Aqui no AE sempre damos muita ênfase a características técnicas dos carros, mas como eu disse na semana passada, eu quero trazer outros aspectos sobre marcas e modelos.
Em junho desse ano a Bugatti apresentou o seu novo modelo, o Tourbillon, e eu acompanhei a transmissão ao vivo do evento de lançamento pelo YouTube. Além do carro e da esportividade que já conhecemos, eu pude observar vários elementos que posicionam a Bugatti como uma marca de luxo.
E marcas de luxo vendem desejo mais do que produtos. Sua história, design atemporal, seus criadores míticos, herança, escassez e atesania são alguns dos elementos que combinados nos fazem desejar tanto algumas marcas.
História
O primeiro elemento que eu destaco é que as marcas de luxo têm uma longa história. Claro que existem marcas de luxo mais recentes, mas as principais marcas são todas centenárias ou quase bicentenárias.
Hermès e Tiffany & Co. de 1837, Patek Philippe de 1839, Cartier de 1847, Louis Vuitton de 1854, Panerai de 1860, Rolex e Dior de 1905, Chanel de 1910, Gucci de 1921, Prada de 1913 e Balenciaga de 1917, são alguns exemplos.
A Bugatti é de 1909 e completa 115 anos em 2024. E teve sua história recheada de modelos emblemáticos como o Type 35.
Design icônico
Todas essas marcas de luxo têm o design como grande apelo. Na verdade, essas marcas ditam o design, criam peças atemporais. A sofisticação das peças mais emblemáticas reside na pureza e na essência do design. Com poucos subterfúgios para chamar a atenção.
O belo, na maioria das vezes é simples, essencial e reducionista. E isso torna as peças admiráveis, e independentemente da década ou século em que estivermos elas serão sempre belas e desejadas. Alguns produtos de luxo acabam parando em museus de arte importantes.
Criadores, não seguidores
Outro aspecto que observei nas minhas incursões sobre o luxo é que marcas de luxo se definem pelos seus criadores e não pelo “mercado” ou pesquisas. É a visão deles que cria o extraordinário, que rompe conceitos, que inova. Seus criadores tiveram uma visão diferente e estabeleceram os pilares dessas marcas. E assim, mesmo depois de nos deixarem, ao longo dos anos esse processo criativo se repete constantemente se acomodando a cada tempo. Seus criadores, muitas vezes gênios, implementaram suas visões únicas e incopiáveis.
Ettore Bugatti, o criador da Bugatti, era um perfeccionista. Ele desejava apenas o melhor para seus carros, seus clientes, sua empresa e para si mesmo, seguindo a máxima:
“Se for comparável, não é mais Bugatti”. E assim, seguindo essa inspiração, alguns ícones da marca foram criados.
Herança
E as marcas sabem que criaram ícones, mas também sabem que não sobreviveriam tanto tempo dependendo apenas deles. Por isso celebram seu passado, mas não se prendem a ele. Sua história é importante. Mas não mais importante que a história que está se desenvolvendo e a visão de futuro.
Mantendo o DNA Bugatti alguns elementos são mantidos ao longo dos anos como definidor da marca, como, por exemplo, a “grade do radiador em ferradura”. Outros elementos podem ser resgatados e reinterpretados de forma evolutiva, como uma herança genética que faz conexão com a história.
Nesse caso o Tourbillon, além da grade, trouxe dois elementos do fantásticos e icônicos do Type 57 SC Atlantic. É o caso da altura mais baixa e da linha dorsal que vai da frente até a traseira do novo modelo. Quem é apreciador da marca entende esses códigos reinterpretados e adora.
Escassez
A escassez também é um elemento importante e definidor do luxo. E com a Bugatti não seria diferente. A Bugatti não tem uma linha de produtos, pois não precisa. Fabrica um mesmo modelo durante anos. A cada lançamento é definido um volume muito pequeno, algo como 250 a 300 unidades, fabricadas ao longo de anos, sem pressa e com processos artesanais. Não é à toa que a pequena fábrica na França é chamada de ateliê. Assim, o preço é altíssimo. Adiciona-se a isso algumas séries especiais mais limitadas ainda. E mais caras também.
Em 2023 a Bugatti vendeu apenas 81 carros enquanto a Ferrari vendeu 13.663 unidades. O simples fato de serem peças únicas e em volumes limitados já aumenta o desejo e por consequência o valor.
Preço
No Brasil falam em algo como 60 milhões de reais para um Bugatti Chiron. São produtos para pouquíssimos, e quem paga o seu preço quer ser praticamente único. No caso do Tourbillon serão feitas 250 unidades com o preço de 3,8 milhões de euros na Europa ou 4,1 milhões de dólares nos EUA. Para se ter uma ideia, o Rolls-Royce mais caro, o Phantom longo, custa 540 mil dólares, sem opcionais.
