Percorrer 800 quilômetros no coração do Jalapão com Jeeps Compass e Renegade normais de série mostra que não há tela de computador que substitua a experiência de usar o automóvel para conhecer o País.
Os nomes são mais do que conhecidos, são famosos. Um, desde a Segunda Guerra Mundial, o outro desde que o Brasil começou a ser descoberto de dentro para fora. Juntos eles formaram uma combinação irresistível para quem é autoentusiasta de raiz: o Jeep Experience 2017 no Jalapão foi uma aventura para não botar defeito.
Tentar achar algo errado em 800 km percorrendo trechos de areião e pedras, cachoeiras e riachos, calor de 45 °C, rios de água potável e dunas douradas, era impossível. Não dava para reclamar nem de uns mosquitos mais ousados encontrados em algumas paradas.
Acerola do sorvete (cereja do bolo seria uma expressão muito nutella para o padrão da expedição) foi ter completado essa expedição a bordo de modelos Renegade e Compass totalmente originais de fábrica, iguaizinhos aos vendidos na rede autorizada, inclusive no que diz respeito aos pneus.
Considerado por muitos um verdadeiro deserto, o Jalapão é na verdade um parque com muito verde, areia, pedras e poeira. O termo ‘deserto’ certamente foi cunhado porque a densidade habitacional do local só perde para a floresta amazônica: em dois dias de trilhas não cruzamos com mais de 10 carros. Daí a necessidade de encarar uma aventura dessas num esquema de caravana e tomar alguns cuidados básicos.
A poeira fina — que os ralizeiros chamam de “fet-fet” —, levantada pelo movimento do comboio demanda cuidados extras como andar com os faróis acesos e ajuda a aprender outros truques. Aos poucos você se torna capaz de visualizar a silhueta do veículo à frente apesar da nuvem de pó que permite soltar um “não enxergo um palmo à frente do nariz” sem perigo de passar por mentiroso ou exagerado.
Nossa brigada era composta por dez veículos tripulados por duplas de jornalistas: eu dividi o Renegade, no primeiro dia, e o Compass (ambos com motorização diesel e tração nas quatro rodas) com o colega Paulo Cruz. Sorte minha: antes de assumir seu lado jornalista em tempo integral, esse paulista criado em Campo Grande, MS, fazia parte de uma equipe especial da Força Aérea Brasileira de busca e salvamento em condições críticas. Completavam o comboio um trio de modelos Wrangler, dois deles conduzidos pela equipe do Luís Fernando Carqueijo, editor de Off-Road do AE, mas que neste evento específico estava atuando como organizador através da sua firma de organização de eventos do tipo, a Trailway Off-Road.
Vinheta famosa
Pesquisador e organizador de trilhas, Carqueijo também comanda a Carq FM, emissora de rádio não oficial que a cada largada entrava no ar com a vinheta “Coooomboio eeeem moovimeeentô…” e emendava a narrativa com boletins sobre as espécies endêmicas, a formação rochosa do Jalapão e dicas sobre como encarar os obstáculos do caminho.
Já sabíamos que em pisos asfaltados ou regulares a tração traseira é desligada, mas basta que uma delas patine 270° para que o diferencial traseiro seja acoplado automaticamente. Isso gerou a primeira das dicas mais valiosas ouvidas na frequência da Carq FM: manter sempre uma distância razoável do carro que ia à frente; outra foi ter sempre o carro de trás visível no retrovisor, procedimento que quem já participou dos passeios do AUTOentusiastas conhece.
Vez ou outra o rádio PTT — rádio de comunicação em que a sigla significa “push to talk”, aperte (o botão) para falar — que acompanhava cada veículo trazia informações como acionar “Tração total reduzida” (quando o terreno era mais acidentado), “selecionar o modo sand” (quando o areião mostrava suas garras movediças), opções que tanto o Renegade quanto o Compass trazem de série, detalhes que você vai ler mais abaixo.
Logo no primeiro dia comprovei que Carqueijo é mesmo um bom professor. O carro que eu seguia reduziu repentinamente sua velocidade ao entrar em um trecho de areião. Desviei à esquerda para evitar um choque: frear naquele piso era solução fora de questão. Como resultado acabei caindo num facão e as rodas do Renegade ficaram sem contato firme com o piso. Duas tentativas de sair de lá —uma arrancado à frente, outra para trás — revelaram que insistir nisso só iria piorar a situação.
