Mais uma vez, esta semana eu ia escrever sobre outro assunto, mas a premência das novidades me fez mudar de rumo. E peço aos leitores de outras cidades que entendam por que abordo um assunto específico de São Paulo, capital, já que este, como tantos outros, deverá sentar jurisprudência sobre outros municípios. Considero que é sempre bom aprender com os erros e acertos, mas se pudermos evitar nossas próprias mancadas e aprender com as dos outros, pouparemos tempo e recursos, para ficar em apenas dois dos principais itens. Por óbvio, o mesmo se aplica aos acertos.
Já começo a entoar meus mantras de paciência para aqueles que criticarão o que se segue, como se matar o mensageiro extinguisse a notícia ou como se eu tivesse culpa dos fatos sobre os quais escreverei. Mas vamos lá.
No dia 7 de novembro o prefeito João Dória sancionou o projeto de lei que altera critérios para a implementação de ciclovias, faixas compartilhadas e ciclofaixas na cidade. A lei estabelece alterações na Lei 14.266/2007 de Criação do Sistema Cicloviário no Município de São Paulo, sancionada em 2007 e de autoria do então vereador Chico Macena (PT). A nova redação foi proposta pelo vereador João Jorge (PSDB) e assinada por outros nove vereadores do mesmo partido. E aqui vai um parêntese para quem é de outra cidade: o atual secretário municipal de Transportes vai trabalhar de bicicleta todos os dias, coisa que nem o prefeito anterior nem seu secretário, tão adeptos da modalidade (ao menos para os demais munícipes) faziam.
A nova lei é bastante curta, mas as principais alterações estão no Artigo 4 que fica assim:
Art. 4º. Caberá à Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes consolidar o programa de implantação do Sistema Cicloviário do Município de São Paulo e delegar a execução das obras pertinentes.
Parágrafo único. A implantação dos trechos cicloviários deverá ser precedida pela realização de audiências públicas e pela apresentação de estudos de demanda, de viabilidade e de impacto viário, os quais deverão ser integralmente divulgados em sítio eletrônico próprio.
Art. 4º-A. A implantação do Sistema Cicloviário do Município de São Paulo será orientada pelas seguintes diretrizes:
I – integração com os modos e serviços de transporte urbano;
II – preferência pela implantação de trechos cicloviários de forma contínua e interconectada, permitindo a ligação eficiente entre bairros e distintas regiões do Município;
III – transparência e mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos;
IV – promoção contínua de esforços para a convivência segura entre ciclistas, pedestres e modais de transporte motorizado;
V- incentivo à participação popular na definição dos trechos cicloviários a serem implantados;
VI – prevalência de soluções cicloviárias tecnicamente viáveis, harmônicas com desenvolvimento urbano sustentável e com os demais dispositivos legais pertinentes à mobilidade urbana.”
Entre as alterações destaco em primeiro lugar duas: os novos trechos cicloviários somente poderão ser implementados após a realização de audiências públicas e da apresentação de estudos de demanda e de impacto viário. E foram justamente esses os pontos mais criticados pelos cicloativistas.
Na primeira alteração, os cicloativistas alegam que no caso de audiências públicas comerciantes e moradores de vias onde as ciclovias ou ciclofaixas seriam instaladas podem ser contrários ao projeto porque a ciclovia atrapalha o trânsito e assim poderiam comparecer em peso às audiências para barrar os novos projetos. Estranho é que quando as ciclovias começaram a surgir na cidade e houve reclamações de comerciantes que alegaram que cairiam as vendas eles disseram que nos demais países, notadamente na Europa, a bicicleta ajuda o comércio local e eleva as vendas, pois as pessoas vão mais vezes às lojas e dão preferência às pequenas lojas de bairro. Eles até divulgaram um estudo que dizia que em Nova York isso aconteceu em três anos — lembro que o aumento nas vendas era de mais de 40%. Já que eles sempre alegaram isso não sei por que essa preocupação agora. Aliás, certamente os comerciantes que hoje têm ciclovias na frente de seus estabelecimentos iriam de bom grado apoiar a iniciativa e contar sua experiência positiva para os colegas, não? Afinal, São Paulo já tem ciclovias há anos e especialmente entre 2013 e 2016 foi acelerado o projeto — logo, os resultados positivos já deveriam ser palpáveis. Especialmente em tempos de vacas magras, quem não quer aumentar o movimento em seu comércio?
