Uma linda foto do colega Mário Bock (foto de abertura) me remeteu às deliciosas viagens de trem que fiz, na infância com meus pais e irmão, entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Confesso que me deu uma enorme tristeza ver aquela locomotiva ali, desrespeitosamente abandonada num canto qualquer desta terra descoberta por Cabral.
Disse Mário Bock: “Esta foto linda, mas triste, eu fiz em 1974, portanto tem exatos 50 anos. O título que dei à foto foi “Fim da linha”, essa composição parou e morreu desse jeito na fazenda Ipanema, próximo à Sorocaba, onde serviu à usina siderúrgica que havia lá, por sinal a primeira do Brasil e inaugurada por Dom Pedro II. Hoje resta bem conservado o enorme prédio do alto-forno, mas sem nenhum maquinário em seu interior. A velha locomotiva fotografada não tem mais, provavelmente foi derretida como ferro velho. Que pena. Interessante é que a locomotiva com os vagões já devia estar parada ali por anos, tempo em que quase tudo desapareceu do cenário, inclusive os trilhos, menos ela que permaneceu para contar história.”
Mais uma inspiração para essa coluna é que a minha cidade, Santos, tem um coração, o porto. Sendo o maior da América Latina, é o principal responsável pelas exportações brasileiras e também pela mercadoria que entra em nosso País. E como o santista sabe que este coração continua pulsando forte, dia e noite? Pela buzina (foooom) do trem da Rumo, empresa de logística que atua em todo o território nacional, quando adentram o nosso porto. Mas o que mais me atrai no apito desse trem é me lembrar das minhas viagens de trem.
Cada viagem, com a composição puxado pelas antigas locomotivas a vapor, era uma festa, saindo da estação da Luz, em São Paulo, até a Central do Brasil no Rio. Uma viagem feita no chamado “Trem de Prata”, que não tem mais (infelizmente) com sua cabine onde havia um beliche, pia e de barulho, só o “telec-telec” característico de um trem. Sem contar, claro, o apito nas passagens de nível e o surgimento de algum obstáculo (em geral animais) na linha. Uma característica do lado de cima do beliche era uma espécie de cinto de segurança, uma cinta bem larga, que descia do teto da cabine, bem no centro do leito.
As viagens direto para Minas, não tinham o “Trem de Prata”, apesar da distância bem maior (664 km, contra 400 km do Rio). Mas tinha uma curiosidade, a baldeação, quando chegando a Conselheiro Lafaiete, todo mundo pegava suas bagagens e mudava de trem. Acontecia em razão da diferença de bitola. A que servia o trem saindo de São Paulo era mais larga que a usada em Minas Gerais. A grande diferença é que, nesta segunda, o trem balançava muito e eu e meu irmão, Luiz Antônio, o “Lubi”, nascido em Ponte Nova, MG, ficávamos brincando, exageradamente, jogando o corpo de um lado para o outro. Até vir a bronca da mãe ou do pai.
Homens encapotados
Uma coisa que sempre me intrigou nas viagens de trem para Minas eram aqueles homens usando umas capas muito compridas, quase arrastando no chão, chapéus e óculos, semelhantes àqueles usados por motociclistas antigamente. Um dia perguntei ao meu pai, o porquê daquele modo estranho de se vestir.
— Sabe, Francisco (nunca esqueço a resposta, do meu pai) é que essas pessoas têm medo da fuligem (teve que explicar o que era fuligem) que entra nos vagões, vinda lá da máquina, pois às vezes a janela do trem está aberta e é perigoso para queimar a roupa ou até ferir os olhos. Por isso eu sempre escolho bancos de costas para o sentido da estrada, para que isso não nos queime.
Eu vi muita fuligem entrando pela janela e atingindo pessoas dentro do trem. Uma vez o vestido de uma moça quase pegou fogo e foi a maior gritaria dentro do vagão. Aí todo mundo fechou as janelas, não apenas os vidros, mas também as venezianas (lembra do que se trata?) e viajamos com muito calor. Mas era divertido viajar de trem, mesmo no trecho mineiro que, balançando muito, nos obrigava a andar sempre segurando no apoio dos bancos, para ir ao banheiro ou ao restaurante.
Mas falando mais de trem, uma viagem que ainda pretendo fazer é aquela entre Belo Horizonte e Vitória, ES. A estrada de ferro foi construída em 1904 e assumida pela Vale do Rio Doce em 1997. Transporta carga e passageiros, sendo que esses últimos viajam em vagões fabricados na Romênia em 2013. O trecho tem 664 km que é percorrido a uma velocidade entre 60 e 67 km/h (o trem bala no Japão, corre a 360 km/h; na China, 350 km/h e o TGV, na França, 320 km/h), em cerca de 13 horas, passando por 30 estações, entre elas Itabira, terra de Carlos Drummond de Andrade e onde foi reeleito prefeito o Marco Antônio Lage, ex-diretor de Comunicação da Fiat.
Quem nunca viajou de trem, precisa fazê-lo, seja em pequenos passeios que existem em várias regiões, ou em viagens longas como a de 900 km entre São Luiz, no Maranhão, e Parauapebas, no Pará. Tudo em 16 horas, passando por 27 municípios e parando em 10 estações. Boa viagem!
CL
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