É claro que não é surpresa para ninguém o assunto de minha coluna desta semana, né? Quem me conhece sabe que eu não podia fugir do assunto: ocorrências nas marginais de São Paulo.
Esta semana mesmo a CET divulgou os dados deste ano — parte deles com a volta das velocidades máximas nessas vias —lembrando que a atual gestão só subiu a velocidade máxima para os veículos de passeio e, ainda assim, não em toda a extensão das duas pistas. Há trechos em que foram mantidas as máximas de 70 km/h mesmo na pista expressa.
Sem querer ser repetitiva, é sempre bom frisar que a velocidade é máxima. Ninguém é obrigado a andar a 90 km/h. Assim como ninguém é obrigado a andar pelas marginais. Tem outras opções, mais lentas, mais longas, mas até agora ninguém foi instado a trafegar por elas.
Também é importante frisar que os 90 km/h valem somente para veículos leves. Os pesados continuam tendo de trafegar a, no máximo, 60 km/h como havia estipulado a administração anterior. E apesar de que a velocidade máxima na pista local passou de 50 km/h para 60 km/h, a faixa mais à direita continua com máxima de 50 km/h. E é válida para quem quer andar lentamente. Aliás, quem circula por ali pode trafegar a 25 km/h se quiser, pois 50 é máxima.
Isto posto, vamos analisar os números?
No período de 25 de janeiro a 23 de fevereiro deste ano, portanto no primeiro mês da vigência da nova velocidade máxima, o balanço divulgado pela CET apontou 106 acidentes com vítimas nas vias — quatro atropelamentos e uma morte no período. É importante destacar que 84 dos acidentes envolveram motos, ou 82% do total. Já na época do primeiro balanço, que demonstrava queda no volume de acidentes nas marginais eu escrevi que é necessário analisar um período mais longo para fazer qualquer projeção. Segundo a CET, entre 25 de janeiro e 23 de fevereiro de 2016, período semelhante ao do primeiro mês de vigência dos novos limites atuais, foram registrados 46 acidentes com vítimas.
Agora, com o segundo mês fechado, ainda acho a mesma coisa, mas podemos, é claro, analisar esta amostra. De 24 de fevereiro a 26 de março, a CET registrou 117 acidentes com vítimas nessas duas vias. Por acidentes com vítimas entenda-se qualquer tipo de contato em que tenha havido o menor ferimento. O número é 10,4% maior do que o registrado nos primeiros 30 dias de aumento dos limites de velocidade. Desses 117 acidentes, nada menos do que 93 (ou 79% do total) envolveram motos. Também as mortes ocorridas, duas no período, envolveram exclusivamente motoqueiros/motociclistas.
Apesar de não haver mais detalhes sobre as condições em que ocorreram esses acidentes todos, os dois ocupantes de motos que morreram sofreram acidentes no horário de pico, com trânsito para lá de lento. Infelizmente, apenas um veículos de comunicação divulgou essa informação que é extremamente relevante quando se vai discutir velocidade e segurança. No mínimo, uma questão de coerência.
Ou seja, no caso das mortes a velocidade certamente não teve nada a ver. Pelo menos não a velocidade dos carros. Talvez a das motos, mas convenhamos que trafegar a 90 km/h se o trânsito estava parado é virtualmente impossível. Estariam eles a 70 km/h? não é impossível, mas ainda é pouco provável com trânsito de horário de pico que, para quem conhece São Paulo, é de perto de 20 km/h, sem contar os períodos de parada total. Ou seja, é muito possível que eles estivessem na velocidade máxima estabelecida pela administração anterior ou, acredito eu, abaixo dela.
E, novamente, não houve nenhuma morte por atropelamento, embora tenham sido registradas quatro ocorrências deste tipo. Ué, mas a uma velocidade maior não havia risco (certeza, segundo alguns) de morte em caso de atropelamento? Mas a velocidade máxima subiu para 90 km/h e os quatro atropelados sobreviveram. Como assim?
Também não houve mortes entre motoristas e passageiros de carros ou de veículos pesados. As únicas mortes nas marginais foram registradas com motos, embora estatisticamente representem um volume muito inferior ao dos demais veículos. Obviamente o ideal seria que não houvesse nenhum acidente de nenhuma espécie, mas como não me chamo Poliana analiso o mundo real. Aliás, mesmo com velocidades mais baixas havia, sim, acidentes. Menos, por uma série de questões, mas eles existiam. Eu mesma escrevi, assim como outras pessoas da imprensa, sobre a questão da subnotificação no ano passado.
