Quando se fala em dirigir no Reino Unido a primeira coisa que as pessoas me perguntam é sobre andar “do outro lado da estrada”. Bem, a mão inglesa, é claro, é uma complicação, mas não é a única. Fora da Inglaterra um detalhe que requer atenção é o uso de outras línguas, como as gaélicas e o galês . Não sei exatamente o quanto as pessoas no Brasil tem noção de como elas são frequentes no dia adia dos irlandeses, galeses ou escoceses, mas são, sim, extremamente utilizadas. E a sinalização das estradas reflete isso.
Na verdade, chovia (ô, novidade!) quando atravessamos a ponte Príncipe de Gales, que cruza o rio Severn e une a Inglaterra a Gales. mas assim que terminamos a travessia de 5.100 metros saiu o sol. Sim, chegamos a Gales sem um pingo de água e até mesmo com sol, em apenas alguns minutos e assim que pusemos as rodas em solo galês. E do outro lado soube que a ponte, em galês, tem outros dois nomes: Ail Groesfan Hafren ou Pont Tywysog Cymru. Fácil de decorar, não? Para mim era bem mais fácil chamá-la de Prince of Wales.
Ao sair da Inglaterra e entrar, de carro, no País de Gales, não passamos por nenhuma alfândega nem controle, pois Gales é um país do Reino Unido, com primeiro-ministro próprio, mas anexado à Inglaterra e, portanto, uma monarquia constitucionalista. Por isso só percebemos a mudança de país porque nos deparamos com uma placa em galês que dizia algo assim como Wales (Gales, em inglês) e Cymru (Gales, em galês) e logo depois uma que indicava que estávamos em Cardiff, a capital do país. (foto de abertura). E aqui vai a primeira explicação: galês não é gaélico. É galês, mesmo. Ambos idiomas vêm do celta, mas têm escrita e pronúncia muito diferente e alguém que fale galês não entende alguém que fale irlandês. Eu, pessoalmente, não entendo nenhum dos dois. Nadinha, nem uma única palavra, escrita ou falada.
Ao contrário do que costumo fazer, e que já contei em algumas colunas aqui no AE, desta vez não consegui aprender aquelas poucas palavras no idioma local que sempre tento. Resumindo: quando viajo, gosto de saber falar: coentro e alho (não gosto de nenhum dos dois e quero garantir que minha comida não tenha nenhum desses ingredientes), bom dia, boa noite, por favor, obrigada (por questões de boa educação), vinho, café (por questão de sobrevivência) e pato (porque coleciono e sempre que possível gosto de comprar algum). Tentei, caros leitores, mas os gaélicos e o galês me confundiram totalmente. Apenas conseguia dizer “obrigada” no idioma do lugar em que estava por algumas horas. Em pouco tempo já trocava as bolas e, claro, nem tinha como fazer uma colinha pois a escrita nada tem a ver com a pronúncia e a pronúncia de diversas letras é muito diferente dos sons com que estamos acostumados. Desta vez foi tudo em inglês, mesmo.
No Reino Unido estima-se que 560.000 pessoas falem galês, mas mais de 95% delas falam também inglês, portanto não foi problema para nós. Nas estradas as placas são bilíngues, mas a primeira indicação é em galês. O Waze, que eu mantinha em Português, se atrapalhava inteiro. Dizia os nomes das cidades ou das ruas em inglês com uma pronúncia terrível, como: siga na pista tuguórdis Brijéndi/ Penybontiaroguir e eu tinha de adivinhar que deveria seguir na direção de Bridgend/Pen-y-bont ar Ogwr. Mas houve casos ainda piores, tanto que pensei em mudar o áudio para inglês, mas fiquei com receio que ao falar em galês cairia no mesmo problema. O jeito era ficar lendo a tela do celular e as placas na estrada, tudo ao mesmo tempo. E, claro, tivemos alguns casos de “recalculando” pois às vezes não dava tempo de ler toda a placa pois, instintivamente, temos a tendência a ler de cima para baixo, e a primeira opção era sempre em inglês…E raramente o nome da cidade em inglês é parecido com o nome em galês. Aliás, mesmo no caso de outras indicações era necessário ler os dizeres em inglês.
