Há pouco tempo comentei neste espaço que em casa havíamos trocado um dos sedãs por um suve. Não, não tenho nenhuma reclamação do carro, muito pelo contrário, embora continue sem praticamente ver terra e desde a compra nem tenhamos usado a capacidade da tração 4×4. Ironias do destino. O possante foi comprado para que pudéssemos viajar pelo Brasil afora sem receio de encarar estradas malfeitas ou de terra, mas depois daquele dia mal saímos do asfalto…
Bem, não perco as esperanças. Em algum momento conseguiremos fazer algum dos roteiros que tenho em mente e então poderei dizer: “Eu sabia que ia usar a tração 4×4 alguma vez” ou “eu sabia que iria precisar de um carro mais alto alguma vez”. Só que até agora isso não aconteceu. Mais por contingências fortuitas do que outra coisa.
Queria comentar hoje de como precisei mudar minha forma de dirigir quando sento atrás do volante dele. Como meus leitores mais antigos sabem, sempre tive sedãs e hatchbacks. Já dirigi suves, camionetas e outros tipos de carro, mas sempre de amigos ou, principalmente, alugados quando viajamos e, por isso mesmo, por períodos limitados, ainda que às vezes tenham sido bastante longos. Mas ter um na garagem e sair por aí praticamente todo dia é algo muito, muito diferente.
No final de semana passado, conversando com meu marido, ele me disse a mesma coisa: nós dois dirigimos diferente um carro e outro, mas de maneira igual entre nós dois. Aliás, o tema surgiu quando ele fazia uma curva muito pronunciada, saindo de uma estrada para entrar em outra. O trecho é muito bem-feito: pista dupla, sem buracos ou desníveis, asfalto perfeito, raio da curva correto, superelevação do asfalto bem feita, tudo nos conformes. A velocidade em que estávamos era compatível com a da pista e, sem falsa ou verdadeira modéstia, minha cara-metade manda muito bem atrás do volante. Ele disse: “Com um suve eu não poderia fazer esta curva assim. Seria ouro ângulo e outra velocidade”. Concordei imediatamente (foto de abertura).
A curva foi feita com o sedã, acelerando normalmente e o carro se “agarra” ao chão ainda mais nessas horas. Me lembrou a imagem de uma leoa quando se abaixa na savana para se camuflar com a grama pouco antes de dar o bote sobre algum animal. É como se grudasse no chão. Já com o suve, o centro de gravidade do carro é outro, mais alto e, claro, o peso total geralmente é maior do que o de um sedã. O carro todo é mais alto e a tendência é de ir mais para o lado externo da curva. Falo aqui de coisas praticamente imperceptíveis para o motorista comum no trânsito urbano,, mas o fato é que não teríamos feito essa curva com o Renegade na velocidade e da forma em que a fizemos com o sedã.
Vejam bem, não se trata de uma reclamação. Nada disso. Dirigir carros diferentes e em superfícies diferentes exige algumas vezes que o motorista mude sua forma de pilotar para evitar um possível acidente. Sempre digo: não há carro ruim, há motoristas ruins. Isso serve para carroceria e motor. Carro popular é ruim? Nem um pouco, mas um motor de menor potência exige mais trocas de marcha em subidas, por exemplo. Nada pior do que alguém querer subir uma rua íngreme com um carro 1,0 em terceira. A maioria dos carros com motores potentes o conseguiria com menos dificuldade, mas ainda assim é uma barbaridade – especialmente para quem está num carro logo atrás.
Com o suve é a mesma coisa: no plano, não noto muitas diferenças entre ele e o sedã, mas nas curvas de raio longo, especialmente em velocidades um pouco mais altas, preciso me lembrar que estou no outro carro. Não que isso seja difícil, pois como vocês bem sabem sou algo prejudicada verticalmente e fico bem mais alta neste tipo de carro, mas a questão é que tenho me policiado bastante para prestar atenção ao fazer algumas manobras. Certamente em algum momento isso vai ficar ainda mais natural do que é hoje, mas não custa falar sobre esse assunto.
