Gostaria de contar para você sobre uma visita que fiz ao meu amigo Raul Pires, ex-estagiário do Design na VWB e que se tornou um designer de sucesso, liderando o desenho exterior da Škoda e mais tarde da Bentley. Hoje o Raul está na Audi, muito bem assentado em Ingolstadt/Munique.
Mas na época em que ele estava na Bentley tive a chance de fazer algumas visitas à Inglaterra por causa dele e como bom anfitrião ele sempre preparava algum passeio “cultural” automobilístico.
O que mais me marcou foi quando deixamos as esposas e as crianças em Nantwich, cidade em que ele morou quando trabalhava em Crewe, no Design Center da Bentley, e fomos com seu Audi TT até o circuito de Oulton Park, na região de Manchester.
Esta viagem deixou bem claro para mim o amor à cultura automobilística na Inglaterra. Já havia notado algumas garagens na vizinhança do Raul com carros antigos sendo recuperados. Em outra visita fomos a um encontro de clássicos em um grande parque público, onde eu não conhecia 70% dos carros ali presentes.
O Raul me explicou, que no passado, havia poucas opções de “plataformas” mas muitas marcas de encarroçadores, daí surgindo dezenas de marcas, praticamente desconhecidas, que produziam principalmente carros pequenos e populares.
Sobre a paixão de pilotar os ingleses também dão show de bola, porque as corridas de automóveis são muito populares por lá.
As famílias se unem nesta atividade sendo que, basicamente, o filho é o piloto, o pai o mecânico e a mãe é quem cuida da logística da equipe.
http://www.oultonpark.co.uk/calendar.aspx
Oulton Park, como o nome diz, é “um autódromo com cara de parque.” Muito bem cuidado, o autódromo é todo gramado, e você pode posicionar seu carro de cara para a pista e fazer ali o seu piquenique de domingo com todas facilidades à mão.
Existe um campeonato anual onde estas pequenas equipes participam com seus carros através de vários autódromos espalhados pelo país. São várias categorias, algumas com carros de produção modificador e outras com carros de corrida puro-sangue.
Entre eles, os que mais me chamaram a atenção foram os Fórmula Ford, categoria que já foi importante na formação dos grande pilotos de F-1.
Os carros ali presentes estavam todos em estado excelente de conservação, aparência e mecânica. Para nós, brasileiros, fica difícil entender como uma família de classe média pode ter uma equipe de corrida na garagem de casa, mas lá, pela popularidade do esporte e acessibilidade a meios e peças, é uma atividade muito cultivada.
Existem muitos negócios voltados às corridas de automóveis e que estão sendo mantidas pelas gerações mais recentes.
Em Oulton Park existem também pistas de kart e drifting para completar o leque de oferta de diversão automobilística.
Na realidade a atividade atrai muitos fãs de fim de semana, que aproveitam o bom tempo no verão para passar o dia ou o fim de semana acampados nos autódromos, junto com a família e amigos.
Na volta do autódromo para Natwitch encontramos ainda alguns amigos com seus possantes na praça central da cidade. Bentleys, Ford GTs eu outras raridades respirando fora da garagem o fresco verão da Inglaterra.
Para terminar um dia assim só tomando uma deliciosa cerveja no pub mais frequentado da cidade conversando e, é claro, sobre automóveis e tudo que gira ao redor dele.
No dia seguinte fui junto com o Raul fazer um tour pela fábrica da Bentley e visitar seu estúdio. O Grupo Volkswagen injetou muito dinheiro para reconstruir a antiga fábrica de Crewe, implementou modernos meios de produção e os mais altos níveis de qualidade tanto para a fábrica quanto para o produto.
Um dos grandes diferenciadores dos Bentleys é justamente a individualidade, produzindo carros conforme a vontade do freguês em se tratando de Color & Trim, ou seja, em cores, acabamentos e acessórios.
Para você ter uma ideia, nos Bentleys cupês — filhotes do Raul —, uma das premissas de projeto é no porta-malas caber um jogo completo de tacos de golfe, esporte muito praticado pela alta sociedade inglesa, e oferecido como acessório do veículo.
Outros clientes aparecem com um pedaço de tecido que pertenceu à mãe e querem um carro com o revestimento interno todo baseado na cor e desenho do tecido.
Um japonês encomendou um Bentley alongado para poder praticar sexo mais confortavelmente.
Um dos mais excêntricos pediu um console customizado e na entrega do veículo foi convidado a assistir à destruição (a maçarico) da ferramenta de injeção que gerou a peça. Uma ferramenta de aço que poderia gerar milhares de cópias, mas só gerou um console por exclusividade.
Mesmo para os carros que não são uma encomenda complicada, um Bentley é um carro muito especial. No interior de um Bentley você nunca vai tocar em “plástico”. Os principais materiais são o couro, o alumínio e a madeira.
A parte de marcenaria é impressionante, com muitos velhos especialistas que dão acabamento em blocos de madeira que são fresados em CNC e depois são cravados no interior do veículo.
Alumínio e prata também podem ser usados nos detalhes incorporados em peças de toque ou simplesmente visual.
No exterior do cupê existem também detalhes de extrema sofisticação. O carro não tem para-choque, pois os para-lamas, de alumínio, descem ate à parte inferior do “front end”. Não existe emenda visível entre teto e lateral, resultado de solda laser mais acabamento manual.
O estúdio de Design naquela época era pequeno e intimista com quatro pontes de trabalho e uma área de exterior de bom tamanho. Eu considero este um tamanho ideal para você poder se concentrar em um, no máximo dois modelos por vez.
Em estúdios muito grandes você se contamina muito rapidamente e acaba se envolvendo com coisas que não são importantes para o seu projeto.
Já naquela época já se usava muito suporte virtual e na Inglaterra existem muitos estúdios que podem ser terceirizados para trabalhos menos criativos e mais de execução.
Enfim, aquele foi um ótimo fim de semana que nunca vou esquecer.
É por isso que visita de Designer é muito bom.
LV