Você está passeando num sábado ensolarado com seu carrinho do ano, quando passa ao seu lado um belo Pontiac GTO 1967. Sua reação, como a de qualquer outra pessoa, será de acompanhar o clássico com os olhos, pois os automóveis antigos, apesar de já terem se incorporado ao cenário urbano de quase todo o mundo, ainda causam atração e admiração. Aí passa outro, logo depois. Tudo bem, são dois amigos dando aquela voltinha de fim de semana.
Mas outros também passam: “Eles andam em bando!”, pode ser o comentário dentro do seu carro. Mas daí não param mais, dezenas, centenas, milhares. Que é isso? Voltamos no tempo? Não! Onde seria possível ver passar 40 mil carros antigos, entre clássicos, hot rods, rat rods, originais ou transformados? Claro, na “Disneylândia” dos automóveis, região de Detroit, Michigan, norte dos Estados Unidos.

É lá que aficionados por carros clássicos se reúnem anualmente no terceiro sábado de agosto no maior evento do gênero de apenas um dia do mundo. É o Woodward Dream Cruise, um grande passeio aberto ao grande público no qual os participantes passam o sábado inteiro indo e voltando pela Woodward Avenue uma longa avenida (24 km) entre Ferndale e Pontiac, na região metropolitana de Detroit, Michigan e que atravessa uma dezena de cidades.

As atrações começam na véspera. Desde as primeiras horas da sexta-feira, tanto os participantes do Dream Cruise — os cruisers — que certamente passaram as noites das duas últimas semanas acertando e polindo seus carros, quanto o público que acampa nos gramados nas duas laterais da avenida, começam a chegar. Paralelamente, os oito municípios que participam oficialmente das festividades promovem eventos locais durante todo o fim de semana, visando principalmente entreter seus súditos. Não é preciso dizer que cada um desses eventos menores já é uma grande festa.

A Woodward Avenue, na verdade, cruza mais uma meia dúzia de outras cidades, mas que não participam oficialmente do Dream Cruise por não apresentar condições mínimas de espaço e estrutura. Os cruisers partem então de Ferndale, cidade a cerca de 10 km ao norte de Detroit, e seguem para Pontiac, a última cidade e a que mais atrações oferece aos participantes e ao público. Passam por Pleasant Ridge, Huntington Woods, Berkley, Royal Oak, Bloofield Hills e Bloomfiled Township.

Participei, como mero espectador (estava com um insosso carro do ano, alugado), da décima sexta edição do Dream Cruise, muitos anos atrás, evento esse que foi chamado de Woodward Dream Cruise Sweet 16, uma analogia à idade de ouro dos adolescentes americanos, que consideram o aniversário de 16 anos (doce 16) como um passaporte para a vida. Não é para menos, pois é justamente nessa idade que eles podem finalmente tirar sua ansiada habilitação e sair dirigindo legalmente pelo país dos automóveis.

A cultura automobilística dos americanos é algo incrível, assim como o gosto por paradas e festividades. Com a expectativa de começar o desfile às primeiras horas do sábado, na manhã da sexta-feira já se podia ver pessoas de todas as idades montando acampamento ao longo da avenida. Sim, é preciso guardar seu lugar com antecedência, certamente nos melhores e mais disputados pontos do espetáculo. Barracas, mesas e geladeiras são alguns dos apetrechos que famílias inteiras levam para a Woodward Avenue em seu fim de semana mais que especial.

O que mais se vê são casais idosos, alguns deles com seus carros de época cuidadosamente estacionados ao seu lado, com algumas histórias interessantes para serem contadas. Como a do casal que comemorava seus 25 anos de casamento: ela declarou que não queria, este ano, um anel de diamante ou uma viagem à Europa, mas sim um carro. E não qualquer carro, tinha de ser um Pontiac Trans Am idêntico ao que seu marido tinha quando a pediu em casamento.

“Eu disse a ele que queria exatamente o carro que me fez apaixonar por ele”, declarou a esposa. Dizendo isso, a dona de casa de 50 anos apontou com orgulho indisfarçável para o carro estacionado no gramado ao lado: o Pontiac Trans Am branco de 1969 que o marido comprou para ela. A placa do carro era HER 69TA, com um significado muito especial: “her 69 Trans Am”, ou o Trans Am 1969 “dela”.

Em relação aos carros, o que dizer quando eles são mais de 40 000? Um dia inteiro vendo-os passar, embaçando seus vidros para tentar olhar seu interior ou fotografando todos os detalhes quando os orgulhosos proprietários dão uma “canja” com o capô aberto não é suficiente para ver tudo.

Dizer que é um evento de carros clássicos nem seria muito apropriado, já que a maioria, quem sabe cerca de 90% deles, são hot rods — antigos com muita preparação —, rat rods — carros feitos propositalmente enferrujados ou com adaptações muito toscas— ou bólidos de arrancadas, do tipo daqueles funny cars que disputam aceleração no quarto de milha.

Os mais originais são, na maior parte, muscle cars dos anos 60, modelos sem adaptações mas que já saíam da fábrica com muita preparação original, com motores enormes instalados em versões mais compactas de carros familiares. Tudo isso para, já naquela época, satisfazer a inacreditável paixão que o povo americano tem pelos automóveis. O Woodward Dream Cruise, assim como milhares de outros grandes eventos que reúnem automóveis nos Estados Unidos, está aí para comprovar essa teoria.
GM