Eu lembro muito bem da primeira vez que a vi. Lembro-me do sorriso entusiasmado e feliz do meu pai olhando pela janela e manobrando aquela belezura na rua em frente à nossa casa.
Não sei que vírus é esse, mas todo mundo que gosta mesmo de carros, gosta de peruas ou station wagons, como são também chamadas.
Quando alguma coisa nos impacta positivamente, é natural reter na memória aqueles detalhes que nos chamaram atenção. Para mim, ficou nos arquivos dos neurônios os largos pneus radiais, os primeiros que eu via em um carro. Outro detalhe espantoso para meus verdes 18 anos incompletos era o limpador do vidro traseiro! Como assim? Pensava eu, tem limpador e lavador do vidro traseiro? Aquilo era chique. O desenho em si, para mim era incrível, bem mais comprida e mais larga que as irmãs da primeira geração.
Toda cheia de novidades, assim era a Variant II branca, lançamento no mercado, que meu pai tinha acabado de comprar. Logo que ele parou coloquei a cabeça para dentro do carro, senti aquele cheiro inconfundível e prazeroso de carro novo, e reparei no moderno painel, e nos detalhes de acabamento que para mim davam um ar elegante ao carro.
Vamos dar uma pausa para explicar o meu fascínio por aquela segunda geração da Variant. Minha família teve dois exemplares da primeira geração desse carro. Sempre gostei de todas as versões da primeira geração. O que me agradava era a carinha de carro alemão daquelas pequenas peruas, dava um ar europeu à paisagem. A primeira que meu pai comprou foi um modelo com os dois faróis circulares emoldurados por uma placa cromada.
Algo apreciado por nós era o amplo (para meus parâmetros de criança) espaço interno, pois somos uma família de seis filhos e viajávamos com certa frequência, assim, após a sequência de Fuscas, a Variant era espaçosa. Óbvio que não cabia todo mundo, mas levávamos bastante bagagem e crianças, sim. Por essa razão, eu não entendi que vantagens meu pai viu no Brasília, da mesma Volkswagen, que ele decidiu comprar após a segunda Variant da primeira geração. Como ele era assinante da revista Quatro Rodas, quando me deparei com as primeiras fotos do Brasília pensava que ela viria para substituir a Variant, o que na verdade não era, mas meu pai comprou o Brasília mesmo assim e eu não apreciei, não tinha o mesmo bagageiro amplo e na minha memória era mais barulhento que as Variant.
Talvez daí minha imensa alegria com o exemplar da segunda geração da perua que acabara de chegar em casa.
Por fora ela era bem maior que o Brasília, tinha molduras escuras nos faróis, que eram uma novidade. A tampa traseira, além do limpador do vidro traseiro, já citado, tinha um desenho que me agradava muito e usava molas a gás para sustentação aberta, outra inovação (palavra da moda essa, dá até receio de usar, tamanho os desdobramentos que seu significado vem ganhando, tudo hoje é inovação).
Internamente os bancos dianteiros tinham encosto de cabeça — que a meninada achava que era para recostar a cabeça e descansar — , cinto três pontos e um moderno painel com mostradores retangulares, e algo que eu achava muito legal que era um nicho com várias luzes de avisos no painel. Além disso, tinha também um relógio e uma bomba elétrica fazia um barulhinho muito legal para mandar água para o limpador traseiro. Quando rodava, a maciez da suspensão era algo claramente perceptível.
Logo que estacionou em frente de casa, meu pai nos permitiu explorar o carro por fora e por dentro e em seguida nos levou para dar uma volta pela cidade e na estrada. Sim, aquele carro era uma evolução em todos os aspectos em relação as suas irmãs que havíamos possuído.
Dali a alguns meses eu completei dezoito anos e pude obter minha carteira de habilitação. Que alegria para um garoto que já guiava os carros da família ali na pequena cidade mesmo e a caminho da pequena fazenda que era da família. Ter a permissão de dirigir para qualquer lugar sem ser incomodado era uma verdadeira carta de liberdade.
Para usufruir da minha nova habilitação eu já pensava na próxima viagem que a família faria e que certamente meu pai me deixaria dirigir na estrada nessa ocasião. Ele fazia uma espécie de capacitação pós-habilitação com os filhos. Quando viajávamos, o novato assumia a direção em um trecho mais tranquilo da estrada e ele ia monitorando e dando dicas de direção.
Como fazer uma ultrapassagem segura, como dirigir defensivamente, embora esse conceito talvez ainda não existisse. Hoje procuro fazer isso com minha filha, peço que ela conduza e vou tentando melhorar aspectos naquilo que vou observando, sem ser chato. Curiosamente, por mais chato que meu pai pudesse ter sido eu sempre lhe agradeci as broncas e lições que ele me passou na direção, hoje em dia os tempos são outros e temos que ter cuidados para não sermos nós, pais, a levar uma bronca!
Porém, qual não foi minha surpresa, pois meu pai resolveu fazer algo ainda mais espetacular. Nos deu a nova Variant II para mim e meu irmão mais novo passarmos uma semana em viagem à cidade natal da minha mãe, nosso tradicional destino de férias. Um percurso de 400 quilômetros de ida e volta para curtir a sensação de ser cidadão com carteira de habilitação e usufruir em liberdade total o novo carro. Que emoção!
Uma coisa legal que meu pai instalou no carro foi um rádio Px, ou Faixa do Cidadão. Muito na moda naquela época. A enorme antena foi fixada no para-choque traseiro e com aquela estação móvel tentávamos estabelecer comunicação com nossa casa. Como se sabe, telefonia era uma tecnologia arcaica no Brasil naqueles tempos e o rádio era um recurso interessante ao nosso dispor. Algo “modernoso”, como um smartphone caro nos dias atuais.
Até hoje me sensibilizo com a generosidade do meu pai e a confiança em minha capacidade de dirigir e responsabilidade com o novo carro da família, um bem que não era de valor desprezível.
Então, de carro novo e liberdade geral, fomos eu e meu irmão para uma viagem inesquecível. Durante uma semana nos sentimos donos dos nosso nariz e felizardos por poder curtir em total liberdade aquela perua que era uma novidade.
P.S.: Faço aqui uma homenagem a meu pai, que nos passou não somente sua paixão pelos carros, como também pela tecnologia em todos os seus aspectos. Além disso, ele sempre foi um motorista exemplar. Hoje, aos 92 anos, com plena saúde, ainda dirige, e muito bem, como sempre o fez.
Josenilson Veras
Brasília – DF