As histórias que conto nesta coluna “Do fundo do baú” normalmente envolvem pessoas e por isso elas têm um quê de vida. Também, é uma forma de agradecer a elas as inúmeras provas de amizade sincera que tive e uma quantidade enorme de desafios que vencemos juntos, caso da coluna da semana passada,”Cor diferente!”. Mas a história de hoje é exceção, pois envolve uma pessoa apenas: eu.
Como sempre contei, sou fanático por automóveis desde bem jovem. Minha primeira coluna neste AE, em 10/7/16, foi sobre os “roubos” do carro da minha mãe, um Renault 4CV.
Depois deste pequeno carro, apelidado pelo mercado de “rabo quente” devido ao seu motor traseiro, vieram Ford Prefect, Renault Dauphine e Gordini, Simca Versailles (antecessor do Chambord) e, do meu pai, Mercury, Kaiser Henry Jr, e outros. Meu primeiro carro foi um Vauxhall ’51, mas não fiquei com ele muito tempo, pegou fogo. Que frustração para um adolescente 16 anos…
Antes mesmo de começar a trabalhar, estudando à noite, meu interesse por automóveis aumentava a cada dia. Em agosto de 1960, portanto com 13 anos, vi em uma banca de jornais uma revista, que me chamou a atenção. Ela se chamava Quatro Rodas.
Peguei dinheiro da minha mesada e comprei a revista, que por acaso era a nº 1. Custou 30 cruzeiros. Na capa (foto ao lado), um belíssimo Karmann-Ghia. Era importado, pois só viria a ser fabricado no Brasil em 1962.
O conteúdo desta revista tinha tudo que me interessava: mecânica, turismo, mapas, várias reportagens, atualidades, ficção e um resumo sobre a situação do mercado de automóveis. Para encurtar a história, passei a ser comprador assíduo desta revista. Nunca fui assinante porque usava minha mesada para adquiri-la e não tinha como pagar uma assinatura.
Hoje, passados 58 anos, tenho todas as Quatro Rodas, em um arquivo aqui em casa que mais parece uma biblioteca, móvel especialmente construído para este fim.
Nesta ocasião eu já tinha lido e bem guardados mais de 100 exemplares de Quatro Rodas somadas as edições especiais.
Em setembro de 1964, chegava ao mercado mais uma revista que me parecia muito interessante e, como já trabalhava, tinha o meu salário, passei a comprá-la também. Era a revista Autoesporte.
Uma grande curiosidade que acredito poucos tiveram a oportunidade de ver, o primeiro número desta nova revista tinha em sua capa escrito “Setembro 1964 – Número Zero.
Quanto paguei não me lembro, e não estava indicado na capa como nas Quatro Rodas.
O conteúdo desta era mais voltado ao automobilismo esportivo (daí o nome da revista), mas trazia também muitas matérias bem interessantes.
O primeiro teste realizado pelos jornalistas especializados da Autoesporte foi do Willys Interlagos versão Berlineta, que contou com a participação do piloto Bird Clemente, há pouco ingressado na Equipe Willys, vindo da Vemag.
Aí vem a surpresa: em outubro procurei a revista nas bancas e não a encontrei. O jornaleiro disse que “não havia chegado.” O que teria acontecido? Aquilo de certa forma me intrigou.
Mas em novembro 1964 outra surpresa, saía a edição nº 1 da revista, e com a mesma capa da número zero e esta já tinha o seu preço impresso, 500 cruzeiros.
Com relação às revistas Autoesporte, são 54 anos de leitura com aproximadamente 648 números, ou seja, leitura à mão e à vontade para voltar aos tempos que foram muito felizes.
Hoje, maio de 2018, ao todo são, sem contar os números e edições especiais (Ayrton Senna, por exemplo), 696 Quatro Rodas e 648 Autoesporte, 1.344 exemplares no total.
Em janeiro de 2007 saía a Autoesporte nº 500, ao preço de R$ 8,90.
Eu já sabia, mas mesmo assim foi uma surpresa uma matéria feita comigo dias antes com o título “O homem das 500 (e uma) revistas” com o complemento — olho, como se diz na imprensa — “Ele guarda com zelo todas as edições de Autoesporte, desde o número zero”, daí o título da matéria.
Só de uma coisa não gostei: um repórter e um fotógrafo vieram à minha casa, desarrumaram toda minha coleção, fizeram as fotos que precisavam e depois foram embora. Para quem ficou o serviço de reorganizar tudo? Acertou, para o homem das 501 revistas…
Você pode me perguntar: por que guardar tudo isto se já temos os recursos eletrônicos?
É uma questão de gosto pessoal. Já atendi jornalistas que queriam saber, por exemplo, que instrumentos havia no Super Fuscão em 1975, aqueles que ficavam no centro do painel montados em suporte específico. Fui à revista, tenho a localização toda marcada e respondi ao jornalista, o Fernando Calmon, que muito me agradeceu — antes que você pergunte, os instrumentos eram, da esquerda para direita, termômetro de óleo, amperímetro e relógio.
Mas, e agora, o que fazer com todas essas revistas? Já estou com 70 anos, espero poder viver muito mais, mas infelizmente meus filhos não herdaram de mim este fanatismo. O que fariam com esta coleção? Já fiz um acordo com eles. Quando eu não estiver mais por aqui, esta coleção deverá encaminhada ao Museu do Automobilismo Brasileiro, em Passo Fundo, RS, aos cuidados do seu fundador e também piloto Paulo Afonso Trevisan. Foi uma promessa que lhe fiz em nosso último encontro em 2010 ao visitar o belo museu.
Essa visita foi organizada por mim para os participantes de uma etapa da Copa Peugeot de Rali, que me competia dirigir, justamente em Passo Fundo. Achei que seria bem interessante para todos conhecer o extraordinário museu. Nessa ocasião o Paulo Trevisan me deu uma foto (acima) do meu Fusca nº 27 quando no parque fechado aguardando a meia hora regulamentar após a corrida de inauguração do Autódromo de Tarumã (cheguei em terceiro). Ele estava com 16 anos e não tinha credencial para acesso aos boxes, daí a foto do parque fechado feita de fora.
Fiquei emocionado com a atenção do Trevisan e naquele momento, em público, lhe falei da minha coleção de Quatro Rodas e Autoesporte e que um dia seria dele. Hoje são mais oito anos de revistas e espero que ele tenha lugar para guardar estas coleções.
Enquanto tenho as revistas, e quando tenho tempo, pego aleatoriamente edições antigas e mato a saudade dos velhos tempos. É muito bom e gratificante.
RB