Não consigo dizer quantas matérias sobre manutenção e conservação de automóveis já vi, li e guardei ao longo da vida. Desde as matérias e suplementos da revista Oficina Mecânica (a do Josias, com muita coisa escrita pelo Bob Sharp), que era ótima em dicas práticas e baratas, passando pelos suplementos da também extinta Motor 3, até os vídeos encontrados às centenas na internet, há dicas para quase qualquer coisa que se precise fazer em um carro. Hoje então, é mandatório fazer uma boa pesquisa antes de se deixar um carro na oficina, já que há muito material sobre quase qualquer carro normal.
Nesse tempo, já vi algumas informações irreais e malucas, outras muito boas mesmo, e fico apenas nessas para evitar um texto gigantesco. Dizer que dá para resumir tudo é impossível. Mas peguei algumas básicas ao longo do tempo, e agora juntei resumidamente aqui para ajudar quem gosta de gastar algum tempo cuidando de seu carro, amigo fiel que deve estar sempre pronto a lhe carregar para onde você quiser, a qualquer hora.
Vamos à lista do mínimo que você precisa fazer para ter seu carro mais bem conservado e livre das tão propagandeadas revisões, que devem sim ser feitas quando o veículo está na garantia, mas que depois disso, podem ser mantidos em ordem apenas com um pouco de conhecimento e paciência.
1) Dar a partida no motor é algo simples, mas vital para a máquina. No frio, pior ainda, já que o óleo lubrificante vai estar mais frio ainda. Especialistas em motores afirmam que 95% do desgaste de um motor ocorre nos 10 primeiros segundos após a partida. Assim, JAMAIS acelere logo após a partida. JAMAIS. NUNCA. DE MODO ALGUM.
No momento da partida, a bomba de óleo começa a aumentar a pressão, e isso demora algum tempo para acontecer em todo o circuito de lubrificação. Se ele estiver com óleo velho, ou um filtro sujo, tudo será pior. Troque sempre óleo e filtro juntos.
Nenhuma superfície por mais bem acabada e polida que seja, é realmente lisa. Nas peças de motor é a mesma coisa. Em uma imagem de microscópio, se parecem com lixas, cheias de picos e vales, rugosas. E duas peças que se movem entre si são como duas lixas sendo esfregadas uma na outra. O óleo está lá para evitar ao máximo o contato metal com metal. Na partida, só há o filme de óleo, o molhado, sem pressão para afastar as peças entre si e carregar o calor gerado pelo atrito. Se você ligar e acelerar, as lixas vão esfregar mais rápido, antes de haver uma quantidade de óleo se movendo e na pressão correta.
2) Também só piora a durabilidade ligar um motor apenas para fazê-lo funcionar por um tempo, para carregar a bateria de um carro que é pouco usado, ou só para fazer funcionar, sob medo de travar um motor, como muitos ainda temem. Ligue o motor apenas quando for andar mesmo. Ligar, ir à padaria em 3 minutos, desligar, ligar e voltar para a garagem em mais 3 minutos não serve. Muito carro com pouca quilometragem tem problemas de motor assim. Os ingleses chamam o problema que ocorre nesses usos curtos de black death (morte negra), gerado por óleo estragado rapidamente. Pelo óleo não atingir a temperatura correta – mais ou menos 5 a 10 minutos de uso em tempo quente, mais durante o frio – formam-se gomas que vão atrapalhando a passagem e correta lubrificação. Esse tempo não pode ser administrado pelo marcador de temperatura do líquido de arrefecimento, a água com aditivo que refrigera o motor. É outra coisa, fluidos e sistemas separados e de comportamentos diferentes. A água pode já estar na temperatura correta, mas o óleo pode não estar.
Quimicamente, ocorre que contaminantes que provém da combustão e se depositam no óleo são naturalmente eliminados por evaporação quando a temperatura de trabalho é a correta, mas ficam presos no óleo quando esse não aquece o suficiente. Forma-se uma meleca gelatinosa e grudenta (borra, sludge), facilmente visível em alguns motores pela tampa de enchimento ou ao remover o bujão do cárter.
Também a umidade dentro do motor pode não ser totalmente eliminada se este funcionar por pouco tempo, provocando corrosão, invisível ao menos que se abra o motor, algo que pode não ser agradável e nem barato.
3) As luzes-espia no painel existem para avisar da existência de uma condição anormal. Por mais inalterado que esteja o comportamento do carro, leia sempre no manual o que cada uma delas avisa e o que você deve fazer quando ela acende. E lembre que normalmente luzes amarelas dizem para procurar oficina assim que der, mas as vermelhas significam pare o carro e desligue o motor. Temperatura do motor e pressão de óleo são as mais importantes para a vida do carro, mas não se pode desprezar a indicação de anomalia no sistema de freio.
4) Trocar óleo por distância percorrida nem sempre é o correto. É por isso que veículos mais profissionais, como caminhões, ônibus e aviões tem horímetros, que marcam horas de funcionamento do motor. Me lembro do Chevrolet Tahoe que dirigi há cinco anos, que também tem essa indicação. Há outros no mercado.
