o Max. Ele é exatamente como um carro de corridas deveria ser. Ele faz o que você quer que ele faça, vira do jeito como deveria virar. Toda equipe faz o carro da forma que ele seja o mais rápido possível e cabe ao piloto se adaptar a isso e acho que foi isso o que a Red Bull fez. O Max, com o talento que obviamente tem, fez isso”. Outro ponto é que apenas o Pérez quer um carro “a gosto”. Quando em dezembro de 2020 Lewis Hamilton contraiu Covid-19, a Mercedes tirou o então quase novato George Russell da Williams na última hora e o colocou no cockpit do carro de Hamilton. Sem preparos, sem maiores ajustes, e Russell só não ganhou a corrida em Sakhir porque a escuderia conseguiu fazer uma lambança monstro ao colocar os pneus de Bottas no carro dele, forçar mais uma parada e jogar fora uma vitória garantida.
– A Red Bull boicota Pérez porque a F-1 não quer que um latino ganhe um campeonato de F-1
Essa é tão fácil de rebater! O Brasil tem: 8 títulos mundiais (3 de Ayrton Senna, com 41 vitórias, 3 de Nelson Piquet, com 23 vitórias e 2 de Emerson Fittipaldi, com 14 vitórias). Para os mexicanos, que desde o ano passado valorizam muito os vice-campeonatos, temos: 2 vice-campeonatos de Rubens Barrichello (com 11 vitórias e 68 pódios), 1 de Felipe Massa (11 vitórias e 41 pódios), 1 de Piquet, 1 de Senna e 1 de Emerson, além de 1 vitória de José Carlos Pace. Resumindo, um total de 101 vitórias e 293 pódios. A Argentina tem: 5 títulos mundiais de Juan Manuel Fangio (24 vitórias), 2 vice-campeonatos do mesmo Fangio e 1 de Carlos Reutemann (e 12 vitórias). Um total de 13 títulos mundiais de latino-americanos. Outros pilotos latino-americanos tiveram participação na F-1, alguns deles com boa relevância, como o colombiano Juan Pablo Montoya (7 vitórias e 30 pódios em 94 largadas) e outros nem tanto, como o venezuelano Pastor Maldonado (1 vitória e 1 pódio em 95 corridas). Dizer que a FIA não quer um latino campeão é ridículo e ainda por cima contraria as teorias sobre o grande apelo de Marketing de pilotos como Pérez. Mas coerência não é o forte deste pessoal assim como, suspeito, Matemática ou mesmo Estatística.
A outra “acusação” é que a diretoria da FIA só quer pilotos europeus. Nem preciso mencionar que o presidente da entidade é árabe, não? Na história da F-1, o país que mais vitórias tem é o Reino Unido, com 308, seguido da Alemanha, com 179 e do Brasil, com 101. Depois vem a França, com 81 e a Finlândia, com 57. Os Países Baixos ocupam o sexto lugar, com 54 vitórias, mas todas elas devidas a um único piloto: Max Verstappen. A Austrália ocupa o sétimo lugar, com 43 vitórias e a Argentina o décimo, com 38. A última vez que chequei no mapa, Austrália estava fora da Europa assim como Brasil e Argentina, que, por sinal, pertenciam à América Latina.
– A Red Bull mantém um engenheiro de corrida incompetente para Pérez propositadamente para que ele não faça sombra a Verstappen
Hugh Bird é o engenheiro de corridas de Pérez desde que o mexicano chegou à Red Bull, em 2021. O britânico está na equipe desde 2012 e foi promovido a engenheiro de corrida em 2021. Em 2015, quando Verstappen chegou à Red Bull, Bird foi engenheiro de desempenho do neerlandês e juntos conquistaram 7 vitórias e vários pódios. A torcida mexicana culpa Bird pelos resultados de Pérez, mas há três anos o mexicano elogia publicamente seu engenheiro. O estranho é que o piloto anterior, companheiro de Max na Red Bull, era o anglo-tailandês Alexander Albon. Ele correu pouco mais de um ano na equipe e pediu, e conseguiu, a troca do seu engenheiro Mike Lugg por Simon Rennie. Se um piloto estreante na escuderia, com apenas um ano de Fórmula 1, pede e consegue a troca de seu engenheiro é pouco provável que um Sergio Pérez da vida, com 13 anos no esporte e três anos na Red Bull não conseguisse essa troca, não? A questão é: será que ele quer ou isto tudo não passa de mais uma justificativa da torcida para os parcos resultados?
(Continua na próxima edição)
Mudando de assunto: sempre tive um pé atrás com carros elétricos, embora ideologicamente me agradem. Depois de todos os problemas enfrentados por locadoras e a iniciativa de liquidarem estoques de veículos com essa propulsão, fiquei ainda mais preocupada. Talvez seja um problema de timing.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.