Nos idos da década de 1980, a Porsche resolveu apostar suas fichas na aviação geral e, sendo uma fabricante dos motores de cilindros contrapostos arrefecidos a ar, em especial motores de alto desempenho, nada mais natural que essa semelhança a levasse para a aviação leve.
Com essa possibilidade a Porsche, que havia lançado há pouco tempo o motor 3,2-L para o 911, designou uma equipe que transformou o motor empregado em seus esportivos em um motor aeronáutico, sempre objetivando conciliar o melhor do mundo automobilístico com as redundâncias e exigências dos motores aeronáuticos.
Com isso, o motor de 6 cilindros arrefecido a ar e com injeção no duto mecânica Bosch K-Jetronic. ganhou ignição dupla, dois alternadores, gerenciamento eletrônico completo de mistura e altitude Magneti Marelli, adaptado para uso aeronáutico, sendo o projeto pioneiro em termos de gerenciamento eletrônico automatizado de motor e hélice. Com isso, eliminava-se a manete de passo de hélice e mistura, reduzindo a carga de trabalho do piloto, que apenas teria que aplicar/não aplicar potência no motor.
O sistema de acionamento da árvore de comando de válvulas em cada cabeçote, que nos Porsches é por corrente, ganhou engrenagens para essa finalidade, e o combustível para esse motor, além da avgas, a gasolina de aviação, previu o uso de combustível automobilístico de alta octanagem. Um fato curioso desse motor, no entanto, é que ele não foi projetado para emprego de óleo aeronáutico. O lubrificante requerido para eles era o normal para automóveis.
Um outro aspecto interessante desse motor PFM (Porsche Flug-Motor, motor aeronáutico Porsche) está no sistema de arrefecimento. Apesar de arrefecido a ar em uma aplicação aeronáutica, a Porsche empregou um sistema de turbina axial de ar de arrefecimento localizado na parte traseira do motor. Assim, o ar para o sistema de arrefecimento entrava por um duto único, sendo dirigido diretamente para a turbina, que por sua vez dirigia o ar para os cilindros e cabeçotes — diferentemente do que ocorre com os motores aeronáuticos arrefecidos a ar tradicionais, com cilindros e cabeçotes recebendo o fluxo de ar diretamente da entrada de ar do motor.
O argumento para o uso dessa solução era a permitir uma maior “limpeza” aerodinâmica da carenagem do motor, além de um melhor gerenciamento da temperatura de funcionamento, uma vez que motores aeronáuticos arrefecidos a ar, em especial em aeronaves de alto desempenho, estão sujeitos a choques térmicos no caso de longos períodos de voo em descida, com o motor sem potência.
A versão seriada desse motor e que efetivamente ganhou os céus foi a chamada N03, de aspiração natural e produzia 220 cv a 5.300 rpm, obrigando o uso de uma caixa de redução de relação 2,26:1 para movimentar a hélice dentro dos limites aerodinâmicos adequados. Uma versão turboalimentada chegou a ser feita, todavia sem ser produzida em série.
O primeiro voo do PFM 3200 se deu em agosto de 1982 na Alemanha, quando um Cessna 182 Skylane decolou, puxado por esse motor e ato contínuo iniciou-se o período de testes, recebendo sua homologação em 1984 pelas autoridades alemãs e em 1985 pela Administração Federal de Aviação (FAA) dos EUA. Em 1988, por sua vez, teve inicio a produção seriada daquele que, talvez seja o mais perfeito casamento motor-máquina: O emprego deste motor no monomotor de alto desempenho Mooney M20L.
Os aviões Mooney sempre foram símbolos de aviões de alto desempenho, obtido sempre pela limpeza aerodinâmica de seus projetos. Além da velocidade, a pilotagem de um Mooney apresenta características típicas de aeronaves de alto desempenho como comandos de relações rápidas, uma grande capacidade de ganhar velocidade em descidas (a tal ponto que um bom acessório em um Mooney era o speed brake no dorso das asas), além de sua própria aparência, notabilizada deriva apontada para frente, esta talvez a assinatura dos projetos de Albert Mooney desde o início.
Para exibir a confiabilidade desse motor, um PFM3200 foi colocado em um Mooney M20 e realizado um voo de volta ao mundo no ano de 1986 e logo em seguida, colocado em produção seriada pela Mooney entre os anos de 1988 e 1989, sendo o único fabricante que efetivamente usou os motores Porsche em aeronaves de produção em série. Outros usos previstos seria como modificação em aeronaves já produzidas.
Apesar das diversas vantagens do PFM sobre os motores Continental e Lycoming tradicionais, as principais delas o consumo de combustível significativamente menor, o baixo nível de ruído (ganhou o apelido de “motor sussurrante”), o PFM não pôde lutar contra a maior das adversidades: a econômica.
O PFM chegou ao mercado em um momento que ficou conhecido como o “crash” da chamada aviação geral (aviação de pequeno porte). Desde o início da década de 1980, a indústria aeronáutica de pequeno porte começou a ter uma expressiva queda nas vendas de aviões novos, declinando de 17.811 unidades produzidas em 1978 — o maior número desde 1947, quando se iniciou a contagem — para apenas 1.143 aeronaves em 1988, 10 anos depois do apogeu e ano de lançamento do Mooney PFM.
Somado a esse fator, o maior preço do Mooney PFM em relação ao modelo M20J “201” dotado de motor Lycoming IO-360 de 6 litros e 200 hp (202 cv), com desempenho apenas marginalmente superior, decretou o fim de um projeto que se estima ter custado US$ 75 milhões (valores de 1988 — cerca de US$ 157 milhões em valores corrigidos) para a produção de cerca de 80 motores e destes, apenas 43 Mooneys-Porsche.
O último capitulo dos motores PFM se deu em 2007 quando a FAA foi oficialmente comunicada pela Porsche sobre o fim da produção de motores e peças, encerrando assim um capítulo de sua história.
Atualmente os poucos Mooney Porsche construídos estão sendo reequipados com motores Continental IO-550 de 9 litros e 280 hp a 2.500 rpm.
Veja esses dois vídeos para comparação dos motores em potência máxima de decolagem: o primeiro com motor PFM 3200 e o segundo, com o Lycoming IO-360.
FICHA TÉCNICA DO MOTOR PORSCHE PFM 3200 | |
Designação | N03 |
N° de cilindros/configuração | 6 cilindros, contrapostos 3 a 3 |
Arrefecimento | Forçado a ar por turbina axial |
Aspiração | Atmosférica |
Diâmetro x curso (mm) | 95,0 x 74,4 |
Cilindrada (cm³) | 3.164 |
Taxa de compressão (:1) | 10,5 |
Potência máxima (cv/rpm) | 220/5.300 |
N° de comandos de válvulas | Um por cabeçote, acionamento por engrenagem |
N° de válvulas por cilindro | 2, de atuação indireta |
Formação de mistura | Injeção mecânica no duto Bosch K-Jetronic |
Gerenciamento do motor/ignição | Magneti Marelli |
Combustível | Avgas 100/130 (verde – atualmente disponível apenas na Austrália) ou Avgas 100 LL (Low Lead, baixo teor de chumbo tetraetila, de coloração azul) |
Peso sem fluidos mas com acessórios (kg) | 200 |
Caixa de redução da hélice (:1) | 2,26 |
DA