Se você é um frequentador assíduo do AUTOentusiastas, talvez já tenha lido o meu relacionamento com vários amores… Não são damas cujas formas seriam descritas provavelmente por minhas poesias, e sim coisas que entram em uma barroquina situação: são máquinas que possuem sentimentos.
Primeiramente, meus agradecimentos aos comentários feitos àquele texto. Gosto de ver também como as pessoas se expressam diante de meus escritos, mesmo que estes pareçam soar redundantes.
De lá para cá muitas coisas aconteceram. Mandei presentes para uma especial dama em seu aniversário (mandei de novo nesse ano, meu livro contando sobre está sendo feito), compus músicas inspiradas nessa mesma dama (e em outras)… Felipe… você precisa se apaixonar por um Mondeo, não por ela… o Corsa me acompanhou para algumas idas enquanto mamãe estava fora, lesionei a sua cabeça (do Corsa) na viagem do dia de formatura de meu irmão neste ano em um trânsito agressivo de Ribeirão Preto, mudei de cidade duas vezes, certas torturas psicológicas me capturaram e… mas o que importa é que ainda posso escrever por aqui. Conheci novos artistas e músicas (irei mencioná-los aqui adiante).
Há anos minha família está tentando vender a casa de meus avós (falecidos) e a expectativa é que minha mãe trocasse de carro assim que a vendesse. Mas foram tantos interesses e desinteresses pela casa que eu já comecei a ver isso com um pessimismo talvez distante de minha idade, que agora é de 20 anos. Realmente, parece ser mais fácil vender um Citroën C5.
Mamãe falava “Eu não aguento mais esse carro! ”, e então eu respondia aquilo com risos, porque sabia que ela ficaria com ele por mais alguns anos ainda, ou pelo menos esperava isso. Aí chegou um ponto no qual ela realmente queria trocá-lo, contrastando com meu aparente apego a ele.
Ela iria adquirir o novo carro por consórcio. Começou tudo no mês passado, quando ela foi (finalmente) sorteada em tal modalidade. Eu não fazia muita questão de ficar indicando carros (mesmo que eu ocasionalmente fique escrevendo e sugerindo carros para estrangeiros na seção ‘What car should I buy’ do Reddit), eu os sugeria sob conversas de textos, enquanto eu já estava morando aqui em Muzambinho, uma cidade ainda mais de interior do que Mococa.
Eu já sabia que ela não iria querer um Focus, um Fluence, um Mégane… então ficava numa postura mais neutra do que a de um ministro brasileiro do Ministério das Relações Exteriores. Então o que fiquei fazendo é algo que, desde pelo menos 2014, me delicio: ficar vendo anúncios de carros. Pode ser na Europa, nos EUA… no Brasil não vejo muito, pois eu fico meio desanimado quando meus olhos começavam a ver carros com engate, calhas de teto, isso se não detonados. Por que lá fora tenho essa percepção de que essas coisas são bem menos comuns?
E minha mãe mudava mais de opinião sobre carros do que a gente trocava o óleo do Corsa (que era a cada seis meses porque era uso severo). Falava que o Corolla era o carro ideal, depois era o Fit, depois era o City (pela pronúncia parecida ela se confundia entre estes dois últimos), depois o up!… ora bolas, torturei tanto assim sua mente com meus palpites sobre carros?
Até que, no dia 26 do mês passado, sob tormentosas bagunças de greves de caminhoneiros, consegui ir em um bom Scania (e Mercedes-Benz) de Muzambinho a Mococa. Fomos a uma loja já conhecida nossa ver os carros ali disponíveis. De princípio, nada muito diferente. Só que ali havia três Corollas de décima geração, aí minha mãe já nutriu interesse. O Corolla mais inteiro que tinha ali, um GLi automático (e com bons bancos em tecido), estava mais de R$50 mil, longe do teto de R$46 mil. Os outros dois estavam menos caros, com preços aproximados de R$47 mil. Já estavam com mais de 130 mil quilômetros. Pelo menos não tinham as calhas de vidro e o engate. Já havia risco naquela peça brilhante da porta, assim como outros detalhes… vocês sabem que sou uma pessoa neurótica, não? Lembram-se de que tenho olhos de observador de protozoários? Ainda mais que vai pegar um carro bem mais caro que um Corsa, não faz sentido pegar um menos inteiro que ele (os anos-modelos dos Corollas eram 2011).
Mas ela primeiro quis ver um City DX 2014 (fazer um mero teste de rua), que estava menos detonado, apesar da alavanca estar mais desgastada do que a do Corsa… fomos dirigi-lo. Não o achei, de princípio, um carro com suspensão dura (deveria ser um teste mais longo). Em meio a discussões um tanto acaloradas (eu confesso que parecia uma criança birrenta, me desculpe por isso, mãe), disse que aquele carro não compensava. Aquela coisa de que porque é Honda ele pode ter inúmeros pontos negativos. Mãe, você conhece o câmbio do Honda Accord de sétima geração com confiabilidade pior ou parecida com a de um AL4? E ela estranhava quando eu dizia que não tinha freios antitravamento (pois para ela todos os modelos 2014 já tinham, gostei da sua suposição), perguntando como isso acontecia. Eu respondi algo como “É por causa da logomarca…”.
