Eu sempre tento evitar os chavões e as frases feitas. Vício de quem trabalhou em jornal diário com rígidos manuais de redação — no meu caso, o Estadão e a Gazeta Mercantil. Por isso, já peço desculpas aos meus caros leitores e aos meus ex-chefes. Não tenho como evitar um chavão: o Brasil é mesmo o país da piada pronta. Pena que sejam piadas que não têm a menor graça. Muito pelo contrário.
No dia 19 de abril entrou em vigor a Lei 13.546/17, uma série de punições que se pretendiam mais severas para quem provoca acidentes de trânsito com vítimas depois de ter bebido. Já deixei bem claro aqui neste espaço que acho os parâmetros brasileiros muito baixos e que poderíamos adotar os de alguns outros países que aceitam um mínimo de álcool no sangue. Obviamente não defendo tomar 6 cervejas e sair dirigindo ou 4 doses de uísque, que fique bem claro. Mas é evidente e está cientificamente provado que uma lata de cerveja não reduz em nada os reflexos de um motorista. Sei que os limites variam de pessoa para pessoa e entendo que eles devam, por isso mesmo, ser baixos, mas discordo que devam ser zero.
Dito isto, que fique claro que concordo com punições severas para quem provoca acidentes depois de ter bebido e sair dirigindo. Pessoalmente bebo pouquíssimo mesmo e nunca em toda minha vida fiquei bêbada, portanto não há histórias engraçadas ou ridículas sobre mim — pelo menos não ligadas a álcool. E sim, dancei Macarena em cima de uma mesa em Cancún, mas estava perfeitamente sóbria. Apenas estava feliz e muitos estávamos fazendo isso. E meus outros “causos” nesse estilo nada têm a ver com questões etílicas — apenas com meu gosto por diversão e por um certo desapego eventual ao senso do ridículo. Eventual, diga-se.
Mas eu discorrer sobre o que eu faço na minha vida particular é apenas minha mania de contar coisas para meus leitores, como tenho feito toda semana aqui. O fato de eu beber pouco não me qualifica nem desqualifica para falar sobre álcool e direção, por óbvio. Tanto é que uso sempre argumentos e dados para isso. Meus conhecimentos é que me qualificam para tanto, senão nunca poderia criticar um presidente já que nem vereadora fui.
Bem, concretamente, desde o dia 19 a morte provocada por motorista alcoolizado passou a ser considerado homicídio culposo — antes dependia da interpretação de cada juiz. A diferença não é assim tão pequena. Para homicídio culposo a pena é de 5 a 8 anos de prisão enquanto antes não passava de 4. Tanto antes como agora o motorista perde o direito de dirigir.
Outra diferença é que agora o motorista que provoca o acidente não pode mais pagar fiança na delegacia e fica preso — para responder em liberdade só com autorização da Justiça. Teoricamente, uma vez constatado o flagrante, o juiz deve homologar a prisão em flagrante e depois verificar a real necessidade de convertê-la em prisão preventiva ou conceder a liberdade provisória. Alguns meios de comunicação chegaram a publicar que seria um avanço para punir com mais rigor quem bebe e dirige.
Pois é. Só que não. Ou, como se escreve nas redes sociais, #SQN.
No sábado 21, em Blumenau, SC, um motorista de carro invadiu a pista contrária e bateu de frente com uma moto, causando a morte do motociclista. Ele foi posto em liberdade provisória com pagamento de fiança de R$ 2.000 determinada pelo juiz, pois, segundo o magistrado, o motorista tem bons antecedentes e o motociclista também teria bebido, além de que estaria trafegando com o farol desligado. Acontece que o motorista do carro acabava de fugir de uma blitz policial e fez o teste do bafômetro na hora, que acusou 0,4 mg/l (o limite atual é 0,05 mg/l; no CTB original era 0,29 mg/l).
Quanto ao motociclista, não foi feito teste de alcoolemia, pois ele morreu na hora, a necropsia ainda não ficou pronta e o farol da moto estava ligado, conforme mostram câmeras de segurança do local.
O Ministério Público de Santa Catarina queria que o motorista que causou o acidente permanecesse preso, era também o desejo da família do motociclista. Confesso que não consigo entender o que teria a ver o fato de o motociclista ter ou não bebido (o que não se sabe ainda), se ele estava trafegando na faixa correta, com a moto corretamente iluminada e não teve nenhuma culpa na colisão. Quem invadiu a pista foi o carro, quem estava comprovadamente alcoolizado era o motorista do carro, que provocou o acidente (frontal, diga-se novamente) que resultou em falecimento da vítima.
Certamente haverá outros casos como este e voltaremos à situação anterior de impunidade. O Brasil continua escrevendo leis que viram letra morta imediatamente ou para apenas entupir os juizados de processos intermináveis com interpretações das interpretações… Daqui a pouco teremos embargos dos embargos dos embargos das leis de trânsito. E dá-lhe embargos infringentes, adstringentes, tônicos, humectantes e sei lá o que mais.
Trocando em miúdos, a nova lei, que se pretendia mais rigorosa, apenas tirou o pretenso rigor do delegado que estipulava a fiança e liberava o culpado. Agora quem faz isso é um juiz. Apenas mudou a pessoa, pois não parece ter mudado o processo.
E, claro, fica praticamente impossível aquilo que já era difícil, que era considerar um acidente com vítimas provocado por motorista embriagado “dolo eventual“ (quando há intenção de matar, pois assume-se o risco de beber, dirigir e matar), crime de dá prisão de 6 a 20 anos.
Pior ainda. Como o Art. 44, Inciso I do Código Penal diz que as penas restritivas de liberdade podem ser transformadas em compra de cestas básicas e prestação de serviços, pode ser que nada mude. É ou não uma piada pronta? Só não acho que se possa rir disto tudo. Está mais para chorar rios de lágrimas. Aliás, acho que vou fazer isso. Ouvir a linda versão de “Cry me a River” de Ella Fitzgerald e depois a do Michael Bublé.
Mudando de assunto: acabou a graça do hodômetro do meu carro. A fábrica trocou o painel na garantia e agora a velocidade que aparece é a verdadeira. Nada mais de Mach 1 ou de “andar” a 250 km/h. Bem, uma hora tinha de voltar à realidade, não?
NG