Quem me conhece sabe que não sou uma pessoa ruim. Muito pelo contrário. Mas, caros leitores, vou provocar ciúmes e acessos de inveja em muitos: andei várias vezes no banco do carona com o Bob Sharp!! (foto acima) E isso ninguém tira do meu curriculum, hehehe.
Não digo isso por maldade nem para me gabar de nada. Apenas tive oportunidade por questões profissionais. Mas depois de ler os comentários de minha coluna da semana passada, não pude deixar de abordar esse assunto agora. E até esclarecer que meu lugar favorito dentro de um carro é atrás do volante — mas abro algumas exceções. Claro que andar com determinadas pessoas dirigindo o carro é uma experiência e tanto, não somente pela tocada mas também pelo didatismo dele.
Lembro perfeitamente quando foi a primeira vez que andei de carona com o Bob. Voltávamos de uma coletiva de imprensa e ele já morava em Moema e eu na Chácara Flora, bairros relativamente próximos. Cavalheiro como sempre, ofereceu-se para me levar até em casa. Naquela época eu era uma pirralha com alguns anos de experiência em jornalismo econômico e pouquíssimo na indústria automobilística — e, ainda assim, somente do ponto de vista dos números. O pouco que sabia tecnicamente era mais por gosto do que por teoria. O Bob já era superconhecido no meio e respeitadíssimo tanto pelos demais jornalistas quanto pelas fontes. Eu o conhecia apenas de vista, das entrevistas e havíamos trocados algumas palavras, mas não tínhamos realmente uma amizade.
Em tempos sem Waze nem rádios que informassem sobre trânsito, ficamos presos numa rua que até hoje chamo de estradinha — lindíssima, bucólica, mas que dá acesso a duas escolas internacionais e leva até a Av. Washington Luís, unindo o lado do bairro das casas com a área dos prédios. Pista simples, mão dupla. Congestiona há décadas e não foi diferente naquele final de dia. Mas eu não sabia disso pois havia me mudado havia pouco tempo para aquelas bandas e desconhecia totalmente — nem carro tinha.
Ficamos tão encalacrados que não havia distância sequer para manobrar e voltar pela outra pista, que estava totalmente livre. Lembro que o Bob estava com um Fiat, de teste talvez, acho que era um Duna. Como sempre, aproveitou a oportunidade para me explicar como sair de uma situação dessas.
Depois de um bom tempo esperando totalmente parados e sem esperanças de sair do lugar, pensamos que o melhor seria tentar fazer um “U” e voltar pela outra pista e fazer outro caminho. Mas, como? Os carros estavam tão colados uns nos outros que não havia como manobrar nem pedir para os que estavam atrás ou adiante se mexerem um pouquinho para ajudar na manobra.
Aí começaram minhas lições de automobilismo “by Bob Sharp”. Ele puxou o freio de mão, esterçou ao máximo o volante e acelerou em primeira, fazendo com que o carro virasse sobre o eixo. O ruído do motor acelerando era infernal (lembrem-se, era um Fiat) e certamente os outros motoristas devem ter achado que o sujeito daquele carro pirara. Mas com apenas um par de manobras conseguimos sair apesar da distância ínfima entre o carro de trás e o da frente do nosso. Usei a técnica um par de vezes em que fiquei encaixotada em estacionamentos ou mesmo na rua e garanto que funciona.
Depois disso, em algumas ocasiões com testes de carros do AE andei várias vezes com o Bob. Gosto não apenas da forma segura como ele dirige, mas do didatismo dele. Continua me explicando as coisas como fazia no final dos anos 1980, quando nos conhecemos e ele já sabia tudo sobre qualquer coisa que use um motor.
Dali para a frente, sempre que tinha dúvidas técnicas telefonava para ele ou para o Fernando Calmon, ambos conhecidos entre os jornalistas como os “da turma da graxa”. Sempre gentis e dispostos a ajudar mesmo uma pirralha como eu. Da minha parte, digo que sempre me esforcei para não perguntar besteira e fazia minha lição de casa antes, mas muitas vezes precisei da “ajuda dos universitários”. E os dois sempre foram extremamente solícitos.
