Quando era pequena e ainda morava na Argentina, mas meu pai já estava no Brasil ele deu de presente para minha irmã e para mim o livro “ABC das Boas Maneiras”, de Marcelino de Carvalho.
A publicação em si já era bastante démodé naquela época — afinal, não sou tão jurássica assim. Mas tinha lá seus méritos e serviu para reforçar a educação que tivemos. Não tenho mais o livro, mas lembro que era um passo a passo do quê uma criança podia fazer dependendo da idade, se minha memória não me trai. Por exemplo, aos seis anos já podia atender o telefone e pegar recados e, se não me engano, até dizia como deveria fazê-lo. Ou algo assim. Coisa raríssima hoje em dia quando as pessoas latem ao telefone e mesmo quando são elas as que ligam perguntam “de onde fala”. Pois é, isso é algo que eu nunca entendi. Se é o outro quem está ligando deveria saber, não? Afinal, não foi ele quem discou? Meu pai, que não tinha a menor paciência com essas idiossincrasias, quando ouvia “de onde fala?” respondia “de um lindo telefone cinza”. Eu adorava e muitas vezes usei esta frase. Pena que quem telefona nem presta atenção e não percebe a sutileza do comentário e pergunta “Fulano está?”. Ou seja, tanto faz responder de onde falo ou não. Mas como hábitos são hábitos quando me fazem essa perguntinha que considero irritante e desnecessária pergunto “para que número você ligou?” até porque muitas vezes a ligação cai errada. Se o número é outro, digo que caiu em outro, assim a pessoa tenta de novo.
O livro explicava de uma forma bem fácil o que uma criança podia fazer em função da idade e tinha regras de etiqueta. Não lembro agora pois muitas das coisas que aprendi foram com meus pais mesmo e não no livro, mas ele serviu para confirmar vários princípios. Acho uma pena que tenham se perdido bons hábitos, como comer de boca fechada, saber segurar corretamente os talheres… Acho patético ver programas de gastronomia em que chefs estrelados espinafram candidatos amadores pela apresentação dos pratos, mas ao provarem eles mesmos seguram os talheres com a mão errada, empurram a comida com a faca, enfiam a cabeça como se estivessem pegando o alimento diretamente com a boca num cocho, falam com a boca cheia e, supremo horror, já vi lamberem a faca na televisão. Vixe! Mas se gabam de segurarem uma taça de vinho pela haste. Grande coisa. Correto, mas e o resto das normas de etiqueta? Mesma coisa nas novelas e em nos filmes nacionais — nos estrangeiros, especialmente europeus, ainda há certa etiqueta. Parece que ninguém mais espera engolir antes de falar. E dá-lhe farofa voando pela mesa! Com a televisão é alta definição e de tela de mais de 46 polegadas é nojento ver isso, já que é mais nítido.
Mas nada totalmente estranho em tempos em que as pessoas vomitam impropérios em redes sociais e grupos apenas porque foram contrariados. Você não concorda com o que meu candidato defende? Você é …… (não, não reproduzirei as coisas que leio no Facebook). Você não gostou do que alguém disse? Então, desqualifica-se a pessoa, não raro com mentiras em vez de discutir os argumentos. “O tempora o mores”, disse Cícero a Catilina. Que tempos, que costumes! Se já naquela época Cícero registrava seu horror não sei como qualificaria a total falta de educação que grassa atualmente.
Sabemos que a base da educação vem de casa, mas mesmo pessoas que não tiveram essa sorte podem, sim, cultivar boas maneiras. Basta querer e, basicamente, observar como as pessoas realmente educadas fazem. Nem digo cursos que ainda existem, embora raros e de pouquíssimo procura. O problema é que cada vez menos pais tem boas maneiras e, por óbvio, não as transmitem para seus filhos.
Quando uma das minhas tias casou a festa foi num belíssimo salão de hotel. Como ela adora os sobrinhos, fez questão de colocar-nos a todos numa mesa bem próxima da dos noivos, todas as crianças juntas. Almoço requintadíssimo, mesa idem. Eu tinha uns 8 anos e logo que nos sentaram à mesa olhei para aquela parafernália toda, levantei e fui até a mesa onde minha mãe estava, bastante agoniada: “Mamãe, eu sei o que fazer com os talheres, uso-os na ordem de fora para dentro. Mas como faço com tantas taças?”. Entre orgulhosa e divertida (afinal, a resposta para os talheres estava corretíssima), minha mãe chamou o maître e pediu que deixassem a mesa das crianças com apenas uma taça para cada um, levando as de champagne, vinho branco, vinho tinto, licor…
Bom, pensei eu em fazer um micro, minúsculo guia de algumas normas de boas maneiras no trânsito. Não aquelas “gentilezas” das seguradoras. OK, é legal dar passagem ao pedestre mas isso está no Código de Trânsito Brasileiro e não é mais do que a obrigação do motorista, do motociclista ou mesmo do ciclista. Nem aquelas coisas que são mesmo obrigação de todos nós no trânsito, como sinalizar corretamente o veículo em caso de pane, não transitar pelo acostamento, etc, etc, etc, como diria o rei de Sião. Pensei em boas maneiras mesmo. Aquilo que está além da obrigação. Não é um ABC pois não tive criatividade suficiente para fazer começar com as letras do alfabeto e muito menos seguir a ordem, mas vamos imaginar que em algum abecedário deste ou de outro sistema planetário isto se aplica, tá? Então, vamos lá:
• Não colar na traseira do carro quando se está num estacionamento (foto de abertura). Canso de ir ao supermercado e geralmente desde a rampa de acesso tem algum fofo que encosta no meu carro. Ora, se estou entrando num estacionamento é porque vou… estacionar, não? Então, que tal deixar um espaço para que se possa parar o veículo em segurança? Ou mesmo procurar um lugar? Quantas vezes se vê uma vaga, mas não temos nem meio metro para dar marcha à ré porque o infeliz do carro de trás está embutido no nosso para-choque? Dar uma distância … não seria tudo de bom?
