Ela não é o que eu pensava que fosse. A Ducati Scrambler é mais “seca” do que eu imaginava. A suspensão, mesmo na sua regulagem mais macia, é dura, seca. Eu achava que por ser uma scrambler, nome dado a um modelo que além de asfalto também encara terra, ela tivesse uma suspensão mais macia. Outras características me induziam a isso, como sua leveza (186 kg em ordem de marcha), o longo curso das suspensões (150 mm na frente e atrás) e o ângulo de cáster reduzido (24°).
Não que ela não encare trechos de terra; ela encara, mas para isso tem-se que ficar o tempo todo em pé sobre as pedaleiras, já que sentados no selim dá até para identificar o valor da moeda pela qual acabamos de passar, e olhe que regulei a suspensão traseira para o modo mais macio, além, é claro, de regular a pressão dos pneus conforme as recomendações de fábrica. A dica é: basta aliviar o traseiro do assento apoiando-se nas pedaleiras quando se vê que vem trecho de piso ruim. Não é preciso ficar em pé, basta aliviar o peso sobre os fundilhos.
O motor também é seco, nervoso, mas essa característica, além de esperada — afinal, é uma Ducati —, já é algo que particularmente me agrada, e muito. Ela não gosta de giro muito baixo; fica impaciente, trepida um pouco, quer acelerar. No trânsito urbano travado, ou mesmo em situações em que se deseja um rodar lento e macio, como dobrar devagar esquinas fechadas, temos que nos valer de embreá-la cá e acolá para contornar os pequenos trancos desse impaciente motor.
Tudo bem, pois é um pequeno preço que se paga em vista do tremendo prazer que vem como recompensa. Passando de 3.000 rpm — o que para ela é giro baixo, já que sua potência máxima de 75 cv é a 8.250 rpm — a moto parece pegar o guidão nos dentes e disparar, isso tudo embalado por um urro de arrepiar.
É interessante notar que os dois tubos de escapamento juntam-se num só e parecem quase diretos, porém há sob a moto catalisador, que fica escondido, pelo qual os gases passam. Um belo urro, grosso e seco, que não chega a ser maleducadamente alto.
E, nossa!, como ela acelera! Não se deve acelerá-la para valer sem uma preparação anterior, como agarrar no guidão e inclinar o corpo adiante. Se acelerar sem respeito a moto vai e o sujeito fica, porque ela sai como se amarrássemos uma corda à moto e com a outra ponta laçássemos um trem em movimento. Temos que dosar com cuidado, na sintonia fina. Pode esperar algo em torno de 4 segundos, baixos, no 0 a 100 km/h.
Sua velocidade máxima deve ser praticamente 200 km/h. Motor ela tem para tanto, mas isso me parece algo meio impraticável, meio show de horrores, em vista do largo e reto guidão que dá posição ao motorista imprópria para alta velocidade, além de outras características da moto, como ângulo de cáster reduzido (24°) e avanço idem (112 mm). Fica-se em posição similar à que se fica numa moto trail, como um paraquedas, que além de frenante traz instabilidade em alta velocidade. Mesmo deitando à frente não fica bom. Ela não é para isso.
É uma moto esportiva focada na aceleração e não na velocidade. Não é uma moto de passeio, nem uma speed, nem uma trail. Ela é ela. Pela leveza do guidão e agilidade ela é algo mais próximo de uma motard; uma potente motard de selim baixo, guidão alto e reto, e suspensão dura. Num trecho de asfalto bom e sinuoso, como peguei na Estrada dos Romeiros para a filmagem, não se quer outra moto, tal sua ciclística ser boa para isso, para trocar de lado rápido, suave e sucessivamente.
Inspira tanta confiança nas deitadas que chega a ser perigoso deixar-se levar pelo que ela pede nessas estradinhas sinuosas, pois uma das grandes diferenças da estrada para um autódromo é que naquela o piso e tráfego adiante é uma incógnita. Deitá-la para senti-la de verdade, saber do que é capaz, só num autódromo, e após algumas voltas. Se é isso que você quer de uma moto, terá isso de montão.
Não, não é para principiantes. E muito menos desmiolados. Ela nos provoca, é especialista nisso, em fazer a adrenalina borbulhar em nossas veias, e se o sujeito se deixar levar pela empolgação as consequências podem ser funestas, porque num estalar de dedos já se está muito rápido.
