Antes de continuarmos desenhando nosso carro, é importante conhecer todos sistemas com os quais ele é formado, e pode acreditar que existe uma divisão típica dos conjuntos que compõem um automóvel.
Então vamos mergulhar, superficialmente, neste complexo produto.
LV
Como eu sempre comento, o automóvel é o produto mais sofisticado que um ser humano pode adquirir.
São milhares de peças (sim, milhares!) que vêm de diversos países e têm que se encontrar e se encaixar perfeitamente, com tolerância de décimos de milímetro, durante as aproximadamente 26 horas que leva o processo de montagem de um automóvel.
È muito difícil para o leigo imaginar toda a complexidade que envolve a fabricação de um carro. Desde os primeiros desenhos até o veículo pronto no final da linha de montagem, grandes equipes de Pré-desenvolvimento, Design, Engenharia, Produção, Marketing, Compras, Fornecedores, Vendas, e muito mais, se empenham de 8 a 10 horas de trabalho diário durante quatro anos.
Pois é, imagine onde você estava quatro anos atrás? Nós estávamos desenvolvendo o carro que você comprou recentemente ou vai comprar logo.
Hoje vamos entender como se dividem os seis grupos de peças que compõem os carros modernos.
(É claro que a mudança para os carro elétricos e autônomos vai modificar estes procedimentos e processos por outros que se adequem às novas tecnologias e materiais)
CARROCERIA (BODY)
A carroceria do automóvel, na grande maioria das fabricantes, ainda é construída por elas mesmas, afinal este é o grande conhecimento adquirido nas décadas de aperfeiçoamento, além de ser um conjunto de total responsabilidade da marca.
Algumas peças menores, como suportes ou pequenos conjuntos podem ser terceirizadas, porém os grandes painéis metálicos e toda a soldagem destes e dos subconjuntos são feitos na linha de armação da carroceria da própria fabricante, hoje completamente robotizada de maneira a garantir as especificações da engenharia e a rigidez do conjunto, com precisão milimétrica da qualidade das peças.
Basicamente a carroceria se compõe dos assoalhos frontal, traseiro e porta-malas, das laterais externas e internas, teto externo e interno, colunas A,B,C internas e externas, do painel corta-fogo que fica entre o habitáculo e o compartimento do motor, longarinas, painéis frontal e traseiro, e finalmente as tampas, portas dianteiras e traseiras, externa e interna, capô, externo e interno, e tampa traseira, externa e interna.
Aqui não estamos mencionando dezenas de reforços, suportes, e pequenas peças. Normalmente para a formação de cada um destes painéis, a chapa que entra plana no início da operação, vai passar por 5 a 7 ferramentas de prensagem, cada uma delas pesando dezenas de toneladas com complexidade e custo muito alto (dezenas de milhões de reais cada).
Nunca devemos esquecer que todas as peças do carro serão fixadas na carroceria, portanto ela tem que atender aos requisitos de todas elas.
POWERTRAIN
São os sistemas que têm a ver com a propulsão, principalmente o motor do veículo, mas também a caixa de câmbio, muitos periféricos, radiadores, árvores e semiárvores de transmissão, sistema do tanque de combustível, sistema de escapamento, pedais e comandos relativos ao sistema.
Normalmente o motor e câmbio também são desenvolvidos e produzidos pela fabricante, pois carrega o DNA da marca e é elemento-chave no desempenho. Já os periféricos, como sistema de escapamento, tanque de combustível, pedais, são produzido por fornecedores especializados, porém construídos conforme as especificações da fabricante.
Existe uma grande sinergia com outras áreas, pois muitas das peças periféricas pertencem também a aquelas, como, por exemplo, o alternador, que é o que gera energia para o carro, portanto muito a ver com a área de Elétrica, ou comandos, como o interruptor de ignição e partida, a alavanca de mudança de marchas, e outros.
As novas gerações de motores oferecem grande potência por meio do turbocompressor e da construção em alumínio, que diminui o peso e aumenta a eficiência.
