Por Portuga Tavares
O último texto que fiz foi sobre o Concurso de Elegância realizado recentemente na Sociedade Hípica Paulista. Antes mesmo da matéria ser publicada, alguns questionamentos do Bob Sharp deram ideia para essa pauta. Então, lá vamos nós falar do assunto que faz a alegria e a tristeza de muitos donos de carros antigos: a premiação.
Na foto que abre a matéria, um Studebaker 1952 é premiado em 2004 (Foto: autor)
Antes de tudo, vamos só esclarecer com funciona um concurso de elegância. Para levar esse título o evento precisa contar com automóveis de cotação internacional, ter juízes reconhecidos internacionalmente e todos os veículos aptos a ser avaliados tem que receber um certificado de participação com validade internacional. O julgamento leva em conta a história do automóvel, índices de originalidade, raridade e relevância histórica.
Por exemplo: Um carro pré-guerra (fabricado antes de 1945) é apto a participar, mas se for europeu o índice de raridade é maior porque o Velho Continente teve proporcionalmente mais veículos destruídos do que os de outras origens. Se além disso o automóvel for de uma edição limitada ou de configuração especial, o índice de raridade aumenta, e se durante a trajetória tiver um dono famoso ele ganha em relevância histórica.
Apenas um item pode derrubar algum desses argumentos. Se o automóvel for original sem restauração, em tom de testemunho de época. Porém, para ser considerado assim o carro não pode ter recebido interferências tais como reformas e consertos grandes que exijam a troca de peças por completo, como um capô, para-lama, porta… Ainda há mais uma questão: além de estar nas condição de “intocado por intervenções”, o funcionamento precisa ser perfeito. Sendo assim, um carro original, sem restauração, que não esteja com sua aparência prejudicada pelo tempo e em pleno funcionamento, é considerado “testemunho de época”.
Se o “testemunho de época” tiver alto índice de raridade, de edição altamente limitada, com carroceria feita por encomenda e tiver pertencido a alguma grande personalidade, ele vira imbatível, mas casos como esses são raríssimos. Uma explicação plausível é que automóveis de pessoas muito conhecidas quase sempre passam por constantes reformas, por exemplo, não são raros os relatos de cineastas e cantores que tiveram seus carros depenados por fãs, o que exigiu reformas posteriores. Assim como é comum ouvir dizer de empresários e políticos que tiveram seus automóveis atacados por bandidos ou inimigos de partido.
O que temos, a cada dois anos, em nosso país e que se assemelha de um Concurso de Elegância é o “Brazil Classics Show”, organizado pelo Veteran Car Club de Minas Gerais, evento esse realizado na cidade mineira de Araxá. Em termos de veículos com interesse mundial, podemos afirmar que os melhores e mais colecionáveis carros do nosso país estão lá em todas as edições, os donos fazem questão de prestigiar o evento que acontece sempre nos anos pares, durante o feriado de Corpus Christi.
Ainda assim, por não emitir o certificado internacional e pelos juízes não virem de países diversos, Araxá não entra no nicho dos Concursos de Elegância. Agora, se o leitor ou leitora me permite, esse é o momento em que tenho que abrir uma linha de pensamento bem particular: “O evento de Araxá não perde em nada para os melhores do mundo, merecia o título de Concurso de Elegância, só pela qualidade dos carros apresentados”. Parabéns para a “galera” do Boris Feldman por fazer um evento com essa qualidade.
Águas de Lindoia é o gramado mais disputado do antigomobilismo nacional. Durante décadas realizou-sena praça Adhemar de Barros o Encontro Paulista de Automóveis Antigos e há quatro anos é realizado o Encontro Brasileiro de Automóveis Antigos. Independente da organização, a cidade criou uma mítica própria. Todos os anos disputa —em tamanho — o título de “o maior evento de carros antigos da América Latina” e muitas vezes consegue. Colecionadores, antigomobilistas, amigomobilistas, entusiastas e até gente que nem tem nada a ver com carro antigo vai visitar o “encontro de Lindoia”, como é popularmente chamado.
Durante muito tempo, donos de carros antigos programaram suas restaurações para terminarem perto do início do evento de Águas de Lindoia, assim o automóvel debutaria e, sendo novidade, o carro tem mais chances de faturar um troféu. Nesse evento existem diversas categorias para carros de configuração original e também para veículos que foram customizados. A regra de participação é ter, no mínimo, trinta anos de fabricação. Os juízes são destacados conforme a área de conhecimento e atuação. Eu, por exemplo, fico normalmente entre os nacionais Ford (uma das categorias para nacionais originais).
Uma planilha, que desenvolvi com Fábio Pagotto, tem itens sobre: tapeçaria, vidros, cromo, pintura, carroceria… Esses itens levam pontuação de 1 a 5. Na hora de fechar, é simples, a contagem de pontos elenca o carro no ranking e quanto maior a posição maior, a chance de levar um prêmio de destaque. Algumas regras existem para dar dinâmica na premiação, o mesmo carro não pode levar prêmio nas três próximas edições, ou seja, um veículo premiado em 2017 só terá chance novamente em 2021.
Os juízes devem sempre andar em número ímpar e um juiz não pode avaliar o próprio carro. Particularmente, sou da opinião de que carro de juiz nem avaliado deveria ser, tanto que nas poucas vezes em que meu carro foi escolhido argumentei para que fosse retirado, apontando defeitos do veículo. Nem sempre consegui, mas sempre o fiz. Algumas vezes é inevitável que algum carro de avaliador seja premiado. Acontece que — por vezes — alguém referência em um modelo costuma ter os carros mais originais e bem acabados do segmento (não é meu caso, não sou referência e nem tenho os melhores carros, não é meu foco).
Existe outro evento que usa a mesma planilha e regras bastante semelhantes, o Encontro Nacional de Pick-Up Trucks e Carros Antigos, em Águas de São Pedro. Este é outro evento onde sou avaliador e acabo normalmente ficando com Automóveis de Passeio Nacionais Originais, que engloba todos os carros de passeio feitos em nosso país, o que é confortável num evento onde o foco e a quantidade maior é a de caminhonetes e caminhões. Digamos que “acabo ficando com a parte fácil do trabalho”.
Tem ainda os eventos que fazem suas premiações com outros critérios, alguns inusitados e bem-humorados. No Mopar Nationals, por exemplo, um dos prêmios é o “Flanelinha”, dedicado ao dono de carro que fica mais tempo limpando o automóvel. Existem eventos onde em vez de se premiar o automóvel se premia a pessoa que fez o encontro acontecer e ser realizado. Era uma prática bastante saudável da cidade de Rafard, no interior de São Paulo.
Enquanto alguns não dão a mínima para premiações, outros se matam para receber troféu a qualquer custo. Alguns aplaudem as conquistas do amigo que tem um admirável automóvel, outros resmungam o fato de não terem recebido prêmio, quase sempre, atribuindo a culpa a alguma “teoria da conspiração” ou “panelinha”. Eu, prefiro ter meu carro que pinga óleo na garagem, mas que vai e volta andando para os eventos do que ter um troféu empoeirando na prateleira. Minha maior conquista nos eventos é a de conhecer pessoas e meu maior acervo é a coleção de amigos.
Este foi um pequeno panorama de como são os encontros de carros antigos na nossa terra.
PT