O ideal seria saber esse tempo máximo para troca de lubrificante, mas os fabricantes raramente informam algo tão técnico. Melhor se ater aos seis meses num carro pouco rodado, jamais passando de 12 meses. Claro que se for um carro parado, guardado, de coleção e nunca usado, o óleo pode ficar mais tempo lá, mas se depois de anos ele for ser usado, melhor trocar o lubrificante antes de ligar o motor.
5) Faça amaciamento do motor quando novo. Está em alguns manuais de proprietário que o motor não deve ser usado com acelerador a fundo quando novo, ou acima dos 3/4 da rotação máxima. Outros dizem que se deve aumentar e diminuir a velocidade gradativamente, não andando em velocidades e rotações constantes quando há a oportunidade, como numa estrada. Alguns anos atrás havia inclusive a recomendação de velocidades máximas em cada marcha até 1.500 km, por exemplo, quando se deveria em seguida trocar óleo e filtro. Isso especificamente desapareceu, mas conversando com um engenheiro de motores de um fabricante – que não posso dizer qual, óbvio – ele me disse que ainda hoje se encontram com pequena frequência alguns mínimos detritos dentro de motores novos, como pedaços de metal provenientes do processo de usinagem na fabricação, e que não são sempre e na sua totalidade eliminados nas lavagens feitas antes da montagem do motor.
Disse-me ele: entre gastar 100, 150 reais numa troca de óleo com 1.000 km ou ter um motor que vai desgastar algum componente antes da hora, eu prefiro sempre trocar o óleo. Se você compra carro zero-km, pense nisso.
6) Indo agora para outros sistemas além do motor: fluido de freio. Sua composição química tem característica higroscópica. Os químicos explicam isso como “amigo da água”, ou seja, ele absorve a umidade quando entra em contato com ela, o que quer dizer que depois de um tempo haverá água onde não deve, causando corrosão, que causa pedaços de metal se soltando, que causa estrago em vedações, que causa vazamentos, que pode causar um acidente ou pelo menos prejuízo.
Junto disso, mais água faz diminuir o ponto de ebulição do fluido, então, aquela descida de serra que esquenta muito os freios deverá ser um problema sério, com as bolhazinhas de água evaporando dentro do fluido, já que gases são compressíveis. Quando pisar forte no pedal do freio, ele pode começar a descer além daquilo que é o normal, e o carro ir parar num barranco, num muro ou pior, atrás de um caminhão bem duro ou fora da pista. Mesmo com pastilhas e discos perfeitos e novinhos. Veja sempre o manual do proprietário para saber o período de troca, mas regra geral, não se deve passar mais de três anos com o mesmo fluido, menos do que isso em regiões úmidas, como litoral.
Para completar o nível no reservatório, limpe bem a tampa e ao redor dela, para evitar que caia sujeira no fluído ao removê-la. Essa sujeira vai se deslocando até parar em alguma fresta mais apertada, no cilindro-mestre ou no pistão da pinça, por exemplo, e pode causar mínimos riscos, por onde irá passar fluido depois de um tempo. Vazamento na certa.
7) Nas oficinas, borracharias e lojas de pneus, cuidado com as máquinas de aperto pneumáticas, aquelas tão desejadas pistolas movidas por ar comprimido, como se vê nas trocas de pneus nas corridas.
Mas se usam em condição extrema, como corridas, porque não devem ser usadas no seu carro que anda nas ruas, uso normal? Porque nas corridas há técnicos e engenheiros que regulam o torque máximo das parafusadeiras constantemente, e o carro é sempre o mesmo. Nas oficinas e lojas de pneus por exemplo, a cada carro diferente o torque de aperto deve ser diferente. Será que alguma oficina ajusta suas parafusadeiras a cada carro que entra, olhando nas indicações do fabricante? Duvido 99% das vezes.
Podem ser danificadas as porcas ou parafusos das rodas, os cubos ou tambores de freio onde estão as roscas ou parafusos prisioneiros, as rodas e por aí vai, isso falando apenas de consertos simples e frequentes em qualquer carro, como troca e balanceamento de pneus, troca de pastilhas e lonas de freio. Se falarmos em motores e caixas de câmbio, nunca, mas nunca mesmo, aceite o trabalho de um mecânico que não vai usar um torquímetro e tabela de valores de aperto específicas para seu carro.
Já viram aquela cena comum de alguém se matando de fazer força para soltar os parafusos de uma roda para trocar um pneu furado, e tendo que arrumar um pedaço de cano para aumentar o braço de alavanca de uma chave de roda? A pessoa pode até ter bastante força, mas se os parafusos foram apertados com pistolas de oficina, podem ser muito difícil de soltar. Há inclusive vários manuais dos carros que têm o valor recomendado para aperto dos parafusos de roda, os mais comuns de não serem observados.
8) Tapetes de borracha no assoalho do carro não têm função apenas de segurar sujeira longe do carpete. Em casos extremos de sapatos ou botas muito molhados ou sujos, detritos podem chegar até pontos em que existam chicotes elétricos. Um local que é padrão em quase todo carro é debaixo das soleiras, aquelas peças plásticas visíveis quando se abre a porta do carro, em que a maioria das crianças pequenas pisa para entrar e sair.