• Abrir a janela do carro para sinalizar algo quando se tem filme. OK, meus leitores já sabem minha opinião sobre os filmes nos veículos. Não vou entrar o mérito daqueles que atendem à legislação, os incolores (os outros, por óbvio, não deveriam ser instalados nem estar em veículos em circulação) mas, ainda assim, é mais difícil ver se quem está dentro está nos dando passagem ou não. Claro que tem os que usam o farol para indicar isso, mas muitos o fazem com o mão mesmo e em outros casos o ângulo não permite que se enxergue. Nada contra, mas nem sempre se consegue ver o gesto e fica aquele incômodo de dois carros parados… O mesmo vale para carros saindo de garagens. Cansei de ficar na rua esperando e dando passagem para alguém que provavelmente estava no celular ou olhando para o outro lado mas eu não tinha como saber. Não custa abrir a janela para que quem vem da rua veja a cara do motorista, não? E falamos aqui de segundos, portanto a questão da segurança não se aplica.
• Agradecer os pequenos gestos. Claro que não é obrigação, não está no CTB, mas é de bom tom agradecer por exemplo quem nos dá passagem – especialmente se não tem obrigação de fazer isso ou se sinaliza, como quando piscam o farol para indicar que podemos entrar na frente para mudar de faixa. Pessoalmente, sempre aceno com a mão na altura do retrovisor de dentro do carro mesmo. Como já comentei aqui, geralmente me agradecem o agradecimento o que é muito simpático também. Mas tem aqueles que nos ignoram mesmo quando somos gentis. Ownnnnnn, mantra e paciência. A pureza dos gestos está em não esperar retribuição. Mas que é legal e de boa educação, isso é.
• Parar de forma a facilitar a vida do outro. OK, o cúmulo da gentileza, mas faço isso na medida do possível. Se posso parar de frente para que a porta do condutor do meu carro não coincida com a porta do condutor do carro ao lado, faço isso. Sempre penso que condutor todo carro tem, mas carona nem sempre. E, em todo caso, o motorista pode manobrar para que o acompanhante entre depois. Se não, estaciono de ré, que é como eu prefiro. Sei lá, acho mais fácil, e especialmente mais rápido para sair. Como já disse, faço isso na medida do possível e quando as vagas são muito espremidas. Nunca fui agraciada com o mesmo gesto, mas estou traçando meu caminho para a beatificação, então… (hehehe) De quebra, eu mesma posso ser favorecida, pois pode-se dar uma distância maior entre os veículos se as portas dos condutores coincide já que certamente essas deverão ser abertas.
• Mover o banco para o manobrista. Provavelmente isso só acontece comigo e com outras pessoas prejudicadas verticalmente como eu – baixinhas, em outras palavras. Quando com toda a dor do coração tenho de deixar o carro com um manobrista, antes de sair costumo levar o assento para trás um par de pontos. Assim o coitado do sujeito consegue entrar, pois senão não caberia. Não dirijo encostada no volante nem nada disso, mas o assento tem de ficar mais perto se não meus pisantes não chegam aos pedais. E se não uma pessoa de estatura normal não consegue passar o corpo entre o aro do volante e o assento. Na verdade faço isso também para meu marido. Depois ele ajusta o encosto e os espelhos, mas pelo menos consegue entrar no carro.
• Estacionar com razoabilidade. Por quê então eu pararia a uma distância muito maior do que a de segurança (e de lei) da esquina, de uma guia rebaixada ou entre veículos? No entanto, tem gente que tem um Cinquecento e ocupa lugar de carreta. Deixam um espaço apenas suficiente para que nenhum modelo de veículo possa parar e se “garantem” um espaço enorme para sair sem ter de manobrar. Já pensou se todo mundo fizer isso? Não haveria rua suficiente nos 8,5 milhões de quilômetros quadrados do Brasil inteiro! Bom, nem tanto, mas… Evidentemente não é para colar no carro da frente nem parar exatamente onde começa a guia rebaixada, sobretudo em ruas muito estreitas ou com estacionamento dos dois lados – afinal, quem precisa entrar na garagem não tem veículo com dobradiça, né? Há necessidade de se fazer curva para entrar ou sair de uma casa ou prédio.
Certamente meus queridos leitores e leitoras têm outras sugestões, mas acho que neste mundo de tanta gente com tão pouca educação (muitos nenhuma mesmo, e não apenas no trânsito, mas no todo) se fizermos pelos menos estas coisas já melhora muito, não?
Mudando de assunto: Darei uma folga aos meus caros leitores. Na próxima semana não serão vítimas das minhas escrevinhações, mas dia 21 de fevereiro estou de volta a este espaço. Aguardem e bom Carnaval. Esquindô, esquindô.
NG