De resto, as dificuldades eram as mesmas: dirigir na pista contrária, entrar nos zilhões de rotatórias pela esquerda… Achei engraçado o “aguarde” no sinal para pedestres. Na verdade, do jeito como é escrita a palavra em galês nem pensaria em não aguardar: arhoswch. Deveras intimidador, não? Brincadeira, achei os galeses incrivelmente simpáticos. Muito, muito mesmo. Aliás, o trânsito me pareceu muito civilizado ainda, bem parecido com o inglês. Rodamos bastante, embora seja um país pequeno, pois atravessamos desde a fronteira Sul até a Norte, em Holyhead e por algumas estradas ao fazer passeios de Leste a Oeste (foto mais abaixo).
Ao norte de Caerphylly vi com muita frequência algo que achei extremamente lógico e que depois encontramos em outros lugares, mas não com tanta frequência quanto em Gales: velocidades máximas diferentes para as pistas numa e em outra direção na mesma estrada. Explico: ao cruzar por vilarejos, muito comuns por onde estávamos circulando, a velocidade devia ser reduzida ao entrar nas vilas, mas não havia necessidade de fazer isso quando se saía delas. Então, nada mais lógico do que manter limites diferentes para as duas faixas, um para quem entra no vilarejo e um para quem sai dele.
Assim como na Inglaterra, rodamos por várias estradas muito estreitas em Gales. Pista simples, sem acostamento e com muito trânsito de caminhões. Aliás, ficar atrás de um caminhão ou um ônibus não era nunca um problema — pelo contrário, eles andavam mais rápido do que os carros de passeio e para nós era uma vantagem, pois pela largura maior deles quem vinha no outro sentido já ia mais para o lado do que seria (se houvesse) o acostamento, dando mais espaço para nosso carro. Assim, pegamos algumas caronas com caminhões, ônibus e até com trailers.
No caminho em direção ao Norte de Gales encontramos várias interdições, mas todas muito bem indicadas – em galês e em inglês. Sempre com sistema de sinalização luminosa de verde e vermelho para que os carros parassem ou seguissem, uma vez que a faixa era única. Achei um pouco demoradas as luzes, mas não sei como é feita a temporização, pois na maioria das vezes não havia pessoas trabalhando no local e acho que poderiam modificar os tempos. O fato é que se formavam longas filas dos dois lados — e isso aconteceu não apenas em Gales, mas muito também nas Irlandas e na Escócia. O importante é que mesmo sem que houvesse pessoas, a sinalização era rigorosamente respeitada. Não vimos ninguém furar sinal algum.
Rodamos muito pela estrada A470 que, além de muito bonita, tem boa qualidade. É de pista simples, sem acostamento, mas muito bem feita e bem sinalizada. Em algum lugar do caminho cruzamos com umas duas dezenas de carros superdiferentes, como um Morgan de três rodas, todos na mesma direção. Pesquisei, mas não encontrei nenhum evento naquele dia, mas sim muitos de carros antigos em várias datas ao longo do ano todo.
Gales é um país muito rural e é comum, assim como em outros lugares do Reino Unido, encontrar tratores transitando pelas estradas. Lá é permitido e raramente alguém mais afobado ultrapassa. Aliás, geralmente os motoristas de trator jogam o máximo possível para a lateral, deixando bastante espaço para o carro.
Novamente, gostei de Gales? Sim e foi uma surpresa, pois pouco sabia sobre o país além do fato de ser o lugar de nascimento do meu ídolo Tom Jones e da atriz Catherine Zeta-Jones (lá descobri que a cantora Shirley Bassey também é galesa, e de Cardiff).
Passei meu aniversário em Cardiff, uma cidade simpática, mas gostei especialmente da área do cais, charmoso, vibrante além de, claro, o centro e toda a área ao redor do castelo. Adorei especialmente a parte rural do país, fora da capital, mas sobretudo sai de lá encantada com os galeses, absolutamente adoráveis, divertidos, simpáticos. Ah, e a comida é bem saborosa, especialmente o prato mais típico, o “cawl”, um ensopado de carneiro delicioso. E continuo confirmando que o que mais valeu a pena foi a decisão de fazer a viagem de carro. Apesar de dirigir do outro lado, das placas incompreensíveis em galês e das rotatórias ao contrário. Nada se compara à liberdade de parar onde se quer, mudar o roteiro, trocar a estrada…
Mudando de assunto: não concordo com aquelas pessoas que dizem que a Fórmula 1 está chata porque sempre ganha Max Verstappen. Mesmo ele sendo o líder do campeonato, temos visto lindíssimas corridas, com muitas disputas e este ano sequer a Red Bull tem tido tanta diferença de desempenho e enfrentou alguns problemas mecânicos. Quem diz que deixou de assistir por já saber o resultado não sabe o que está perdendo.
NG
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