Na arrancada ela é estável, traciona barbaridade, não tende a empinar e o câmbio é curto, de seis marchas próximas, então é ela engolindo marchas com uma voracidade felina que quase não damos conta de alimentar. Se você souber lidar com isso na base do sangue-frio, do cálculo preciso, tudo bem. Se não, é melhor brincar com um bicho menos dentuço.
Há quatro versões para a Scrambler: a Icon, que é esta aqui do teste, a Classic, que vem com rodas raiadas, a Urban Enduro e a Full Throttle. Basicamente são a mesma moto, mesmo comportamento, e o que muda é mais visual que outra coisa. Os pneus são os mesmos. Esta Icon, além de amarela, pode vir na cor vermelha ou prata.
O motor, arrefecido a ar, de 803 cm³, é em L, com um cilindro basicamente na horizontal e outro na vertical. Em verdade um V girado para frente. São duas válvulas por cilindro e os comandos, como não poderiam deixar de ser, são desmodrômicos, ou seja, o retorno das válvulas é feito diretamente e não por ação de molas. É um sistema tradicionalmente antigo da marca, que visava atingir altas rotações sem o risco de haver flutuação de válvula.
Desmodrômico é termo criado a partir do grego desmos (controlado, ligado) e dromos (curso, pista). Um uso bastante famoso do comando desmodrômico foi nos Mercedes-Benz W196 de Fórmula 1 em 1954 e 1955, nos motores 8-em-linha de 2,5 litros.
Mas este motor não é tanto para alta rotação, já que sua potência máxima vem a 8.250 rpm, o que atualmente não pode ser considerada rotação alta. Seu torque máximo de 6,93 kgf·m vem a 5.750 rpm. Não é uma potência específica alta para os padrões atuais. São 93,3 cv/l. Há um pequeno radiador de óleo, que visa também auxiliar no arrefecimento do motor.
O calor que dele emana só incomoda quando parado num sinal, mas não é muito, não, pois ele não vem insuflado, como acontece quando nas motos de arrefecimento a líquido o ventilador entra em funcionamento. Basta 15 km/h, a velocidade de trote, para todo ar quente se esvair sem nos alcançar.
A embreagem, como na maioria das motos, é multidisco em banho de óleo, e a transmissão final é por corrente. Os engates das marcha são precisos e secos, metálicos. A embreagem é leve e a mola do acelerador está no ponto, firme.
O painel é que deixa a desejar. Lê-se bem o velocímetro, digital, porém o conta-giros, de tão escaramuçado que está, só fui descobrir que ele existia depois de boas voltas com ela. É uma fina linha entrecortada que corre em sentido anti-horário pela borda do mostrador. Não tem informações como consumo nem nível do tanque de combustível. Simplesmente uma luz avisa que entrou na reserva, que é de 3 litros, o que deve dar para uns 50 quilômetros.
Tem ABS, que pode ser desligado, e foi; não há controle de tração. Não peguei chuva, portanto o excelente pneu traseiro Pirelli MT 60 RS 180/55R17 colou que nem chiclete no asfalto. O farol é estupendo, excelente. O selim é magro, estreito e com pouca espuma; o que, convenhamos, não é o ideal para longas viagens. A garupa é quase no mesmo nível do piloto, o que acho bom, porém não é das mais confortáveis, então na garupa só moça animada e nada de coroa resmungona.
Como disse, não é uma moto estradeira, subentendendo-se aí estrada de pista dupla, com longas retas e velocidade constante. Muitas motos bastante inferiores são melhores do que ela na estrada, pois para isso ela é um pouco cansativa. É moto em que na pista dupla pagamos o preço para termos a moto dos sonhos no destino, que é a estrada travada e sinuosa. Com a permissão do leitor ou leitora, enfatizo ser a moto dos sonhos nos trechos travados e sinuosos.
É um absurdo o que freia. Logo notei forte pegada do freio traseiro. Moto tem dessas, pois tendo o controle individual de cada freio, dianteiro e traseiro, freia-se dosando um e outro, e assim pude perceber que o traseiro aceitava incrível frenagem antes que travasse (ABS desligado). Depois, observando-a parada e imaginando o piloto em seu lugar, deu para calcular que ela tem um percentual de peso sobre a roda traseira maior que o usual. Seria como o Porsche 911, cuja uma das razões de frear muito é ter o motor “de rabeta”. A Scrambler freia como nenhuma outra moto que já peguei.
