Todt absolve Vettel e encerra o caso. Alemão promete ser bonzinho. F-1 já viu coisa parecida
Há vários ditos populares que descrevem muito bem a decisão anunciada pela Federação Internacional do Automóvel, a FIA, na tarde de ontem, em Paris. Quando o controverso entrevero entre Lewis Hamilton e Sebastian Vettel durante a disputa do GP do Azerbaijão começa a esfriar, o francês Jean Todt resolveu abrir uma investigação para analisar o caso. Só que a emenda saiu pior que o soneto, o presidente da FIA enxugou gelo, na prática trocou seis por meia dúzia e podia ter-se incluído fora dessa.
Na semana passada Todt anunciou com pompa e circunstância que o acidente deveria ser melhor analisado para dirimir quaisquer dúvidas sobre quem era ou não era culpado. No comunicado de ontem o dirigente francês anunciou que Vettel vai cumprir uma espécie de trabalho social junto a categorias de acesso e se compromete a ser um menino bonzinho de hoje em diante. Para o francês, que não mencionou o nome de Hamilton, são ações suficientes para encerrar o processo de uma vez por todas. Em outras palavras, por ora todos estão felizes para sempre.
Perda de tempo, desmoralização da FIA e a criação de jurisprudência que permitirá a outros pilotos cobrar o mesmo tratamento em situação semelhante são o rescaldo do que aconteceu com a reabertura do caso. Se alguém quiser colocar mais pimenta nessa pizza não custa lembrar que Todt foi responsável por um dos períodos mais brilhantes da história da Ferrari. Fica difícil não lembrar dessa ligação em um momento como o atual. De qualquer forma, independente da decisão anunciada ontem em Paris Sebastian Vettel voltou para casa com saiu com a pecha de desleal em um incidente no qual poderia ter saído como herói.
A atitude de Hamilton — diminuir a velocidade na saída de curva sem pisar no freio, apenas tirando o pé do acelerador — é bastante conhecida e usada sem parcimônia em disputas acirradas. A telemetria disponibilizada ao público mostrou que o inglês efetivamente não freou, o que lhe garantiu a simpatia de muitos. Ocorre que simplesmente tirar o pé do acelerador em um carro de F-1 gera uma redução de velocidade mais impressionante do que pisar com força no pedal de freio do seu automóvel do dia a dia.
No circuito de rua de Baku a manobra de Hamilton funcionou perfeitamente, pelo menos por enquanto: Vettel acusou o golpe e revidou com um totó em plena reta e à vista milhões de espectadores em todo mundo. Uma postura mais saxônica e menos latina, no máximo o gestual típico de um paisano, teria lhe garantido um crédito junto à opinião pública e, muito mais importante para ele, devolvido com juros e correção monetária o tiro que o inglês deu no seu orgulho.
O que aconteceu em Baku me fez lembrar de um acidente entre David Coulthard e Michael Schumacher em Spa, em 1998. O escocês era companheiro de equipe de Mika Häkkinen, que disputava o título com o alemão. Um acidente espetacular na largada eliminou metade do grid: 13 carros, entre eles Häkkinen. Reiniciada a corrida Schumacher superou o líder Damon Hill (Jordan), e abriu cerca de meio minuto de vantagem quando se preparava para colocar uma volta de vantagem sobre o escocês da McLaren. Oficialmente avisado pela equipe para facilitar a ultrapassagem de Schumacher, Coulthard aliviou e deu a aquela tiradinha de pé (manobra digna de ser chamada de celebridade instantânea) numa saída de curva, talvez na esperança de incitar o rival a cometer um erro e sair da pista, o que seria favorável a Häkkinen.
Se era essa mesma sua intenção o resultado foi mais dramático do que o esperado: o Ferrari do alemão estava próximo demais do McLaren do escocês e o choque foi não inevitável quanto o acesso de fúria de Schumacher. Neste vídeo você pode ver Jean Todt comandando a Ferrari e nota que a batida foi apenas o primeiro round de uma luta em vários assaltos. O segundo foi uma decisão no braço, digna da Nascar e o gongo só foi soar pela última vez cerca de um ano mais tarde, quando Coulthard pediu desculpas a Schumacher. O assunto não teve a metade da repercussão da luta do século de Baku e a FIA ficou até que bem distante do ringue. Vale lembrar que na briga pelo título Mika Häkkinen saiu-se vencedor em 1998 e 1999…
Na esperança de convencer a todos que está arrependido do que fez, Sebastian Vettel anunciou que está disposto a desculpar-se com Lewis Hamilton neste fim de semana, em Spielberg, onde haverá, domingo, o GP da Áustria. A Ferrari, por sua vez, emitiu um anota sintética onde diz que aceita e pactua com os valores pregados pela FIA. Bons motivos para acompanhar os próximos assaltos, ou melhor, capítulos: como ainda faltam 11 Grandes Prêmios para terminar o campeonato, muitas pizzas deverão ser servidas até o final da temporada.
WG