Há 70 anos, em 6 de fevereiro de 1954, por ocasião da abertura do Salão de Carros Esportivos de Nova York, a Mercedes-Benz surpreendia o público apresentando o superesportivo 300 SL, um cupê de dois lugares com configuração de carroceria inusitada destacando as portas que abriam para cima, daí a denominação “Gullwing” (asa de gaivota).
Apesar de ser uma novidade em automóveis de série na época, já era um artifício utilizado pela equipe Mercedes-Benz desde 1952, no protótipo de competição 300 SL (W 194). Foi uma solução de compromisso encontrada pelo genial engenheiro Rudolf Uhlenhaut, que havia projetado um chassi tubular de estrutura espacial superleve.
Como esta estrutura inviabilizava a instalação de portas com a abertura lateral convencional, Uhlenhaut partiu para a solução radical de colocar as portas abrindo para cima, com as dobradiças afixadas no teto. Por ser um carro destinado para corrida, com carroceria leve de alumínio, não foi algo complicado e as portas leves facilitavam o acesso dos pilotos.
Segundo consta, os dirigentes da Mercedes ficaram preocupados com a possibilidade de haver alguma restrição nos regulamentos das competições com relação a este tipo de configuração, mas o chefe da equipe Alfred Neubauer garantiu que não havia nada contra e o retorno oficial da equipe Mercedes-Benz às competições mundiais foi muito bem-sucedido em 1952.
Com vitória 1-2 na 24 Horas de Le Mans e na Corrida Panamericana que atravessava o México de norte a sul, outra dobradinha, e o segundo lugar para a Ferrari na Mille Miglia, os 300 SL chamaram muita atenção não só pelo desempenho, mas também pela abertura “anticonvencional” das portas o que fazia a alegria dos fotógrafos de jornais e revistas.
A equipe Mercedes chegou a desenvolver nova versão do protótipo 300 SL para a temporada de 1953, com a estrutura feita com uma liga de magnésio denominada Elektron, que reduziu o peso do conjunto em 85 kg, além de também adotar a injeção de combustível mecânica, fornecida pela Bosch, no lugar de carburadores, e câmbio e diferencial (transeixo) na traseira. O câmbio era de quatro marchas.
A suspensão era independente nas quatro rodas, mas a traseira, como em outros Mercedes-Benz, era por semieixos oscilantes, longe do ideal para um carro esporte, apesar de melhorado com pivotamento baixo dos semieixos e da mola helicoidal de compensação sobre o transeixo para evitar excessiva transferência de peso para a roda externa nas curvas. Mas a inevitável variação do câmber das rodas traseiras exigia perícia e atenção do motorista para evitar repentinas e perigosas escapadas de traseira.
Mas a direção da empresa decidiu não participar oficialmente da temporada de carros esporte-protótipos daquele ano para que a equipe de engenheiros focasse no projeto do monoposto de Fórmula 1 (W 196), que acabou estreando no então Campeonato Mundial de Pilotos em 1954 tendo o argentino Juan Manuel Fangio como líder da equipe.
Com isso, o protótipo 300 SL teria ficado relegado ao esquecimento após seu sucesso nas pistas, não fosse a insistência de Max Hoffman, o importador da marca para os Estados Unidos, que acreditava no potencial do crescente mercado americano no pós-guerra para um superesportivo tão diferenciado e exclusivo.
Em uma reunião com os diretores da Mercedes em Stuttgart no começo de 1953, Hoffman se comprometeu a fazer um pedido de 1.000 unidades do 300 SL para viabilizar a produção comercial do modelo, com o que o então novo diretor-geral da Mercedes, Fritz Konecke, concordou. Além disso, Hoffman também encomendou 1.000 unidades do roadster 190 SL, desempenho mais modesto.
Com isso, os dois esportivos da linha SL foram lançados oficialmente no Salão de Cerros Esportivos de Nova York e não de Frankfurt ou Genebra, como era costume da marca. E ambos fizeram muito sucesso, mas o 300 SL foi o destaque da exposição e confirmou a sensação de Max Hoffman, ao receber muitas encomendas durante o salão.
O 300 SL Coupé (série W 198) exigiu soluções específicas de design e construção. As portas “asa de gaivota” precisaram de molas a gás montadas no teto. Discretas e alojadas em elegantes tubos cromados, elas não só facilitavam abrir (levantar!) as portas, como as mantinham na posição aberta, um recurso de comodidade importante para o modelo.
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Outro problema era com relação a aberturas das janelas das portas, cujos vidros não podiam baixar devido ao desenho delas e que nos carros de competição eram basculantes. Por isso no 300 SL de produção os vidros eram removíveis soltando um pequeno mecanismo de retenção para acomodá-los no pequeno porta-malas. A alternativa de conforto como solução intermediária eram grandes quebra-ventos.
Derivado de um carro de corrida, o esportivo 300 SL tinha todas as qualidades no que se refere ao desempenho, mas também defeitos, a começar pelo acesso ao interior devido à limitação do chassi tubular. No protótipo de corrida o volante era simplesmente removido da árvore para o piloto se acomodar. Mas como no modelo comercial isso não seria viável, os engenheiros da Mercedes desenvolveram uma solução de volante basculante, que podia ser girado para baixo ficando em posição horizontal, desse modo facilitando muito a passagem das pernas e pés do motorista para acomodação no banco. Uma pequena alavanca no cubo liberava ou travava o movimento basculante do volante.
Estes problemas, entretanto, não atrapalharam o sucesso comercial do 300 SL, já que o modelo tinha muitas qualidades a mais, como a distribuição de peso quase ideal, equilibrada entre os dois eixos. Além disso, foi o primeiro esportivo de produção em série com injeção direta de combustível, fornecida pela Bosch. O motor era inclinado 50º para a esquerda para menor altura do capô
O motor seis-cilindros em linha, 3-litros, comando de válvulas no cabeçote, desenvolvia 240 cv a 6.100 rpm e 30 m·kgf a 4.800 rpm. Além de ser muito potente para sua época, também era veloz superando os 250 km/h. Em linha de produção de 1954 a 1957 o 300 SL cupê teve 1.400 unidades fabricadas.
Seu preço também era superlativo na ocasião custando colocado nos Estados Unidos 6.820 dólares. Para se ter uma ideia alto preço, o Chevrolet Corvette, lançado na mesma época, custava em 1954 US$ 2.774. Por isso, o Mercedes-Benz 300 SL “Gullwing” pode ser considerado como o “avô” dos modernos hipercarros dos principais fabricantes de esportivos.
RM