Pois é. Aconteceu de novo. Estava eu a escrevinhar minha coluna semanal quando… POW! WAW! BOOM! Assim, como no seriado do Batman com o Adam West, fui obrigada a mudar de assunto. A premência, a realidade, me obrigaram a fazer isso subitamente.
Como ignorar duas notícias ao mesmo tempo, sobre o mesmo tema, em cidades diferentes, mas com resultados igualmente trágicos? Refiro-me aos dois fatos com carros nos quais, até informações em contrário, os motoristas tiveram problemas de saúde que provocaram mortes de pedestres. Um em Brasília, outro no calçadão de Copacabana, no Rio.
No primeiro, com menos notícias, divulgou-se que a motorista teria tido uma hiperglicemia. Diabética, teria perdido o controle do carro e acelerado a 120 km/h numa via na qual o limite recomendado era de 60 km/h, saiu da pista e atropelou um casal que caminhava pela calçada. Se a motorista toma a medicação constantemente e faz acompanhamento médico, o mal súbito foi algo imprevisto. No caso do Rio, era algo bastante previsível e por isso mesmo falarei (bem, escreverei seria mais preciso) mais sobre ele.
O primeiro ponto neste caso é que o motorista em questão seria epilético. Pela legislação, pessoas com certas doenças podem, sim, dirigir, mas em determinadas condições. Recompilando e resumindo o que foi publicado nem sempre com exatidão, o epilético pode, sim, ter CNH e dirigir, mas apenas na categoria B (carro de passeio), nunca táxi nem ônibus, veículo de carga ou moto. Ainda assim, apenas se estiver há um ano sem crise convulsiva com medicação ou em processo de deixar a medicação, mas no mínimo dois anos sem crises e estiver há mais de seis meses sem tomar remédios. Estes são os critérios mais frequentes para julgar a capacidade de dirigir das pessoas com epilepsia, segundo recomendação da Associação Brasileira de Epilepsia e da norma que seguem os Detrans. Ainda assim, os intervalos de renovação geralmente são menores do que os de pessoas da mesma idade mas sem a doença, segundo o entendimento do Artigo 147 do CTB que diz que “poderá o examinador propor a diminuição do prazo de renovação da CNH, nos termos do § 2º do mesmo artigo”.
Laudos de médicos particulares não são suficientes para alegar que o paciente não teve crise em intervalos menores do que 12 meses. Atestado de médico credenciado pelo Detran deve acompanhar o do médico do paciente.
O problema no caso do Rio foi que o motorista omitiu do examinador que era epilético. Quando o candidato não informa que tem epilepsia ou outra restrição que são perguntadas no momento do exame médico, ele comete crime de falsidade ideológica (Artigo 299 do Código Penal Brasileiro), com pena de reclusão de um a três anos.
Mas há outras doenças que impedem a condução de veículos. Claro que epilepsia ficou mais em evidência pela gravidade do incidente – não chamo acidente pois uma pessoa que sabe que tem graves restrições de saúde (havia medicamentos para tratamento de epilepsia severa dentro do carro), que não deveria dirigir e ainda assim o faz é como beber dois litros de uísque e pegar a chave de um bulldozer e sair pela rua. De quebra, o sujeito ainda nem deveria estar guiando, pois sua CNH estava suspense por pontos, decorrentes de multas por outros motivos que nada tem a ver com a doença, como excesso de velocidade, passar semáforo no vermelho, etc. E pela segunda vez em três anos. Não dá para chamar de acidente, não é? Por isso não entendo como seria “acidente culposo” e não doloso. Mas, claro, não sou advogada. Pode ser que tenha alguma coisa aí que me escapa e faço essa ressalva. Refiro-me apenas ao bom senso.
Voltando à questão das doenças, há outras que impedem a emissão de CNH. Segundo a Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, depressão e esquizofrenia também são motivos para isto, além de algumas doenças que precisam de avaliação das condições de cada candidato por parte do médico perito, como os portadores de doenças neurológicas como Parkinson e Alzheimer, sequelas de acidente vascular cerebral, lesões neurológicas, doenças degenerativas progressivas e ataxias.
Pessoalmente, vou além. Para quem por algum motivo faz uso de determinados medicamentos, ainda que temporariamente, que têm como contraindicação operar maquinário, deveria se abster de dirigir. Se a pessoa não está 100%, vá para o banco do carona. Ande de táxi. Dê a chave do carro para alguém. Use transporte coletivo. Há tantas opções que não põem a própria pessoa nem outrem em perigo.
Eu mesma fiz isso anos atrás. Meu pai foi vítima de uma longa doença. Durante muito tempo ele esteve bastante bem e trabalhou constantemente mas, em várias ocasiões precisou de mim. Fez diversas cirurgias e eu fiquei com ele no hospital nas cinco ocasiões. Todas as vezes o levei para minha casa para se recuperar e às consultas durante os pós-operatórios. Muitas idas e vindas a vários lugares e durante muito tempo consegui fazer tudo isso, provavelmente por causa dele, mais do que por mim. Mas num intervalo em que ele esteve melhor, fraquejei e tive uma fase em que eu mesma não estava bem e durante uns 10 dias não me senti em condições de dirigir. Trabalhei normalmente e fiz todo o resto das minhas coisas, como sempre, provavelmente porque meu trabalho era intelectual, nunca operei máquinas, por exemplo. Mas sentia que não tinha 100% da concentração para as longas distâncias que tinha que vencer de casa até o trabalho, em especial o tanto de tempo que ficava no carro e o anda-para-anda-para e pensei que poderia provocar um acidente. Apesar de ser uma atividade bastante repetitiva e de fazer isso há muitos anos, dirigir requer foco.