Mesmo sob o carpete do assoalho há alguns fios que podem ser afetados pela umidade de um calçado molhado, ou pior, um guarda-chuvas pingando ou escorrendo. Carros mais antigos, com menos proteção contra corrosão que os atuais, podem ter o assoalho corroído por essa umidade, já que mesmo em pequena quantidade, a água entra mas dificilmente sai por evaporação, por estar coberta pelo carpete. Se isoladores forem molhados, o estrago e o cheiro é pior ainda.
Mesmo cuidado com os bancos, nosso ponto principal de contato com o carro. Não se deve sentar neles com roupas com enfeites ou itens metálicos que possam estragar o revestimento. E deve-se sempre tentar entrar e sair sem esfregar demais o corpo nos bancos. Isso para aumentar a vida útil do tecido ou couro, com menos atrito para suportar.
9) Lave o carro. Aquela gracinha que alguns donos de veículos com tração nas quatro rodas gostam de fazer, deixar seus carros bem sujos de lama para mostrar que foram passear no mato, é pura bobagem.
Sujeira estraga tudo. Pintura, vidros, borrachas, plásticos, juntas, vedadores. Exemplo meu. Certa vez passei em um resto de enxurrada em região de litoral, com areia e pedras. O carro sujou bastante por baixo, e o lavei sem levantar em elevador. Lavei bem, tudo que deu, ajoelhei no chão, me molhei, aquela lambança. Mas sobrou areia no vedador da semiárvore de tração do lado direito, por cima, e depois de uns seis meses, começou a vazar óleo do câmbio. Desmonte de peças, vedador novo, meio dia de mão de obra. Um custo desagradável, e bem maior que uma bela lavagem completa.
Sujeira nos vidros provocam riscos quando se liga o limpador em um início de chuva. Lave os vidros sempre que puder, dá para fazer até em garagem de prédio, basta passar o rodo no piso depois para os vizinhos não reclamarem. E quando começa a chover, espere molhar bem para ligar o limpador, sempre com uma boa esguichada de água do lavador.
Borrachas das portas devem ser limpas sempre com panos molhados, removendo a seco terra e areia antes, com escova ou pincel. Muita gente passa silicone, mas se você limpa sempre, não é lá muito necessário. Aliás, quando se abre e fecha portas é a hora de perceber se alguma não está funcionando de forma suave, que pode indicar a hora de colocar uma graxa nas dobradiças e no limitador de abertura.
Passarinhos que usam seu carro como banheiro e árvores que soltam seiva sobre a carroceria não são amigos e nem entusiastas de carros. A natureza é bela, mas não autoentusiasta. Sempre que acontecer lave com água e sabão o mais rápido possível. Use um pouco de cera para amolecer se estiver fácil, senão, apenas molhe bem e depois esfregue de leve. Melhor lavar cinco vezes do que tentar tirar tudo de uma vez com algo como uma espátula. Vai riscar.
Poeira de pastilhas se acumulam nas rodas, e se não lavar nunca, podem chegar a corroer o verniz e a pintura. A superfície fica rugosa, a sujeira se deposita nos furinhos e não sai mais.
Pneus não devem ser cobaias de experiências químicas de postos de lavagem. Antes de deixar os lavadores passarem algo neles, tente saber o que é. Se tiver álcool, benzina, óleo diesel ou algo desse padrão, peça para não passar nada, apenas lavar com água e sabão. Mesma coisa nos tapetes de borracha. Só água e sabão bastam. Em geral combustíveis estragam borrachas, exceto se estas tiverem aditivos para isso como em mangueiras específicas, o que não é o caso de pneus.
10) Há alguns anos um americano doou seu Saab 900 Turbo para um museu. O carro tinha mais de um milhão de milhas rodadas (1,6 milhão de quilômetros) e estava muito bom ainda. A regra dele era simples. Usar o carro sem abuso, limpá-lo sempre e obedecer todas as recomendações do fabricante, jamais deixando passar ao intervalos de troca dos fluidos, de motor, freios e câmbio, além de filtros. Há vários outros carros nos EUA com mais de um milhão de milhas rodadas, veja essa lista.
Aqui no Brasil isso é muito menos documentado, mas todo mundo já ouviu falar de carros com mais de 200 mil km que nunca abriram motor, outros com 400 mil ou mais. Basta ter apreço pelo carro e dedicar um pouco de tempo frequentemente para evitar problemas maiores.
Trocar buchas de suspensão quando se nota alguma delas danificada é uma boa regra também. Por isso calibrar sempre os pneus e treinar a sensibilidade ao volante são grande aliados. Sentiu algo errado, olha-se debaixo do carro (limpo, claro), e logo se encontra alguma coisa estragada. A troca imediata salva outras peças que vão trabalhar mais se aquela que está ruim piorar.
Espero que essas dicas ajudem todos a terem carros melhores e mais bem cuidados por mais tempo.
JJ