O Salão do Automóvel finalmente voltou. Voltou menor, verdade, e com muitas ausências. Eu entendo. A decisão de investir milhões e dividir as atenções com todos os outros participantes não é fácil. No cenário anterior isso representava uma escalada de custos crescentes na tentativa de cada marca se destacar mais.
Outro aspecto relevante é que antes a informação estava concentrada e os salões ao redor do mundo eram mais do que necessários para a divulgação das marcas, seus modelos e lançamentos. Hoje a informação flui por diversos meios e tem um alcance enorme. Tecnicamente, o salão não é muito necessário quando uma marca já é consagrada.
Mas os salões são bem mais do que isso. Eles representam emoção e sonhos para uma audiência fanática e interessada.
No entanto, os últimos salões de São Paulo tinham alguns elementos que desmanchavam a emoção e os sonhos. Um Anhembi muito ruim de serviços tornava os sonhos em martírio.
Muita coisa mudou. Há muitas marcas novas da China que precisam se posicionar. O Anhembi se reinventou e está digno de nos receber, e a RX Brasil (responsável pelo salão) escutou fabricantes e visitantes e com isso conseguiu fazer algo mais compatível com os orçamentos e uma experiência melhor para quem vai ao salão. Um belo ganha-ganha.
Mesmo assim muitas marcas-legado ficaram de fora. Foi uma pena. Eu as entendo e eu mesmo, se estivesse na posição de decidir sobre esse investimento, teria dificuldades de avaliar o retorno.
E algumas ações são assim mesmo, o retorno é intangível, imensurável tecnicamente por meio de indicadores de desempenho (KPI) tradicionais. Mas sabemos que são importantes.
E aí essa decisão tem que ser do board, observando as estratégias da empresa e como o salão se encaixa nelas ou não.
Mas ao visitar esse novo salão eu tenho certeza de que deve ter batido uma ponta de arrependimento, senão muito arrependimento mesmo. Deixar as chinesas dominarem a cena não me parece algo apropriado.
E aí eu tenho que tirar o chapéu para a Stellantis, que levou suas seis marcas para defender sua posição de líder. E fez isso com maestria estratégica, com um divisor de águas. GM, VW e Ford devem estar arrependidas de não estarem presentes para defender seus territórios com um conteúdo extremamente bem pensado para cada marca, com muitos modelos interessantes, ativações e posicionamento distinto.
Foi bonito de ver essa reação e briga pelo território conquistado. Para falar a verdade, foi o que eu mais gostei de ter visto. A disposição para competir de maneira saudável e com uma energia e vibração sem iguais. Em todas as seis marcas. E quem sai ganhando com isso são os clientes.
Em menor escala, mas não menos importante, também destaco a nova estratégia da Renault. Me parece que o plano Dacia foi abandonado, e agora uma nova Renault começa a surgir. Na torcida. E falando sobre Renault achei muito acertada a estratégia com a Geely. Há algum tempo as chinesas precisavam das marcas de legado para aprender. Agora o papel se inverteu e os alunos superaram seus mestres que não se atualizaram. A parceria estratégica entre as marcas será muito saudável. Começando pela Horse, que já deveria existir há muito mais tempo e envolver mais fabricantes. Talvez isso ainda aconteça.
Vale notar a Stellantis com a Leapmotor. Mesmo princípio e mostrando que as marcas-legado têm muito vigor e capacidade de reação jogando o jogo da China. E com uma força enorme em termos de herança positiva de marcas.
Toyota sendo Toyota. Avançando lentamente, mas com consistência ao trazer o Yaris Cross. Um modelo que tem muitas qualidades para agradar. Entre elas, um pouco mais de emoção. Mas nesse quesito, apesar do Akio Toyoda, a marca tem que remar muito.
Em um cenário extremamente competitivo em produto e tecnologia, a emoção é um ingrediente importante. Estão tentando com a linha GR, mas não vejo a marca transpirando essa emoção.
Honda parece ter acordado com HR-V e WR-V, ambos excelentes produtos, mas com tecnologias limitadas. Anunciar o Prelude foi uma bela tacada, mesmo que suas vendas sejam possam ser tímidas. A conexão com esportividade e Senna tem que ser explorada sempre. É o que mantém a Honda viva. Mitsubishi muito tímida, mas na tocada de sempre. Fez bem em participar. Não briga para aparecer, apesar de que recentemente com a volta do Julianelli está dando bons sinais de vida. Há tentativa de se posicionar como luxo, mas isso acontece apenas pelo volume limitado e não por atributos de marca.
Coreanas Kia e Hyundai com uma ampla linha de modelos mostrados no Salão. Kia com toda a gama de elétricos. Um posicionamento extremamente diferenciado em design. Mas não consigo ver a marca evoluindo muito em nossas terras. Muito show, pouca ação. A irmã maior Hyundai também. Está começando a ir além dos HB20 e Creta, mas muito timidamente e sem uma estratégia consistente. Ambas têm produtos fantásticos. Talvez custos não tão fantásticos para permitir preços atraentes. Mas se as chinesas conseguem investir na fabricação, ou melhor, montagem nacional, se Hyundai e Kia se juntarem talvez seja possível aumentar o line-up de forma competitiva. Eu gostaria demais de ver novos modelos de ambas as marcas nas nossas ruas.
Chinesas. BYD apagada, parece que cansou de fazer estardalhaço. Nem mesmo a Denza convenceu como luxo durante a coletiva de imprensa, apesar de produtos tecnologicamente fantásticos. As duas marcas me pareceram estar no Salão por obrigação.
As outras chinesas buscando seu lugar ao sol, mas muito investimento em promoções de vendas e pouca diferenciação de marca. MG, exceção.
A mais organizada, e que demonstra um pouco mais de carinho genuíno com o cliente brasileiro, é a GWM. Além disso me parece menos desesperada que as outras e por isso está construindo uma base mais sólida.
Mas quem roubou o show de todas foi a Caoa numa tacada de mestre ao anunciar a Caoa Changan. A tacada foi começar pelo topo, como eu acho que toda marca sempre deveria começar, com a incrível e luxuosa AVATR. Eu já observava essa marca da Changan.
Ela tem uma linguagem de design única, reducionista, mais alinhada com o tão falado luxo moderno e altamente tecnológica.
A Denza tem um design mais show-off, me parecendo mais datado e menos atemporal, sem uma identidade forte. Mas acho que a Caoa tem que ter muita atenção com a AVATR para lançar a marca com precisão e estratégia consistente.
Eu não ia falar da Lecar, mas o Flávio Figueiredo me impressiona pelo seu entusiasmo. O problema é que todo o discurso carece de elementos críveis e substância. No meu íntimo, como um bom nacionalista, eu quero acreditar. Mas o meu racional não me deixa. De verdade eu espero estar enganado.
E meu destaque final fica para o CARDE com seu estande sensacional. Quem ainda não conhece o museu em Campos do Jordão está perdendo um passeio digno de primeiro mundo.
O capricho, a seriedade e, de certa forma o luxo, podem ser vistos no estande do museu no Salão. Eles sabem o que é curadoria e fazer as coisas com esmero e qualidade.
Abaixo a minha avaliação dos melhores do Salão do Automóvel.
E por favor, sinta-se muito à vontade para contestar ou discordar de minhas colocações. Gosto de escutar contrapontos, de debates inteligentes e de aprender.
PM