Houve um aumento estatístico no volume de acidentes nas marginais, que passou da média mensal de 64 acidentes para os 117 registrados nesse período mas, segundo a Prefeitura, isso se deve ao aumento no volume de agentes trabalhando nas marginais que passou de 45 por turno até o ano passado para 75 por turno na atual administração. Ou seja, houve um aumento de 82% no volume de acidentes, mas também houve um volume de 67% na fiscalização e, por óbvio, no volume de registros. Mas aí tem outro problema. Comparar média diária com um mês específico está longe de ser o ideal. Podemos incorrer no erro de comparar um mês de férias com um mês “normal” ou puxar a média para baixo ou para cima pelo mesmo motivo. O ideal seria comparar um mês com o mesmo mês do ano passado. Mas nem eu, com minha infinita paciência e espírito fuçador, consigo dados do jeito como deveriam estar nos meandros da CET — de nenhuma época, diga-se de passagem.
O Infosiga, do Estado de São Paulo, tem mais dados, mas em períodos mais curtos, já que começou há um par de anos somente. E, finalmente, é difícil obter dados somente das marginais. Alguns tem dados estatísticos sobre a cidade como um todo, alguns separam, mas raramente se consegue fazer uma série histórica.
Também não sabemos a gravidade dos acidentes. É óbvio que um totozinho com apenas uma unha quebrada não pode ser equiparado a uma perda total do carro e vítima com 38 fraturas. E, ainda, é notório (embora alguns pareçam querer esquecer) que durante um bom tempo no ano passado os dados computados foram parciais, pois houve um descompasso entre as notificações feitas pela CET e pela Polícia, como eu escrevi aqui há algum tempo.
Ainda no campo das comparações que não podem ser feitas, agora descobrimos que a Polícia Militar computa como morte nas marginais aquelas que acontecem próximo destas vias ou, ainda, nas alças de acesso. Teriam sido mais duas mortes no período de fevereiro a março — também, vejam só, de motoqueiros. O detalhe é que não houve alteração de velocidade máxima em nenhuma outra via da cidade a não ser em trechos das marginais. Ou seja, essas duas mortes também não têm nada a ver com velocidade. E, claro, não sabemos como eram registradas pela PM em 2016, ainda nos meses em que eles as contabilizaram.
Eu sei que estou abrindo a porta do inferno com este texto, mas espero que os que a transponham tenham argumentos para discordar das minhas (poucas) conclusões. E digo poucas pois neste terreno pantanoso faltam estatísticas confiáveis e séries históricas e sobram palpites.
Recentemente vi numa discussão no Facebook sobre estes números uma pessoa que dizia, peremptoriamente, que “acidentes com motos são considerados atropelamentos”. Nem me dei ao trabalho de me manifestar, pois o que mais existe no ciberespaço é gente dando palpite sobre o que não sabe e sequer pesquisou antes de dar sua opinião. Teria poupado o vexame ao consultar o site da CET onde diz claramente: “todos os dados relacionados aos acidentes fatais estão classificados segundo as suas três categorias principais: atropelamento (batida de um veículo contra um pedestre); colisão (batida de dois veículos em movimento); choque (batida de um veículo contra um obstáculo fixo, como um poste, por exemplo) mais a categoria “outros”, que abrange os demais tipos de acidentes”.
Também há nas mídias sociais quem acredite que em 19 meses, de abril de 2015 a outubro de 2016 não teria havido atropelamentos com vítimas nas marginais porque a Prefeitura assim o divulgou — alguns até estendem isso a dizer que “não houve mortes nas marginais em 19 meses”. Além dos óbvios problemas cognitivos ou da falta de pesquisa, má fé ou a soma de todas as anteriores, falta memória. Novamente, bastaria digitar no Google e olhar tudo o que aparece em vez de parar no primeiro link e encontrar mais informações. Em todo caso, eu também escrevi sobre isso aqui. Houve, sim mortes por atropelamento nas marginais nesse período.
De tudo isto, o que podemos concluir? No mínimo, que é necessário fazer algo com as motos. Mas, claro, já era necessário fazer algo na administração anterior, pois em 2015, segundo a CET, morriam 2,7 pessoas por dia em todas as vias da cidade e 1 motociclista/motoqueiro. Frisando, novamente. Por dia. Há um campo enorme que se abre para isso e que nunca foi realmente abordado. Na administração anterior foram removidas as poucas faixas exclusivas para motos, como a da Av. Sumaré. Também algum tempo atrás foram permitidas as motos na 23 de Maio que, aliás, teve a largura de suas faixas sensivelmente reduzida na administração anterior o que, por mera lógica, nos leva a perceber que o risco para o motoqueiro aumentou. Mas não há como vincular as mortes no trânsito nas marginais ao aumento da velocidade. Não há estatística nem bom senso que provem isso.
Mudando de assunto: Como diria a Gloria Pires, “não sou capaz de comentar” sobre a Stock Car. Infelizmente, não consegui ver a corrida. Logo eu que reclamava da entressafra!
NG