O motor tem muitas peças periféricas como mangueiras, fiação, defletores, compartimentos para água, óleo, etc, e normalmente existe grande dificuldade em arrumar toda esta “tralha” dentro do compartimento do motor, cada área lutando por milímetros de espaço.
CHASSI
O chassi, tem muita sinergia com a área de Powertrain, pois trata também do desempenho dinâmico do carro.
Estas duas disciplinas é que dão o movimento e a locomoção, de maneira mais suave, precisa e segura possível.
Na realidade, é uma das principais razões para você permanecer na mesma marca. De maneira sintética, o chassi trata dos sistemas de suspensão e direção. Embora o número de pecas físicas pareça pequeno, a problemática esta na dinâmica. São centenas de testes dinâmicos para assegurar a segurança e comportamento do conjunto.
E dentro desta equação estão a fixação do powertrain e da suspensão na carroceria. Nos dias de hoje a eletrônica comanda quase tudo. Com a assistência à condução, já item de série de várias marcas, o carro pode reagir à distância do veículo da frente, andar sozinho seguindo as faixas na estrada, estacionar, e até se imobilizar no caso de impacto iminente.
A área de Design se envolve em alguns itens nestas disciplinas: volante, alavancas de comando, acionadores, pedais, e as rodas, que deveriam visualmente espelhar, ou representar, a forca e dinâmica do carro.
Do ponto de vista estético, as rodas têm uma importância vital na proporção e representatividade do carro como um todo.
Eu sempre digo: as rodas são para o carro o que as pernas são para as mulheres.
ELÉTRICA
É a disciplina que mais tem evoluído nos últimos anos graças à tecnologia digital, que já transformou os automóveis de máquina para mecatrônica. Na verdade, o carro atual já pode ser chamado de “robô”.
Várias centrais eletrônicas, cada uma cuidando do seu sistema, se intercomunicam através de uma central.
Se você der uma freada de pânico as luzes de freio piscam para chamar a atenção o tráfego à retaguarda, e o carro vier a parar o pisca-alerta liga automaticamente.
Os cintos de segurança já foram tensionados e preparados para o impacto por meio do pré-tensionador. Os freios já estão em estado de emergência para serem acionados, vidros se fecham automaticamente, e os airbags, ou bolsas infláveis, esperam a ordem de comando da central elétrica para dispararem…
Conectado aos satélites e rodeado de sensores, ele é extremamente sensível e reconhece tudo o que esta acontecendo ao seu redor.
O automóvel já reconhece seu celular e o espelha na tela principal.
Na realidade, estamos preparados para o carro autônomo, graças a esta tecnologia. A maioria dos sistemas são “black box”, eu seja, os sistemas são desenvolvidos por fornecedores especializados conforme as especificações e necessidades da fabricante e vendidos prontos e fechados. Como a evolução nesta área é muito rápida, novas versões e funções muitas vezes chegam tarde ao projeto e têm que esperar pelo próximo lançamento para ser implementadas.
O Design tem grande participação na definição das lanternas e faróis, iluminação em geral, e comandos/controles.
Uma nova atividade dentro do estúdio de interior são os designers especializados na interação entre máquina e ser humano através dos vários sistemas disponíveis. Últimas novidades são: lanterna a laser, telas digitais que substituem inclusive os controles de comando, e reconhecimento de voz e movimentos, entre muitos outros.
ACABAMENTO (TRIM)
Conforme diz o nome, a área de Acabamento, cuida dos revestimentos internos, sejam laterais de porta, revestimento das colunas, teto interno (tecido), carpetes e os dois itens mais complicados do carro: painel de instrumentos e bancos.
Um painel engloba vários sistemas vitais como: cluster, ou tela principal à frente do motorista que traz todas informações importantes sobre o carro e a viagem, sistema de ventilação, importantíssimo para o bem-estar a bordo, todos os controles para condução e conforto que devem ser 100% visíveis e de fácil acesso, airbags e outros sistemas de segurança, na sua extensão ou console, comando de câmbio, freio, e muitos outros acessórios de condução.