Quanto à participação de moradores de vias onde as ciclovias passariam é a mesma coisa. Se elas são tão positivas, qual seria o problema? Além disso, quando no começo deste ano algumas delas foram apagadas durante alguns recapeamentos, cicloativistas reclamaram alegando que a sociedade não havia sido consultada quanto a elas serem retiradas. Agora que o poder público abre a iniciativa para a participação da sociedade está errado? Ou será que esses grupos queriam que o “diálogo” acontecesse apenas com eles? Relendo reportagens dos últimos anos sobre o assunto vejo que sempre se questiona a falta de diálogo da atual gestão — que se defende dizendo que fez, de janeiro até agora, cinco grandes reuniões abertas sobre ciclovias nos bairros da Vila Mariana, Cidade Tiradentes, São Miguel, Vila Prudente e Penha, e Pinheiros. Também foram feitas dez reuniões da Câmara Temática de Bicicleta desde o início do ano. E agora condiciona todos os futuros projetos a audiências públicas. Sinceramente, não consigo ver qual seria o problema de que todos os segmentos da sociedade possam participar e defender seus pontos de vista.
Vamos então ao segundo ponto que acho extremamente importante: necessidade de estudos prévios de demanda, de viabilidade e de impacto viário. Também, na teoria, nada muda, já que a administração anterior dizia que havia, sim, estudos prévios sobre os locais de implementação de ciclofaixas e ciclovias. Apenas alguns poucos jornalistas questionaram os critérios e pediram esses estudos, que nunca ninguém viu. Mas prefeito e secretário de Transportes afirmavam que eles eram feitos e que os critérios de implementação das vias eram sempre técnicos e não aleatórios, como diziam alguns jornalistas e críticos. Como durante quatro anos nenhum cicloativista negou ou questionou esse fato e sequer criticou o local onde elas foram feitas ou seu traçado, não entendo porque agora esses mesmos cicloativistas alegam que o projeto inviabiliza as novas ciclovias. A não ser, é claro, que esses estudos não existissem e como agora a lei manda que eles sejam divulgados…
Na publicação Vadebike o cicloativista Willian Cruz alega que a exigência destes estudos é na prática uma lei anticiclovias e diz que “o ‘impacto viário’ pode vir a ser entendido como qualquer alteração que afete a circulação ou o estacionamento de automóveis. Isso significa que, a partir desta lei, ciclovias ou ciclofaixas que ocupariam espaço do viário antes dedicado aos carros – mesmo áreas de estacionamento – poderão ser barradas.” E continua: “Com isso, são grandes as chances de que novas estruturas só sejam aprovadas em canteiros centrais de avenidas (isso se não infringirem outro requisito, a existência de demanda prévia), o que elimina por completo a possibilidade de termos uma malha ampla e conectada.”
Ora, acho que “impacto viário” é justamente isso: qualquer alteração que afete a circulação — não apenas de automóveis, diga-se. Ele esquece (propositadamente?) que há ônibus nas ruas também. Muitos, aliás. Mais de 14.400, que levam todo ano 3 bilhões de passageiros. E aqui não estou considerando ônibus fretados nem táxis nem metrô, já que deve ser levado em consideração qualquer impacto nas imediações das estações. Evidentemente que qualquer medida que crie o menor impacto que seja, positivo ou negativo, deve ser analisado previamente — como se faz antes de construir um prédio, uma usina hidrelétrica ou ainda uma fábrica de bicicletas. No caso de uma usina hidrelétrica é obrigatório que se faça o estudo de impacto ambiental que, mesmo existindo, pode ser que a obra seja avaliado como positiva e assim a usina seja construída. Vai ver que essa é a melhor opção para gerar energia para alimentar a fábrica de bicicletas… E assim tudo na vida.
Os cicloativistas também receiam a frase “estudos de demanda” no novo projeto. “Aplicar estudo de demanda só faria sentido caso pudéssemos entender qual é a demanda reprimida em uma determinada via. Olhar os números atuais de uso não tem qualquer sentido”, diz Rene José Rodrigues Fernandes, diretor da Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade). Confesso que não entendi por que olhar números atuais não faz sentido. Lembro de ter estudado projeções na faculdade, mas vai ver que mudou desde minha época.
O diretor do Instituto Aromeiazero, que visa promover o uso da bicicleta na cidade, Murilo Casagrande diz: “Você não consegue fazer análise de demanda em um local que (sic) não passa nenhum ciclista. As ciclovias estão sendo apagadas e esse projeto de lei tende a diminuir ainda mais (sic) implantação de novas.” Pessoalmente, discordo. Se assim fosse, como funcionariam as empresas, os governos? Não haveria planejamento algum? Para isso existem as projeções, as estatísticas, as simulações e no caso das ciclovias e ciclofaixas há anos a cidade tem mais de 400 quilômetros delas que já deveriam ter sido estudadas e acompanhadas para saber se e como funcionaram. Ou seja, houve tempo e muitos, muitos locais para estudo de demanda. Sem falar nos milhões de habitantes da cidade que poderiam ser entrevistados. É assim que faz o metrô para avaliar onde é necessário colocar linhas novas e até mesmo mais composições e em quais horários.
