O anúncio é sempre tentador: pelo mesmo preço de um carrinho nacional 0-km, popular e pelado, se pode ter um luxuoso importado de luxo, superequipado, confortável e rápido. Vale a pena? Sim, não, talvez, às vezes….
Se fosse um teste de múltipla escolha, a resposta correta seria todas as anteriores. Ou melhor, depende… Depende do carro e do dono.
Duas situações extremas:
- Você vai comprar o carro bem conhecido de um amigo, que rodou pouco, cuidou bem e você entende razoavelmente de mecânica.
- Você está para comprar um carro por um anúncio da internet, só pelas fotos, sem andar no carro e não consegue diferenciar um filtro de ar de uma junta homocinética.
Com certeza, o primeiro caso tem uns 400% a mais de chance de ter um final feliz. Se optar pela segunda situação, jogue uns R$ 100 na Mega Sena que a chance de ganhar uma boa grana é maior.
Claro que não é sempre que existe um amigo ou parente vendendo um carro alemão com mais de 10 anos “zerado”. Assim, aí vão alguns conselhos.
- Quanto mais você entender de carros e mecânica, maior a chance de escolher um bom importado.
- Mesmo que você entenda, antes de fechar o negócio, leve um amigo para ver o carro. Os importados, quando bonitos, enchem os olhos e o julgamento racional desaparece. Um segundo diagnóstico é muito importante.
- “Levar o mecânico” nem sempre funciona. Pode ser que o mecânico entenda pouco daquele tipo de carro e acabe “melando” o negócio com um bom carro simplesmente pelo fato dele ter medo de não estar a altura da manutenção (geralmente mais complexa) daquele modelo em particular.
- Faça uma pesquisa em sites de vendas de peças (Mercado Livre, OLX, etc) para ter uma ideia quantitativa do tamanho da encrenca. Pesquise a existência (e principalmente preços) de itens mais comuns, como pastilhas de freio, homocinéticas, amortecedores… entre outras peças de desgaste mais comuns.
- Entre em fóruns da net que discutem o modelo escolhido. Ajuda a descobrir os pontos fracos e fortes de um carro importado. Se falar inglês, pesquise em fóruns internacionais.
- Se você não entende nada de mecânica, aumente seu círculo de amigos que entendem. Ou, de preferência, trabalhem com automóveis: mecânicos, especialistas em eletrônica, tapeceiros, funileiros, pintores, por aí vai. Com certeza você vai precisar deles e hoje a manutenção de carros mais sofisticados está bastante especializada.
- Pessoalmente, prefiro comprar importados que foram sucesso nos Estados Unidos. Se preciso de uma peça mais difícil, com certeza ela vai ser encontrada facilmente no eBay. Tenho alguns carros (os japas Vivio e Cuore) cujas peças são simples de achar na Inglaterra, que tem um ótimo mercado de reposição (e um correio muito eficiente).
Finalmente, se a intenção é comprar um velho importado e levar para uma concessionária autorizada da marca para uma “revisão geral”, simplesmente desista do seu sonho. Seu bolso, casamento e sanidade estarão em sério perigo. Arrume outra diversão: escolha skate, surfe, brigas de torcida, boates comprovadamente suspeitas… Tudo isto é bem menos perigoso.
Para ilustrar, senta que lá vem História do Tio, com direito a fotos reais do causo.
Sempre gostei de Volvo, mas nunca tinha procurado para comprar. Valeu o velho ditado: “se for para ser seu, cai no colo”.
Um amigo desesperado me aparece com um wagon Volvo 850, 1995, com motor aspirado, na base do “pegaessamerdapelamordeDeus”. A mulher dele já estava de malas prontas e o cara estava quase falido devido ao carro.
Meu amigo tinha uma relação de amor/ódio com o “Volvo engasgado” que, se tivéssemos em voo, seria melhor anunciar: “Se há um psiquiatra a bordo, por favor se identifique para a tripulação”.
Encarei o Volvão, escutando uma última recomendação do meu amigo: “Quando ficar bom, por favor, nunca apareça com ele por aqui”.
Era um 2,5 (ou 2,4, tem 2.435 cm³), cinco cilindros, aspirado, com câmbio manual de cinco marchas. (Calma, o Volvo turbo, the Flying Brick, o Tijolo Voador, veio depois e é continuação desta história). Vieram poucas wagon com motor aspirado, quase todas com câmbio manual, o que já é um alívio. Em um câmbio automático meio manco se gasta entre R$ 6 e R$ 12 mil.
O Caixotão estava bem bonito, limpo e polido. Aliás, limpar e polir era a diversão de final de semana do meu amigo, já que o Volvão não andava. Além do enorme porta-malas (de absurdos 1.112 litros de capacidade), achei um charme o estofamento original de couro e tecido.
Não teve jeito. Peguei a encrenca sueca, cujo porta-luvas estava repleto de notas de peças e oficinas. Uma delas, de uma autorizada Volvo, era de quase R$ 2.000 de um kit de embreagem (disco, platô e rolamento), só as peças. Na época, uns cinco anos atrás, achei o mesmo kit na internet por menos de R$ 400.
No camburão ainda havia alguns B.O. (boletins de ocorrência) para solucionar, mas era coisa simples: homocinética, lanternas amareladas, alguns acabamentos desaparecidos… tudo fácil e até barato. Existem vários importadores independentes que trazem peças de várias marcas, quase sempre encontradas na net. Ir de loja em loja não vale a pena, ainda mais que é difícil comparar preços desta forma.
