No último texto, comentei um pouco de um capítulo que me agrada bastante, os acessórios dos automóveis e deixei a dica de que o texto teria desdobramento. Bem, posso afirmar que são “desdobramentos”, isso mesmo no plural, então vamos a segunda parte de uma história que merece ser contada.
Começo pelo Opala/E (foto de abertura), os kits de preparação mecânica e estética da Envemo ficaram famosos no Opala, mas existiam também para o Chevette, Caravan, C10 e Veraneio. A Envemo disponibilizava várias opções de preparação para os motores quatro e seis cilindros da linha Opala e estendia para os Chevette e Veraneio alguns “kits” de preparação. Os motores poderiam ter comando “mais esperto” e mais carburação. Por exemplo: O Opala/E poderia ter, na versão seis-cilindros, um, dois ou três carburadores. Alguns optavam pelo pacote estético, outros pelo pacote de desempenho e, alguns sortudos, por todo o conjunto contando com a beleza dos apliques e a braveza da mecânica. Havia ainda um item que atualmente é raríssimo, um lingote de chumbo e aço que era fixado na área do eixo traseiro e ajudava o Opala a fazer curva sem a tendência crônica de escapar de traseira — era o que se dizia, na realidade piorava o carro, aquela massa a mais no eixo traseiro.
Compro revistas antigas porque penso que essa é a melhor maneira de entender como era o comportamento de mercado e, também, saber as impressões do momento. Quando acabo de ler todas as matérias fico lendo, por muito mais tempo, os anúncios de acessórios. São bancos, rodas, antenas, vidros e preparações que tornavam os carros altamente “customizáveis”, antes mesmo da palavra customização estar ligada ao automóvel. Talvez isso seja uma herança genética que veio do meu pai, ele nunca foi um fanático por carros, é o tipo de sujeito que “até gosta”, mas por ele tanto faz. Uma vez, porém, me confessou que seu primeiro carro, um Fusca 1962 branco, só comprou porque tinha umas rodas diferentes. Depois, lembro do seu Fusca 1300 L azul, que tinha pequenos faróis de longo alcance circulares. Ironicamente não temos uma foto sequer desses carros, na época não tínhamos câmera.
Vamos lembrar que os acessórios de automóveis iam além do que se via, percebendo que equipar carros era uma maneira interessante de transformar um automóvel e aquecer toda uma fatia de indústria. Com o mercado de autopeças os acessórios deixaram de ser somente itens de conforto ou de estética e ganharam o nicho que acho mais atraente de todos: a preparação. Imagine que você está vivendo no período de décadas antes da atual, você trabalhou, juntou dinheiro e comprou um carro. Seu carro é legal e representa sua grande conquista na independência de ir e vir, também representa que deixou de ser um garoto e já é homem: então por que ter esse carro que tanto te representa sendo só mais um, igual a tantos outros? Por que não equipar? E quando está equipado, por que não ter o mais veloz?
A concessionária paulistana Dacon, que era famosa por trazer alguns Porsches para solo nacional, fez algumas versões bem interessantes dos Volkswagen. Eram Karmann-Ghias, Fuscas, TLs, Brasílias e — acredite se quiser — até Kombis. No ramo das carrocerias a concessionária criou automóveis inteiros como o Dacon 828, inspirado no pequeno Porsche 828, o PAG e uma versão que pretendi suceder o SPII, mas o maior volume era, sem dúvida, a transformação nas carrocerias do Passat, tornando o Volkswagen fastback em carros totalmente reconstruídos das portas para trás, passavam a ser notchbacks, sedãs três-volumes. A fama desse modelo foi tanta que concessionárias do Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro passaram a revender os desejados “Passat Dacon”.
A concessionária paulistana também transformou os populares e pacatos automóveis com motor arrefecidos a ar em joias que aceleravam bem. A revenda, além de manter a equipe de corridas, por ter muitos clientes interessados em extrair desempenho dos automóveis preparados pela empresa, mantinha um time de mecânicos, além de diversas ferramentas e peças à disposição dos participantes das “corridas não homologadas de rua” (os entendedores entenderão o eufemismo do termo).
Numa medida menor, mas não menos importante, outro carro de concessionária foi o Chevette 1700-C, com acessórios tanto estéticos quanto de preparação (Foto: arquivo do autor)
O conhecimento dos preparadores e piloto era tão considerado pelos fabricantes de automóveis que a Chrysler levou em consideração as modificações que seu concessionário de Ourinhos, no interior paulista, o Marinho (Mário César de Camargo Filho, então ex-piloto Vemag) fez nos Dodge 1800, transformando o Dodginho em Polara. Melhorando o fluxo dos coletores de admissão e escapamento, recalibrando o carburador SU, alterando algumas configurações da geometria da suspensão e dando um novo balanceamento no cardã, o carro se transformava em outro veículo.
O compacto Dodge ganhou em rendimento, passou a ter mais torque e potência e ficou mais econômico. A direção ficou melhor, o automóvel perdeu a tendência de baixar a traseira e perder a aderência frontal, já era possível fazer curvas praticamente sem precisar tirar — tanto — o pé do acelerador. Já era possível fazer curvas de lado, com o Dodginho, mesmo antes do termo “drift” estar na moda.
As experiências nas pistas foram fazendo fama, Alex Dias Ribeiro e seus companheiros de “equipe/oficina” tornaram-se concessionários da marca nacional Puma, em Brasília (DF). Passaram a preparar além do que a fabricante enviava. Os fora de série poderiam vir com motores originais VW, além da preparação Puma e, também, existia a preparação Camber, nome da revenda, e cada carro saía ao gosto do cliente. A experiência foi adquirida nas pistas, onde a empresa tinha o cinquentenário e campeão Patinho Feio, um protótipo de competição que fez fama nas pistas. Um carro construído a partir dos restos de um Fusca batido e que foi ganhando melhorias mecânicas a cada prova. Além de Alex que começou a carreira nesse carro e chegou a Formula 1, outro piloto, conduziu e reparou o carro, ninguém menos que o tricampeão Nélson Piquet.
Outros nomes que fizeram fama internacional no grande circuito mundial da Fórmula 1 e que também equiparam automóveis pelas ruas do Brasil foram os irmãos Fittipaldi. Wilsinho e Emerson sempre gostaram de dar personalidade a carros. Os volantes F1 eram a sensação dos jovens, mas até a Fiat se rendeu ao charme de usar o nome da família que é sinônimo de competição em nosso país. Outros grandes nomes do automobilismo nacional viram nos acessórios e nas preparações uma maneira de unir o útil ao agradável. Até nosso ícone, Bird Clemente, o primeiro piloto profissional deste país entrou com uma oficina, nos anos 70 você poderia ter seu pacato automóvel de passeio transformado por uma oficina que tinha o nome de ninguém menos que o piloto que abriu portas a outros tantos nomes das pistas.
É agora, com os pilotos levando seu nome e experiência para a personalização e preparação de automóveis de rua que chegamos num ponto especial dessa história. A motivação para escrever essa pequena série que é uma homenagem aos acessórios de época. Se estiver gostando, acompanhe os próximos capítulos que chegaremos a automóveis inusitados.
PT
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