“É fato conhecido que as ciclovias têm efeito indutor de demanda. Em São Paulo, o uso da bicicleta aumentou 66% entre 2014 e 2015, quando as estruturas começaram a ser implantadas em larga escala”, diz Cruz (observação minha: no final de 2015 a cidade tinha 350 km de infraestrutura cicloviária permanente, composta por ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas). Não faço a menor ideia de quais números ele utilizou nem quais são os números absolutos, ou seja, se passamos de 100 para 166, mas se a indução de demanda é tão galopante assim, qual o receio de se fazer estudos de demanda? Eles só confirmariam que ela existe.
Outro fato positivo desta lei é que ela prevê que os traçados das novas ciclovias contemplem a integração com os outros modais. Assim se evitariam absurdos como o de uma ciclofaixa de menos de 80 metros no bairro de Pinheiros que começa antes de uma esquina e termina antes da seguinte, ligando, sei lá, um vizinho a outro apenas. E que o coitado do ciclista seja obrigado a apenas pedalar de uma ponta a outra do percurso, quando o lógico seria que fizesse, caso isso não fosse possível, parte em duas rodas parte no metrô (que permite levar bicicletas assim como deixá-las em boa parte das estações) ou pegar um ônibus e estacionar ou alugar bicicleta para outra parte do percurso.
Mas também não entendo por que essa crítica à questão da demanda, pois ela já constava do projeto anterior, de 2007, de autoria do vereador do PT. No Art. 3 dizia textualmente: “O Sistema Cicloviário do Município de São Paulo deverá (…) III – implantar trajetos cicloviários onde os desejos de viagem sejam expressivos para a demanda que se pretende atender.” Por tanto, há 10 anos que isso está na lei. Por que essa grita agora? Não sei quanto aos críticos, mas eu fui lá ler as duas leis.
É óbvio que uma bicicleta pode durar anos, mas também é fato que há tempos que os números do setor só caem. Segundo a Abraciclo, associação que reúne os fabricantes do setor, em 2016 o mercado de bicicletas sofreu uma retração de 11,5% para as fabricantes do Polo Industrial de Manaus, onde está a maioria deles. A produção nacional de bicicletas já havia caído 10% no acumulado do ano de 2015, chegando a 3,6 milhões. Pode ser que tenha mais gente pedalando, não sei e nunca se conseguem dados fidedignos. Às vezes sequer se conseguem dados, apenas variações, sem os números absolutos, mas certamente tem menos gente comprando bicicletas há tempos.
Visto sem ideologias e sem fanatismos, o projeto pode ser extremamente positivo para os ciclistas e pode aumentar a quantidade de ciclovias na cidade. Mas é importante que todos sejam ouvidos e que os interesses de todos sejam levados em consideração e não apenas os de quem grita mais. E é positivo que também se considere na equação o bolso dos contribuintes, já tão maltratado por administradores inconsequentes com o dinheiro dos outros. Que sejam construídas corretamente, por um custo adequado e que todo o processo seja transparente. Não é pedir muito, não?
Mudando de assunto: domingo foi dia de Grande Prêmio de Interlagos e de vexames internacionais com os assaltos e tentativas de assalto das equipes de Fórmula 1. Eu sei que nós temos isso todos os dias, mas é óbvio que fica pior quando acontece com estrangeiros, pois a repercussão é maior. Também é óbvio que todos merecemos segurança, brasileiros ou estrangeiros, mas falo aqui de vergonha. E ainda dentro dessa rubrica, como se pode pretender ter audiência quando a emissora que tem a exclusividade da transmissão coloca no ar nos 40 minutos anteriores à prova, no próprio País, um programa de Os Trapalhões para encher o tempo? Não podiam ter preparado algo pertinente para a ocasião? E os jornalistas que faziam a cobertura? Um deles disse que a volta dos pilotos num caminhão aberto logo antes da largada fazia parte da estratégia da “nova Fórmula 1” de aproximar os pilotos do público. Hã? Há anos existe isso! O outro entrevista sir Jackie Stewart e fala em Jack Dan… e se emenda antes de falar o nome daquele bourbon. E, assim como o famoso locutor, chamou o piloto inglês de Jason Button em vez de Jenson. Por falar nele, na volta 15 quando o Hamilton ultrapassava o Pérez disse que a manobra estava sendo feita pelo carro do Émerson. Cruzes! De bom, as lindas ultrapassagens de Ricciardo e o tocante rádio com o áudio do Felipinho na despedida de Massa.
NG