Mas não somos apenas meu marido e eu que ficamos com a impressão de que é diferente dirigir um suve e um sedã. Karima Delli, uma política francesa da bancada dos “verdes”, membro do Parlamento Europeu e presidente da Comissão dos Transportes e Turismo daquela casa legislativa, apresentou no ano passado uma proposta para incluir uma nova categoria de carteira de habilitação no continente, específica para dirigir suves. Eles só poderiam ser guiados por maiores de 21 anos e que já tivessem pelo menos dois anos de habilitação, entre outras (muitas) alterações. O modelo de carteira não seria mais o conhecido “B”, mas um “B+”.
Por enquanto, a ideia é apenas uma proposta que continua sendo discutida. No projeto inicial, a habilitação seria em função do peso do veículo e não só do tipo de carroceria, e atingiria os modelos acima de 1,8 tonelada. O problema, —sempre há um — é que a proposta de Karima tem alegados objetivos de reduzir a quantidade de emissões. Ela, assim como os “Verdes” europeus, alega que carros mais pesados são menos eficientes em termos energéticos. A armadilha do raciocínio é clara para mim: veículos elétricos pouco ou nada poluentes como os modelos Kia e-Niro, Škoda Enyaq ou VW ID.4 e que são modelos familiares, pesam mais de 1,8 tonelada. Seus condutores teriam suas vidas complicadas e seriam necessários novos gastos para obtenção da nova carteira de habilitação — mesmo tendo mudado para veículos mais sustentáveis em termos de consumo de energia. E, por óbvio, se o objetivo era dificultar o uso de veículos pesados poluentes haverá muitos prejuízos para quem tem um veículo pesado não poluente.
A proposta da deputada foi bombardeada até mesmo pelos seus colegas verdes da Alemanha. Em meio a um mar de críticas, disseram que da medida não constava nada sobre carretinhas puxadas por motos (que ainda, teoricamente, são ilegais na União Europeia, mas muito comuns e nada punidas) e sobre a condução de motos apenas com a carteira do tipo B. Mas deram muitíssimos outros exemplos de itens que deveriam ser incluídos e que, sim, contribuiriam para a redução de emissões e para o aumento da segurança viária, mas ficaram de fora da proposta da Comissão.
A proposta recebeu quase 200 emendas antes de ser apresentada e pouco antes de sua primeira votação outras quase 600, mas já era um Frankenstein em termos de tirar direitos já conquistados em diversos países do bloco – e a maioria deles pouco ou nada tinham a ver com controle de emissões, eram mais burocracia e restrições do que qualquer outra coisa. Tudo empacotado como “a nova carteira de habilitação”. Em fevereiro do ano passado, o Parlamento aceitou, por diferença de um voto apenas, o relatório, mas dispôs que ele será analisado no decorrer de 2024. Ou seja, vão continuar discutindo aquilo que deveria ter sido apresentado completo e redondo, mas não foi. Veremos se sai um novo Frankenstein de tudo isto.
Mudando de assunto: há um par de dias aconteceu em São Paulo um acidente de trânsito horrível. Um carro, aparentemente em velocidade muito alta e certamente incompatível com a via (onde a máxima permitida é de 50 km/h), bateu na traseira de outro. Os dois veículos foram parar longe. do ponto do impacto. e o atingido ainda colidiu com um poste. O motorista do carro vítima morreu e o acompanhante do carro que provocou o acidente está internado. O motorista que causou tudo isto fugiu do local, mas a família diz que não se evadiu. Eu não sei como classificar ele ter saído de lá e só ter se apresentado à polícia 38 horas mais tarde. Bem, obviamente é necessário que se apure todo o incidente, mas não sei por que a imprensa insiste em classificar o automóvel que provocou tudo isto como “automóvel de luxo”. Pelo vídeo, qualquer carro nessa velocidade e nessas condições teria provocado o que este provocou, sendo “de luxo” ou não. Sim, caros leitores, implico com qualificações desnecessárias ou preconceituosas. O fato de ser um carro caro não diminui em nada o impacto que ele pode provocar se estiver a, sei lá, 100 km/h e bater na traseira de outro, que, aliás, poderia ser “de luxo” e o desastre teria sido igual. A única diferença é para os motoristas e eventualmente os passageiros, pois carros mais sofisticados costumam ter mais dispositivos de segurança, como bolsas infláveis em maior número.
NG
A coluna “Visão feminina” é de exclusiva responsabilidade de sua autora.