Divórcio entre McLaren e japoneses movimenta F-1. Toro Rosso pode herdar motor Honda. Choque de culturas é barreira.
A pouca competitividade que o binômio McLaren-Honda apresenta desde que as duas partes reataram ligações técnicas e comerciais, em 2015, movimenta os bastidores da F-1 de maneira pouco vista. A equipe inglesa reclama do motor da Honda, que paga cerca de US$ 100 milhões por ano para a McLaren. Apesar do fato inegável que a falta de potência é a base da pouca competitividade dos carros de Fernando Alonso e Stoffel Vandoorne, a FIA e a Liberty Media não querem que a casa nipônica deixe a categoria, apesar do grave desgaste de imagem sofrido por tantas quebras e abandonos.
O primeiro F-1 da Toyota, o TF-101, usado somente para testes (Toyota)
Não é a primeira vez que um fabricante japonês erra a mão ao se envolver com a F-1: isso já aconteceu com a Toyota, com a Yamaha e com a própria Honda. O mesmo aconteceu com a McLaren: após um período de muito sucesso nos anos 1970 — Emerson Fittipaldi e James Hunt foram campeões mundiais em 1974 e 1976 pela equipe — isso só foi repetir em 1984. O mesmo se aplica a outras escuderias e provedores de motores, no caso das equipes a Williams é o exemplo típico. enquanto BMW, Ford e Porsche se encaixam no segundo grupo em questão.
Dentro desse panorama, por que existe tanto interesse em manter a Honda na F-1, categoria onde a própria marca se apresenta em doses regulares e nem tanto homeopáticas? A explicação para isso começa pelo prestígio de ter grandes marcas, passa pelo capacidade de criar e investir na fabricação de motores e leva em consideração os princípios da cultura japonesa.
Soichiro Honda, o fundador da empresa que leva seu nome, sempre apoiou o uso das competições para aprimorar seus produtos, fossem motocicletas ou carros. No mundo das duas rodas a marca iniciou nas categorias menores e há anos é uma das forças da Moto GP, a equivalência da F-1 no motociclismo. No automobilismo a marca se envolve ativamente nas categorias de elite: Super Formula (antiga Formula Nippon) e Super GT no Japão, F-Indy na América do Norte e investe forte em equipes de ponta em campeonatos de Turismo de primeiro nível, como o British Touring Car Championship e outros similares.
O regulamento cada vez mais restrito e os custos cada vez mais elevados para ser competitivo limitam exponencialmente o apelo da categoria às grandes marcas, combinação de fatores que a Liberty Media tenta alterar em sua cruzada para fazer renascer o interesse do público e recuperar o investimento de bilhões de dólares feito para comprar os direitos comerciais da F-1. Perder a Honda seria perder um fabricante com interesses globais, em outras palavras, um cliente muito importante.
Tal qual para a Liberty, para a FIA a presença de uma marca oriental é fundamental para justificar o internacional que consta no nome de batismo dessa federação do automóvel. Algumas décadas atrás a Toyota foi flagrada ao instalar em seus carros turbocompressores que não respeitavam os regulamentos do Campeonato Mundial de Rali na temporada de 1995. Consta que naqueles dias da era Bernie um acordo para resolver o caso da maneira menos traumática foi “convencer” os japoneses a desenvolver um programa de F-1, algo fora dos planos da família Toyoda, que nas provas de pista sempre foi mais próxima das provas de resistência. O investimento foi feito, sem preocupação de economia e, talvez por isso mesmo, teve resultados frustrantes e a Toyota sempre se manteve fiel às corridas de longa duração.
Até 2020 o Campeonato Mundial da F-1 segue os preceitos ditados pelo Acordo de Concórdia, um contrato abençoado pela FIA e firmado entre as equipes e os detentores dos diretos comerciais da categoria, hoje em dia a Formula One Management (FOM), que é administrada 100% pela Liberty Media. Há algum tempo já se fala em mudanças importantes para 2021, mudanças que irão afetar desde as relações comerciais entre as escuderias e os promotores até o regulamento técnico, com especial atenção ao que hoje se convencionou chamar “unidades de potência”. Este último fator é tão profundo que várias marcas já demonstraram interesse em projetar e construir…motores, caso da Cosworth, Ilmor e Porsche entre outras grifes da indústria mecânica; nenhuma delas, porém, é japonesa.
Enquanto a economia chinesa não abre os olhos para investir na F-1, não passa de estudo de viabilidade, é o Japão que continua sendo o posto avançado no extremo oriente. Verdade que as possibilidades de promover mais corridas na região, incluindo um segundo GP na China, é cada vez maior, porém nada indica que a Liberty Media esteja em condições de declarar independência da Honda. Da mesma forma, os caminhos para manter o casamento são cada vez mais difíceis. Seja manter o matrimônio atual com a McLaren ou estabelecer um regime de relacionamento estável com a Toro Rosso, lembram o traçado estreito de Mônaco – onde qualquer descuido significa bater nos guard-rails – e a alta velocidade de Monza, posto que o tempo para resolver essa crise é cada vez mais curto.
A Honda romper com a McLaren significa pagar uma multa que os japoneses não estão dispostos a assumir; a McLaren só pode abrir mão se tiver um outro provedor de motores, opção que por enquanto cai exclusivamente no colo da Renault. Ferrari e Mercedes já declinaram a possibilidade de suprir a equipe de Woking e é muito pouco provável que revejam essa decisão. A Toro Rosso, única equipe que estaria disposta a trocar seus motores franceses pelos japoneses, quer receber uma boa compensação financeira, algo que a Honda não parece disposta a bancar.
A Renault quer Carlos Sainz, piloto da Toro Rosso, em sua equipe oficial e a possibilidade de fornecer sua “unidade de potência” à McLaren significa alimentar um rival tão perigoso quanto a já associada Red Bull, cujos carros usam motores rebatizados como “Tag-Heuer”. Os mineiros diriam que a Toro Rosso está com a faca e o queijo nas mãos: para abrir mão dos motores Renault cobram dinheiro da Honda, que oferece apenas motores grátis, e liberar Carlos Sainz para a Renault aumenta seu poder de negociação com os franceses e, por tabela, com a FIA e com a FOM. Ou seja, os caros valores franceses de liberdade, igualdade e fraternidade não estão muito prestigiados nesta história.
Ironicamente, quem mais torce para que a Honda fique na F-1 são Nirei Fukuzumi e Nobuharu Matsushita. Se a FIA e a FOM querem o prestígio de uma marca mundial, a McLaren e a Toro Rosso um motor para chamar de seu, tudo que os dois pilotos japoneses desejam é um emprego de tempo integral na categoria. Algo que só vai acontecer se os principais atores dessa história praticarem a lealdade e o compromisso caros aos japoneses e não escolham declamar os versos do poeta, aqueles que preconizam que o amor é eterno enquanto dura…
WG