E é linda… As motos feias que me desculpem, mas moto tem que ser linda.
A Scrambler da Ducati, lançada em 2015, é uma reedição do sucesso dos anos 60 e 70. Em 1962 lançaram sua primeira Scrambler, baseada na 250 Diana, visando atender à forte demanda do mercado americano. A 250 Diana era uma moto de rua que tinha equipamento de pista. De tão boa, bons freios e quadro, principalmente, era comprar uma na loja e ir rodando para a pista. Com 24 cv, sua potência específica já era praticamente a mesma desta moderna.
No fim da década lançaram a 350 e a 450. Teve também a 125, mas essa ficou só para o mercado europeu. Encerraram a produção das scramblers em 1974. Naquele tempo as Ducati vinham com freio no pedal da esquerda e câmbio no da direita. Assim eram as motos europeias, até que com a “invasão japonesa”, cujos pedais eram invertidos, e mais racionais, todas acabaram por adotar o sistema japonês como padrão. As Scrambler aqui vendidas são montadas em Manaus e o preço da Icon está em promoção: R$ 36.900.
AK
Nota: Há vídeo, mas a edição não ficou pronta a tempo para ser incluído no teste, o que será feito posteriormente.
FICHA TÉCNICA DUCATI SCRAMBLER ICON | |
MOTOR | |
Descrição | 2 cilindros em V a 90º inclinado 90º à frente, transversal, comando no cabeçote, atuação de válvulas desmodrômica, duas válvulas por cilindro, arrefecido a ar, radiador de óleo |
Cilindrada (cm³) | 803 |
Diâmetro e curso (mm) | 88 x 66 |
Taxa de compressão (:1) | 11 |
Potência máxima (cv/rpm) | 75/8.250 |
Torque máximo (m·kgf/rpm) | 6,93/5.750 |
Formação da mistura | Injeção eletrônica, corpos de borboleta Ø 50 mm |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | 6 marchas, embreagem multidisco em banho de óleo |
Relações da marchas (:1) | 1ª 2,461; 2ª 1,666; 3ª 1,333, 4ª 1,130; 5ª 1,000, 6ª 0,923 |
Relação primária (:1) | 1,85 (engrenagens) |
Relação secundária (:1) | 3,066 (corrente) |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Garfo Kayaba Ø 41 mm invertido, cáster 24°, avanço 112 mm, curso de 150 mm |
Traseira | Monomola helicoidal e amortecedor traseiro Kayaba concêntricos, pré-carga da mola ajustável, curso de 150 mm |
Quadro | Treliça de tubos de aço |
FREIOS | |
Dianteiro (Ø mm) | Disco/330, pinça monobloco de 4 pistões, montagem radial, ABS de série, acionamento hidráulico |
Traseiro (Ø mm) | Disco/245 mm, pinça flutuante de 1 pistão, ABS de série, acionamento hidráulico |
RODAS | |
Dimensões | Dianteira: 10 raios, liga leve, 3,00″ X 18″. Traseira: 10 raios, liga leve, 5,50″ X 17″. |
PNEUS | |
Medidas | Dianteiro: 110/80 R18; traseiro:180/55 R17 (Pirelli MT 60 RS) |
RODAS | Dianteira: 10 raios, liga leve, 3,00×18;. traseira: 10 raios, liga leve, 5,50×17. |
CAPACIDADES | |
Tanque de combustível (L) | 13,5 |
PESOS | |
Em ordem de marcha (kg) | 186 |
DIMENSÕES (mm) | |
Comprimento | 2.100 (2.165 com suspensão traseira no meio do curso) |
Largura com espelhos | 845 |
Altura | 1.150 (no reservatório de fluido de freio) |
Distância entre eixos | 1.455 |
Altura do selim | 790 (há opção de 770) |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 4 (est.) |
Velocidade máxima (km/h) | 200 (est.) |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 6ª (km/h) | 22,05 |
rpm a 120 km/h, em 6ª | 5.440 |
Rotação à vel. máxima, em 6ª | 9.000 |