Depois de sua teimosia, o rapaz da loja confirmou que o carro não tinha mesmo. Pior que aquilo custava R$47 mil (como pode ser tão diferente do Fit, sendo que são de mesma plataforma…). Não obstante minha antipatia ao carro, pude enxergar bons pontos positivos. O motor é disposto e a caixa é boa. De resto, a posição esquisita dos bancos e, pior, que encostos duros! Já confirmou o que eu já havia lido em algumas avaliações pela internet.
Falando do Corolla… vamos então! Andei em ambos, em um deles estava com uma vibração esquisita, mas a caixa automática estava funcionando bem (até ensinei minha mãe a usar… “mamãe, você dirigiu o Civic do papai uns 16 anos atrás, não se lembra?”). Durante os testes eu me deparei com alguns motoristas malucos, mas ninguém se feriu. Ela se apaixonou pelo carro e disse que já havia decidido, enquanto eu dizia que não compensava, pois naquele ano e faixa de preço vai achar muitos Corollas detonados. Eu reagi diante disso com misturas de ceticismo e aceitação.
No dia 28 do mesmo mês de maio (ainda na algazarra dos caminhoneiros), fomos ver mais alguns carros, dessa vez em São José do Rio Pardo, a 20 quilômetros aproximados de Mococa. Eu mostrei à ela o anúncio de um Etios (do WebMotors) e pronto, ela já esqueceu de tudo e ficou interessada nele. Eu queria ver o Bravo (um Essence manual) mas, para não aborrecê-la, fomos ver apenas o Etios.
Era um simples Etios X, com motor 1,3-litro, modelo 2015, cor branca (muda alguma coisa ser perolizada?), única dona e com 30 mil km rodados. O carro veio de Tapiratiba e acabou parando na loja aonde fomos ver. A loja, por sinal, era interessante, havia muitos carros, bem superior que as presentes em Mococa. Não sei se é por causa da minha mãe, mas eles deixaram a gente testar o carro, sem enrolação nenhuma (coisa que a gente viu em uma loja de carros perto de casa, ou seja, da casa da mamãe, só faltava pedir autenticação de cartório).
No meu “pré-teste” já passou: sem filmes escuros nos vidros (graças a isso, meses atrás, uma dama trocou olhares comigo quando ainda estava com o Corsa), sem aquela aberrante esfera cromada chamada de engate, assim como calhas de vidros. As calotas eram originais, obviamente. E muito bem conservadas por sinal. O que em 30 mil km a dona não raspou (a não ser que ela tenha trocado durante o tempo), minha mãe já raspou em menos de 1.000 km… Sim, o carro estava com 30 mil km, pelo menos era o que o hodômetro dizia. Que sorte ter achado um desse numa cidade pequena, no WebMotors!
Semanas atrás, meu irmão já havia falado bem do carro (embora ele conheça pouco sobre) e então minha mãe havia perguntado para mim o que achava. Eu realmente não sei. É um carro com bom conjunto e visual controverso, se baseado em opiniões de jornalistas e donos.
E então fomos dirigir o carro. Tentarei resumir porque este meu texto está ficando assustadoramente longo, de modo que seus olhos provavelmente estarão um tanto atormentados. O ambiente era muito bom para teste, pois as ruas são ruins e as subidas possuem aclives que exigem forças de hoplitas (iguais às que tenho de enfrentar todo dia carregando minha artilhari… digo, bicicleta, em Muzambinho).
O carro em geral (eu disse, em geral) é bem-construído (notei uma peça de alto-falante um pouco frouxa, talvez uma colagem resolva), o motor tem um desempenho assustadoramente surpreendente (certo, eu saí de um manco Corsa sedã 1-litro de 60 cv), o câmbio é bom, o espaço é muito bom (inclusive para cabeça, embora eu seja mais baixo que o Kim Jong-un, tenho 1,73 metro e ele 1,75), o consumo é baixo (herança da família dos motores usada no Yaris), nível de ruído do motor baixo (a 120 km/h é pouco mais de 3.000 rpm), assim como o peso da direção em velocidades urbanas e manobras, sem contar a relação de marcha mais longa, o que torna agradável em cidade (no Corsa eu tinha de colocar uma terceira ou quarta em trechos curtíssimos só para não ouvir o motor berrar mais ainda)… mas o carro incomoda em outras coisas. Onde está a faixa degradê no para-brisa (vai precisar de burocrata para tornar isso obrigatório também?)? Uma coisa que estranhei foi o curso do pedal do acelerador (e a resposta da borboleta de aceleração), que vai requerer um pouco de costume (o do Corsa era tão linear…). De fato os cursos dos três pedais me causaram uma certa estranheza.