Em marcas de luxo o desejo é sempre maior do que o preço.
Arte
Luxo e arte também sempre caminham de mãos dadas. Muitos produtos de luxo têm o status de arte. Seja pela artesania, do feito à mão, pelos designs únicos ou pela atenção aos detalhes. Um dos pontos altos desse novo Bugatti é o quadro de instrumentos.
Algo sensacional e inesperado para os dias de hoje, os instrumentos são todo analógicos como se fosse um relógio suíço. O que de fato praticamente é, pois, foi desenvolvido em conjunto com a marca de joias e relógios Jacob & Co. Os mostradores e indicadores são impressionantes.
Durante a apresentação também foi destacado que todas as peças, mesmos os componentes internos e que não são vistos pelos clientes, foram desenvolvidos de forma perfeita, bela e elegante.
“Nada é lindo demais, nada é caro demais, não deixamos ninguém nos dizer que não podemos fazer algo ou que algo é impossível, e nosso trabalho é para tornar o impossível possível para nossos clientes.”
“Se é comparável, não é um Bugatti.”
Ettore Bugatti
Inovação
E tudo isso sem ainda entrar na parte técnica do carro. Para isso seria necessário mais uma longa matéria para explicar a sua grandiosidade. No entanto, vale mencionar que o idealizador desse carro é Mate Rimac, um jovem de 36 anos, croata, que simplesmente fez o Rimac Nevera, o hipercarro elétrico que quebrou vários recordes de velocidade.
Ele chamou tanto a atenção que o grupo VW, até então dono da Bugatti, armou uma joint venture entre a Rimac Automobili e a Bugatti, criada para o desenvolvimento desse novo Bugatti e outros modelos elétricos. Fato curioso é que todo mundo esperava que o Rimac faria um carro elétrico. Mas a história da Bugatti é tão emblemática com motores a combustão únicos que ele mesmo decidiu manter um motor de 16 cilindros junto com motores elétricos fazendo assim um híbrido.
Ele conta que quando apresentou a ideia de fazer um V-16 aspirado e complementado por motores elétricos para a alta diretoria da VW, foi-lhe dito que ele não tinha a experiência para fazer algo tão complexo. Então ele respondeu que nos últimos 15 anos ele não tinha experiência em nada do que fez e ainda assim fez.
Bem, o resto já está virando história. Durante a apresentação em alguns momentos podemos observar o seu entusiasmo de um jovem criador em estar à frente de algo tão grandioso.
O próprio Rimac diz que os dados de desempenho acabam sendo secundários diante de tantos elementos impressionantes. E como toda marca de luxo, os números não importam tanto. Não porque não sejam relevantes, mas porque já sabemos que serão impressionantes.
A velocidade máxima do Tourbillon é de 445 km/h! Mas para isso existe uma chave especial que precisa ser acionada.
Storytelling, o desejo
E assim, o storytelling, ou a história contada, para a idealização e fabricação do produto com todos os elementos que o fazem extraordinário é o que desperta o desejo “visceral” por esse produto, mais do que o produto em si. E a história contada sobre o desenvolvimento do Tourbillon, suas inovações, a conexão com a história da marca, o seu design, a arte envolvida no processo, desperta interesse e encantamento. Ajuda a criar o mito. E acima de tudo o desejo.
Não resisti em destacar as falas do jovem Rimac que está honrando o legado do criador Ettore Bugatti e seu filho Jean Bugatti que foi responsável pelos avanços tecnológicos e sucesso da marca.
Mate Rimac, executivo-chefe da Bugatti Rimac:
“Olhamos para a história da Bugatti, para as criações de Ettore e Jean, e podemos ver imediatamente que eles se recusaram a fazer concessões. A quantidade de patentes que Ettore tinha em seu nome era incrível, pois ele nunca quis a solução mais simples, sempre quis a melhor solução, mesmo que ela ainda não existisse.
Ele iria embora e construiria, testaria e refinaria até que ficasse perfeito. E então ele faria tudo lindo. É por isso que os carros são tão reverenciados hoje em dia e é a força motriz por trás de tudo o que fizemos com o Tourbillon.
Então, sim, é uma loucura construir um novo motor V-16, integrá-lo a uma nova bateria e motores elétricos e ter um verdadeiro painel de instrumentos de relojoeiro feito na Suíça, peças de suspensão impressas em 3D e um console central de cristal. Mas é o que Ettore teria feito e é o que torna um Bugatti incomparável e atemporal. Sem esse tipo de ambição, você poderia criar um grande carro hiperesportivo, mas não criaria um ícone Pour l’éternité’ (para a ‘eternidade’).”
Abaixo está o vídeo completo do lançamento.
Grande abraço, PM
A coluna “Substance” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.