A solução veio no Wrangler conduzido por Ricardo Dilser, outro entusiasta do automóvel e anfitrião do grupo (ele é assessor técnico da FCA América Latina, apenas da Fiat antes). Assim como o Dilser, todos do comboio aproveitavam qualquer oportunidade para curtir a experiência: nenhum imprevisto, inclusive os que eram bem previstos, tirava o bom humor do comboio. Até nos momentos como quando atolei era geral a disposição de me ajudar e garantir que voltássemos logo a acelerar…
Aliás, não fosse o reboque prontamente realizado e talvez eu ainda não teria publicado esta matéria: eu certamente teria vivenciado experiência pior, pois é impossível prever quando passaria alguém para me ajudar a sair do buraco… Nesse episódio deu para notar que a caravana era composta pelas versões diferentes Longitude e Trailhawk. Esta última tem tem uma opção a mais para aproveitar todo o potencial da tração total: além dos modos automático, areia (sand), lama (mud) e neve (snow), ele também conta com a regulagem para rochas (rock).
Outras características da versão mais equipada são rodas em aro 18”, pneus de uso misto, 2 cm extras de distância livre do solo e os ganchos de reboque fixos (dois na dianteira e um traseira) e incorporados à estrutura do carro. Se você quiser exagerar e pendurar seu Trailhawk para secar no varal, vá com fé: os ganchos são acoplados à estrutura do veículo. Tanto o nosso Renegade quanto o nosso Compass eram da versão Longitude, opção feita por uma causa nobre: eram os dois veículos que tinham teto solar, o que permitiu registrar cenas ainda mais marcantes. Já o detalhe dos ganchos de reboque não vi nenhum prejuízo e até aprendi mais um truque: quando encalhei no primeiro dia descobri que se deve-se instalar o engate de reboque deixando “um fio de rosca” livre. Isso evita que na hora que a corda estica o tranco faça o engate ficar mais preso que a espada do rei Arthur.
Quando falei que cereja do bolo é uma expressão inapropriada ao Jalapão, isso tem a ver, literalmente, com o cenário gastronômico da região. Não espere descobrir pratos típicos ou cachaças de qualquer classe num passeio como esse: a infraestrutura turística rústica da região ainda não contempla “detalhes” tão hedonistas. Para não dizer que não descobrimos novos sabores vale mencionar o caranha, peixe considerado “primo” do pacu, tanto que também é conhecido como pacu-caranha. De carne saborosa e macia, foi a estrela do almoço em São Félix do Araguaia, onde está o que pode ser considerada a melhor pousada da região que percorremos.
As frutas tropicais, como acerola, caju e mangaba, entre outras, são mais consumidas em sucos naturais e, eventualmente, em sorvetes caseiros, como os oferecidos na comunidade de Mumbuca. Ali funciona uma cooperativa de mulheres que produz artefatos a partir do capim dourado, vegetação típica da região.
Mesclando assuntos de mesa e direção cabe mencionar que é preciso estar atento e muito para os bovinos criados soltos na região. Eu e Paulo Cruz evitamos por muito pouco atropelar um novilho que surgiu do nada e atravessou a estrada sem se preocupar se havia faixa de pedestre ou não, quanto mais olhar para ver se vinha algum carro. Se não garantimos o churrasco, pelo menos mantivemos a integridade do nosso Compass…
De volta a Palmas dos Tocantins, ponto de partida dessa experiência inesquecível, ficou a certeza que o automóvel ainda é algo bem mais interessante do que navegar pela internet quando se trata de descobrir o país em que vivemos.
Por maior e mais nítida que fosse a tela do computador não seria possível descobrir paisagens únicas como as dunas douradas douradas, o lago do Fervedouro, a prainha — onde pode-se tomar banho em rio de água potável — ou conhecer a Cachoeira da Velha, em plena Serra do Espírito Santo. Você pode até usar os “www” da vida para organizar sua viagem, mas nada se iguala a percorrer na primeira pessoa trechos de areião, pedras, cachoeiras e riachos em um cenário real, mesmo sob um calor de 45 °C.
WG