Após a compra da Willys-Overland do Brasil em 1968, a Ford pensava em manter somente veículos da marca do “Oval” em sua linha, substituindo gradativamente aqueles desenvolvidos pela Willys. Na época, a Ford Brasil era praticamente dedicada à fabricação de caminhões e picapes, tendo somente o Galaxie em sua linha de automóveis.
A Willys por sua vez, tinha uma ampla linha de carros e utilitários, inclusive o Corcel saindo do forno, regidos por uma forte engenharia que acabou predominando na miscigenação, com seus executivos assumindo postos relevantes na nova empresa. Exemplo disso, o icônico engenheiro Luc Henry de Ferran e sua equipe, que em pouco tempo assumiu o controle dos projetos. A Ford assumiu a linha de utilitários, substituindo o logo Willys pelo Oval e também o Corcel, exibindo a marca.
Dentro do esquema para a implementação de veículos Ford legítimos no Brasil, chegou o Maverick em 1973, infelizmente adaptado com o antiquado motor BF-161 de seis cilindros em linha, 2.638 cm³, herdado da Willys, quase destruindo a imagem do veículo. Ainda bem que o motor Ford V8 302 (4.942 cm³), importado, veio como uma opção que acabou virando praticamente de série. Com forte procura pelo consumidor, deu vida nova ao Maverick, tornando-o sinônimo de potência e desempenho.
O alemão Ford Taunus também chegou a ser cogitado como uma alternativa ao Maverick em pesquisa de mercado para o Brasil, em 1971. Como curiosidade, o Taunus ganhou a pesquisa por larga vantagem de votos e mesmo assim foi desconsiderado, ficando o Maverick como escolha vencedora.
Também em 1973 a Ford pensou em trazer o Escort para o Brasil, veículo de sucesso na Europa pela sua robustez e versatilidade, porém encontrando forte resistência dos que defendiam a permanência do Corcel no mercado brasileiro. Mesmo assim, um Escort foi importado para ser analisado comparativamente ao Corcel, como tentativa de viabilizar o projeto.
E assim, a engenharia avaliou de cabo a rabo o Escort comparativamente ao Corcel, em termos dinâmicos, conforto, desempenho e consumo de combustível e não houve predominância alguma que justificasse a sua introdução no Brasil.
Continuando as investigações, o Escort e o Corcel foram desmontados peça a peça, sistema a sistema, comparando peso, processos de manufatura e eficiência dos conjuntos. Na realidade o Escort somente ganhou em qualidade de manufatura da carroceria, incluindo pintura e vedações e isso foi muito pouco para que o Corcel fosse abandonado. Aqui entre nós, não sei se a decisão tomada foi acertada, porém o Corcel seguiu firme e forte, mesmo não sendo de “Alma Oval”.
Os legítimos Ford, o Galaxie e o Maverick, somente tiveram a companhia do Escort em 1983, quando foi apresentado ao mercado brasileiro. E veja você que o coração do veículo, o seu motor, continuou a ser basicamente aquele do velho Corcel, em detrimento do original, o moderno CVH. Esta sim, foi uma decisão equivocada que quase custou a permanência da Ford no Brasil.
O motor CHT do Corcel era limitado em cilindrada, máximo 1,6 litro, enquanto que o CVH poderia ir até 2 litros. Com o tempo, a Ford ficou desatualizada em motores e não mais competitiva com as outras marcas no mercado. E não faltou vontade, criatividade e muita determinação para a engenharia Ford Brasil desenvolver o motor CHT, que chegou a ganhar injeção eletrônica multiponto, álcool, que infelizmente não entrou em produção, só ficou em um protótipo funcional.
E mais sonhos e promessas. O presidente da Ford Brasil, Robert Gerrity, em entrevista à revista Veja, anunciou para 1985 o lançamento do moderno Ford Sierra. Outro projeto anunciado foi o Ford Bronco, utilitário americano: “Ninguém deve esquecer que ao comprarmos a Willys ficamos com a marca Jeep.” disse Gerrity. E de sonho em sonho, nem o Sierra e tampouco o Bronco chegaram ao Brasil e de quebra, a Ford perdeu a icônica marca Jeep.
Outro sonho em vão foi o elegante sedã europeu, o Ford Granada que estava praticamente com um pé no Brasil nos primórdios da década de 1980.
Na realidade o que vingou foi o projeto tupiniquim, o Del Rey, derivado do Corcel, que nem de longe se comparava com o Granada, porém era bem parecido em suas linhas, somente em tamanho menor. No final, o Del Rey acabou fazendo muito sucesso devido ao seu excelente acabamento interno e conforto, inclusive sendo exportado para China (3.000 unidades) e também para a Venezuela em regime CKD (completamente desmontado).
E a Ford continuou rejeitando seus modelos puro-sangue para o mercado local sem explicações plausíveis, já que seus produtos mundiais eram excelentes e poderiam com certeza alavancar a marca no Brasil com mais vigor. Na realidade, somente após o desmanche da Autolatina que a Ford começou a valorizar seus produtos mundiais para o Brasil. Ainda bem para a marca do “Oval”…
E assim foi com a estreia do Ford Fiesta em 1995, modelo importado da Espanha nas versões de 3 e 5 portas, com motor Endura-E 1,3-L, injeção eletrônica monoponto, com módulo eletrônico EEC-IV, e um acabamento excelente quando comparado aos seus concorrentes na época, o Corsa GL 1,4, o Fiat Uno CS 1,5 e o Volkswagen Gol CLi 1,6.
O Ford Fiesta sustentou a imagem positiva da marca no Brasil durante anos a fio. Infelizmente hoje está sendo maltratado com estratégias mal elaboradas que pouco a pouco, se continuar assim, vai destruir a sua forte imagem no mercado mundial. Meu particular sentimento (sem especulações) é que o Fiesta vai ser totalmente remodelado, em curto prazo, voltando às origens, principalmente em termos de espaço interno e custo-benefício.
CM