Mas os bancos são confortáveis, embora simples em qualidade de tecido. A direção poderia ser mais precisa em velocidades de viagem (mas isso é do ponto de vista de quem deseja dirigir um Lancer Evolution), acho que a do Corsa era mais. Alguns ruídos de acabamento incomodam, de modo que provavelmente teria de fazer um tratamento de isolamento. Não sei se é normal mas há uma aspereza incômoda em ponto de fricção com álcool (ou eu não estou sabendo ”dosar” os pedais). A antena proeminente é vulnerável a furtos de bandidinhos “vítimas da sociedade” (e do Mercado Livre)… pequenas irregularidades poderiam ser melhor absorvidas, que contrastam com a excepcional capacidade de lidar com lombadas, dejetos amaldiçoados cujos criadores deveriam ser punidos com trabalhos forçados. De fato, preciso aprender a distinguir molas, amortecedores, buchas e afins. Gostaria muito de falar algo como “As molas poderiam ser mais macias para x+y finalidade”.
O carro não tem alarme por controle remoto, me levando a fazer algo que fazia lá no Uno CS 1991, que era girar a chave na porta para destravar. Mas as travas possuem acionamento elétrico. E, que legal, o porta-luvas é refrigerado (ouviu, Corolla?)! Falta rádio… isso embora eu ainda sonhe em ter em meu possível carro luxuoso (ou algo próximo). O aviso de cinto não atado é cômodo, ele só emite uma luz-espia e não fica apitando, mesmo que eu deseje que todos os caronas atem seus cintos.
Agora, imagine você andando em um… bom… um Avalon com sistema de som da Bose, colocando uma música ao fundo como uma da Sandra Cretu (“One more night” parece deliciosa para encontros românticos), ou mesmo “I just died in your arms tonight”. One more night, one more night with you, close your eyes… Escrevo este texto (e obsessivamente tento revisar) enquanto ouço alguma música antiga ao fundo.
Dama cuja me inspirou toques simplórios de piano, por que não mora em uma cidade mais sossegada?
Quando fomos buscá-lo em São José do Rio Pardo, no dia primeiro de junho, fomos com o Corsa, obviamente. Enquanto ela finalizava a negociação, eu xeretava e entrava no interior de um C4 Lounge e de um Jetta de quinta geração… quando é que poderei conhecer esse bendito Jetta? Que tal um Jetta Variant com câmbio manual? Como os carros mudaram hoje, viu… eu falo isso, como se fosse uma pessoa com mais de 40 anos, mas é que o carro mais moderno com o qual convivi foi o Corsa… um projeto de 1993!
Durante a volta, fiquei no papel de dirigir o Etios, enquanto a mãe ficava com o Corsa. Segui-a como se fosse a Navi com relação ao Link. E o carro é bom de estrada! O painel de instrumentos esquisito provavelmente não será mais incômodo quando eu me habituar. Incomoda mais os ruídos de pneus e aerodinâmicos, de fato. Senti a falta de uma melhor visão do capô, que é mais inclinado. Imagine só que espetáculo seria você ter a visão do seu capô com uma estrela espetada na frente. Deve ser como conduzir um carro cujos caminhos todos voltam-se para você, tornando-o um mero cêntrico de todas as coisas.
Minha mãe o acha bonito, sabe-se lá o motivo. Talvez a percepção feminina seja diferente. Eu não acho, por isso eu vou chamá-lo de Feiurinha, isso embora eu nunca tenha assistido aquele filme da Xuxa.
O veterano Corsa foi vendido no dia 4. Anunciamos sua venda no dia primeiro, e entupiu de gente interessada no carro. Nem pude me despedir dele, pobrezinho… cheguei até a fazer uma poesia dele. Por essas semanas eu tenho dirigido o carro, quando mamãe permite, e ele tem nos dado de princípio satisfações. Já encaramos tenebrosas estradas de terra (infelizmente raspei parte do defletor dianteiro por causa de uma pedra pontuda, o que não foi grave)… ao longo dos meses iremos nos conhecer, um ao outro, como se se aprofundar em oceanos de incertezas e escuridões. Mamãe já raspou parte da pobre calota original… o que importa é que a calota ainda está lá.
Mamãe também fala que o carro é gostoso de dirigir, a levando para todo lugar. E vai levar mesmo. Espero que esse motor dure mais de 600 mil km, que é o que espero de um Toyota (e qualquer outra marca).
Que o Feiurinha embeleze mais a vida de minha mãe. E de todos que precisarem dele.
Felipe Lange
Mococa – SP