Os bancos são conjuntos altamente sofisticados, pois devem aguentar a desaceleração de um impacto sem se desprender do assoalho, mesmo que sobre ele esteja um humano com mais de 100 kg.
Qualquer manequim de 1,5 a 2 metros de altura pode se sentar com conforto e segurança. Vários motores elétricos podem movimentar os bancos em qualquer direção.
Os tecidos de revestimento passam por testes brutais e devem durar uma década íntegros.
Vários processos são envolvidos na sua fabricação: estampagem, soldagem, pintura, moldagem de espuma, acoplamento de espuma e tecido, cortes e costuras, construções sofisticadíssimas de tear para os tecidos, airbags embutidos, aquecimento, ventilação e até massagem estão disponíveis.
No exterior, os frisos, letreiros, espelhos retrovisores, apliques e letreiros também são responsabilidade da área, assim como os vidros e o teto solar.
O desenvolvimento de cores externas e internas também são de responsabilidade da área que trabalha atendendo as definições técnicas de Design e Marketing.
O laboratório da fábrica também é uma área muito ligada ao acabamento, pois é ele que testa e certifica os materiais que serão montados no carro.
SEGURANÇA VEICULAR
É uma disciplina que vem se aperfeiçoando a cada dia. Existem dois tipos de segurança automobilística: a passiva e a ativa.
A passiva está lá para evitar e amenizar as lesões causadas pelo acidente que já aconteceu.
A ativa detecta uma situação de insegurança e dispara comandos diversos, seja para o início da proteção do motorista, seja para mudar, independente de comando do motorista, atitudes do veículo, como mudar de rumo ou diminuir a velocidade e até imobilizá-lo.
O tempo de reação do sistema é mínimo. Em menos de 1 segundo tudo tem que acontecer.
Quando ocorre uma batida, os sensores se comunicam e avaliam o impacto através da deformação de algumas peças vitais como a longarina dianteira e o painel corta-fogo (que deve proteger os pés do motorista). Se a resposta é positiva, o retrator vai puxar o cinto de segurança para posicionar o manequim da maneira correta, o airbag vai disparar, os cintos vão ceder conforme certa pressão predeterminada para evitar ferimento nos ombros, e o rosto vai encontrar o airbag já cheio e pronto para recebê-lo.
Tudo isso deve acontecer em tempo mais curto do que um piscar de olhos.
Depois da batida (a 64 km/h contra barreira assimétrica deformável) o habitáculo não pode se deformar, as portas tem que serem abertas pelo lado de fora, com as próprias mãos.
Todos os passageiros devem ter o mesmo nível de proteção inclusive bebês, que devem viajar no banco traseiro em bancos infantis presos por fixações normatizadas na estrutura da carroceria do veículo.
Também, vários dispositivos eletrônicos de controle de estabilidade e direção, freios de alto desempenho com funções antiderrapantes, e faróis que evitam ofuscamento no carro que vem em sentido contrário ou que vai à frente, estão incluídos como itens de segurança.
A própria carroceria tem papel fundamental neste processo. Ela deve ser o mais rígida possível para que todos elementos tenha uma base sólida e estável para o ajuste dos sistemas. Deve ceder em certas áreas para absorver energia mas serem sólidas em áreas especificas de proteção dos passageiros.
Para tanto são usados aços com espessura variável ou estampados em várias temperaturas (até 280 graus Celsius).
Todas outras áreas do veiculo estão envolvidas com algumas peças que compõem a segurança como um todo, mas no final é a área de Segurança Veicular que tem a responsabilidade de testar, aprovar e liberar o veículo final na sua totalidade neste aspecto.
Imagine agora que cada peça individual de um automóvel tem que estar documentada, numerada e “traqueada”, e disponível por 10 anos após o fim de produção do modelo.
Todas devem ter definição exata de composição de material, todas têm processos de fabricação controlados, todas devem ser testadas, e aprovadas, não somente individualmente mas também na composição do conjunto a que pertence.
Agora que temos uma visão global das áreas onde vamos ter que atuar, podemos começar a fazer o nosso “Tape Drawing”.
LV