Mas o motor da Volvo era uma tristeza: chacoalhava, não tinha marcha-lenta, acelerava mal, sem força e soltando um cheiro de gasolina líquida pelo escapamento. Dos 168 cv, mais de 100 tinham fugido para o pasto. Para trazer para casa, fiz um longo caminho para evitar subidas. Sabia que o Volvão ia voltar de ré, dando vexame.
Liguei para o José Carlos Finardi: “Zé, arrumei uma encrenca boa. Um Volvo que falha até desligado. Já passou por uma dúzia de mecânicos”. Pelo telefone já deu para perceber o Zé babando verde. Ele adora um mistério.
Fuçamos dois dias seguidos no Volvo. Trocamos velas, filtros, correia dentada, limpamos e testamos injetores, conferimos o ponto e, mais por precaução, substituímos a sonda lambda e o sensor de temperatura. No rastreador, nada indicava falha no gerenciamento eletrônico do motor, mas estes dois sensores estavam meio feinhos. O Volvo continuava sem força, trepidando e vomitando gasolina pelo escapamento.
“É cabeçote, só pode ser”, sentencia o Zé.
Medimos compressão dos cinco cilindros e tudo estava ótimo.
O Zé fica em silêncio (o que é raro) uns 10 minutos e conclui:
“Se não tem nada de errado nos sensores, só pode ser a própria centralina”, aquele bendito processador que gerencia o motor.
Lá vamos nós, com a centralina na mão, para um amigo do Zé, rei da eletrônica, com um laboratório cheio de equipamentos. Este mesmo especialista (misto de engenheiro eletrônico e mecatrônico) já tinha conseguido consertar umas duas centralinas de carros meus, cujo circuito deu pau. Já sabíamos do ritual. O cara pega a centralina, tira a tampa na sua bancada cheia de equipamentos e expulsa a gente da sala, sob a razão técnica de que ele “não quer palpites ou encheção de saco”.
Ficamos eu e o Zé na sala de espera, com cara de marido em consultório de ginecologista. Passam minutos, horas, fomos para a padaria da esquina e na volta vem o diagnóstico: “Tem algo errado, mas não consigo descobrir qual o componente pifou”. Apesar de todo o equipamento de pesquisa, o mais fácil é ver uma resistência, tripod, diodo (ou algo assim) todo torradinho. Aí basta ver a descrição do componente eletrônico no circuito (geralmente um impresso colado por dentro da tampa da centralina) e substituir o infeliz. O componente geralmente custa menos de R$ 10, mas o trabalho para descobrir qual deles pifou é enorme.
Ou seja, nada torrado, nada feito.
Dias depois, o Zé descobre um ferro-velho de importados que tinha a tal centralina. Preço: R$ 2.500, isso cinco anos atrás.
“Zé, fala para o cara subir um pouco e chegar nos R$ 3.000. Por esse preço ele compra meu Volvo inteiro”.
O camburão (ou galipão, segundo os cariocas) ia fica parado, pois é difícil concordar em ser roubado (a não ser pelo Governo, que tem direito constitucional para nos assaltar).
Na concessionária, só sob encomenda, meses de espera e mais de R$ 10 mil.
Fui para o Santo eBay procurar uma Fuel Injection Eletronic Control Unit, colocando inclusive o part number da peça Bosch, gravado na caixa metálica da central eletrônica. Era mais difícil achar por ser de um motor aspirado. De turbo tinha um monte. Achei uma e troco mensagens com o vendedor, que felizmente envia para o Brasil. A pergunta principal é o código, pois mesmo com a numeração da peça batendo, a codificação é para cada carro. A resposta é que a centralina já estava descodificada, exatamente para servir em outro Volvo.
Preço: US$ 35 mais uns US$ 20 de transporte. Ou seja, menos de 10% do valor pedido aqui no Brasil.
Vinte dias de espera e finalmente chega a caixinha. Passou batido na Alfândega e agora é hora de testar. Talvez seja este um dos maiores prazeres de se ter um caco velho importado. A felicidade de receber uma peça fundamental para funcionar. É um capítulo que o Alex Gromow chama de “Oba. O Correio chegou”.
O 850 tem uma espécie de biblioteca ao lado do motor, onde ficam os processadores de motor, conforto, etc. Retiro a centralina velha, passo um spray limpa-contatos na centena de pinos metálicos e…. voilá. Encaixo o novo/velho componente vindo do Tio Sam e dou a partida. O motor pega de primeira, limpo e ronronando. “Dorme em marcha-lenta”.
Se algum vizinho me viu pulando de alegria no quintal, desculpe. Difícil explicar. Os 168 cavalos do motor cinco cilindros transversal comparecem em peso. Voltaram do pasto. O Volvo virou um carro sueco de verdade, gostoso de cruzar principalmente na autoestrada. Um pouquinho lerdo para acelerar, mas anda rápido com o motor funcionando liso, redondo e sem queimar óleo. E como diz o Zé Carlos, era só um “chip entupido”.
Claro que este é um caso extremo, já que gosto de tirar carros da UTI. A experiência de quase-morte (ou quase ferro-velho) os deixa especialmente agradecidos. Rodei com ela milhares de quilômetros, sem nenhuma problema e depois foi vendida, dando lugar a um 850Turbo, o verdadeiro “Tijolo Voador”. Mas esta é outra história.
JS