Na verdade, o alerta veio de fora. Um dia, vinha por uma rua do bairro dos Jardins e atravessei outra que era em descida, e preferencial, sem parar e nem sequer olhar. Hora do almoço, pouquíssimo trânsito. Por sorte. Logo do outro lado do cruzamento escutei uma freada e parei. Pelo retrovisor vi uma moto e o motoqueiro no chão. Ele conseguiu desviar do meu carro, mas caiu. Abri o vidro e gritei um monte de pedidos de desculpas. Acho que ele ficou tão atordoado com minha reação de assumir o erro imediatamente e pedir desculpas sem parar de falar que me disse algo como “imagine, estou bem, pode ir”. Simplesmente não havia olhado para o lado ao atravessar um cruzamento sem sinal no qual eu sequer parei e nem estava na preferencial. Logo eu que até na garagem olho para os lados como se fosse um pardal ensandecido. Cheguei em casa e decidi dar um tempo no volante. Quando voltei ao prumo, voltei a dirigir, que para mim é um enorme prazer. Bem, descontando o trânsito, é claro. Meu “dar um tempo” não tinha nada a ver com medicamentos. Era apenas que estava com a cabeça em outro lugar, sem concentração total. Durou apenas alguns dias e foi somente uma vez em minha vida, mas se voltar a acontecer por qualquer motivo não tenho nenhum pudor em fazer a mesma coisa outra vez. E, obviamente, se trabalhasse operando máquinas ou algo assim pediria uma licença.
Por mais que goste de dirigir, e acreditem, gosto muito, jamais colocaria a mim ou a outros em perigo. Faço o mesmo quando vejo alguém assim. É semelhante a assumir o carro de quem já bebeu demais e não tem condições de guiar. Já voltei de velório dirigindo o carro de outros pois acho que se a pessoa não está totalmente focada, se pode se despreocupar de algo como o trânsito, por que não? E certamente é melhor para os outros.
Ainda sobre a questão do atropelamento de Copacabana, a imprensa continua falando besteiras. Não me refiro às informações desencontradas, pois isso pode acontecer no início. Digo da mania de dar opinião e palpite em tudo, ainda que não se saiba sobre o que se fala. Ouvi jornalista dizer que “a pessoa tem que ter consciência que o carro é uma arma”. Peraí, como assim? Então porque um ciclista matou um idoso nos baixos do Minhocão há dois anos vamos dizer que bicicleta é uma arma? Porque um padrastro matou o enteado com uma superdose de insulina vamos dizer que seringas são armas? Menos, muito menos. Se for assim, coitadas das costureiras. Depois que Hitchcock fez Grace Kelly matar um assassino com uma tesoura em “Disque M para matar”’ vamos satanizar as tesouras? E a jornalista que minimizou o que o atropelador de Copacabana fez dizendo que deve-se manter a presunção de inocência, logo “quando a pessoa diz que não tem episódios de epilepsia deve-se acreditar”. Não, jornalista, não é assim que funciona nem é assim que diz o Contran. Dois médicos têm de atestar isso. Não se trata apenas de presunção de inocência. Trata-se de zelar por um bem maior, que é a segurança pública.
Mudando de assunto: Na segunda-feira à noite zapeando pela TV a cabo acabei vendo um programa com Tom Daley, um saltador britânico especialista em plataforma de 10 metros. Ele estava percorrendo a Nova Zelândia num trailer. Imaginem o que ele faz num bungee jump… 12 cambalhotas! Mas o que me chamou a atenção foi o que aconteceu no trecho entre o Lago Tekapo e Monte Cook — pista simples, sem acostamento, boa parte de montanha, como quase todas naquele país. Por sinal, o mesmo caminho que eu fiz em 2017. Eles foram parados pela polícia quando estavam a uma velocidade entre 60 e 70 km/h. Adivinhem por quê? Estavam muito lentos! O simpático guarda não os multou, mas pediu gentilmente que andassem mais rápido. Não havia mais ninguém na estrada, como é muito comum na Ilha Sul, e eles estavam num trailer! Alguns números elucidativos sobre o país em 2016, o último que achei totalizado, no site do Departamento de Trânsito: 0,9 mortes para cada 10.000 veículos (sempre achei que a proporção por veículo seria o mais correto a analisar. Que bom que eles contabilizam!), 34 feridos para cada 10.000 veículos; 7 mortes para cada 100.000 habitantes (esse é o cálculo internacional, por 100.000 habitantes. No Brasil no mesmo ano foram 23,4 mortes para cada 100.000 habitantes),265 feridos para cada 100.000 habitantes. Que tal?
NG