A primeira vez que andei no banco do carona com o Fernando Calmon também foi inesquecível. Ele também tem essa característica professoral do Bob. Foi no lançamento do Kadett (não lembro qual versão, talvez o 2.0) na pista da GM em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Pista fantástica, aliás. Reta infinita – na verdade, um traçado circular, peraltado (superelevado) perfeito que permite que ao se manter uma determinada velocidade constante possa se tirar as mãos do volante e o carro continua no traçado como se ele estivesse andando em linha reta.
Os jornalistas, em duplas, iam junto com um piloto de testes da GM e lá fui eu com o Fernando. O piloto da GM foi no banco de trás, apenas como lastro, acho eu. Obrigação da fabricante, certamente, pois era óbvio que não havia necessidade dele estar sequer dentro do habitáculo, mas, vá lá. E eu no banco do carona.
Nem bem começamos a andar, o Fernando começa a acelerar. Eu só olhava o marcador. Quando chegou a 175 km/h ele tirou as mãos do volante, virou para mim e começou a me explicar como funcionava a tal reta infinita. Vejam bem: a 175 km/h, sem sequer encostar uma mãozinha no volante e sem nem olhar para a frente! Eu já sabia que o sujeito era bom de braço, mas aí realmente tive que ir com fé. Ah, e o legal dessa pista é que ao diminuir a velocidade passa-se para a faixa de baixo – e aí novamente, ao manter a velocidade constante, reta infinita. É um show.
Bom, várias voltas, testes, comentários comigo e com o piloto da GM, etc. e, depois, claro que foi minha vez de dirigir — aliás, o Fernando me incentivou, mesmo sem ter me visto dirigir sequer um carrinho de supermercado.
Lá fui eu. O piloto da GM no banco de trás e o Fernando dando as dicas ao meu lado. Acelera. Agora isso. Agora aquilo. Eu a 165 km/h. Acelera. Agora tira a mão do volante. “O quê? Tá louco?” Tira a mão, Norinha. Eu consegui tirar a mão direita e a muito custo a coloquei sobre minha perna. Acho que era mais para que alguma das duas parassem de tremer. A perna ou a mão. Quando ele falou para tirar a mão esquerda já foi demais. O máximo que consegui foi abrir os dedos (que estavam quase travados em volta do volante) e manter a mão a talvez um palmo de distância do volante. E olhe lá. E por um curto espaço de tempo que para mim pareceu uma eternidade.
E ele calmo, me transmitindo a maior confiança como se eu fosse um ás do volante. Claro que estava fazendo tudo certo, mas… E ainda desacelerei e desci para a faixa seguinte. Controlei a velocidade novamente, agora um pouquinho mas lentamente (sei lá, uns 160 km/h talvez) e dei várias voltas. Me achei o máximo.
Foi um dia e tanto para mim. Uma experiência fantástica. Inesquecível.
Nos encontros do AE andei com vários dos editores e colunistas. Obviamente, todos craques. Cada um com suas características. O Juvenal Jorge preciso e com excelentes reflexos — conseguiu desviar de um porco suicida que cruzou nosso caminho quando estávamos a uns 150 km/h com chuva. O Milton Belli com uma tocada incrivelmente suave apesar de rapidíssimo. Lembra um Jenson Button dirigindo. Sabe aquela coisa de guiar como se estivesse conduzindo uma donzela numa dança? ]
O Arnaldo Keller também didático como o Bob. Rápido e preciso, mas com aquele gosto por comentar desempenho do carro e explicar as mínimas diferenças. Observa tudo. E me defendeu de um idiota que me fechou num cruzamento e quase provocou um acidente. Calmo, nem gritou (aliás, nem abriu a boca) quando o carro veio pela lateral e eu freei e ele quase saiu foi enforcado pelo cinto.
Posso dizer que tive o privilégio de andar no banco do carona de várias personalidades do automobilismo/jornalismo. Uma vez quando o Diário Popular era ao lado da Gazeta Mercantil, nos convocaram para uma coletiva em Interlagos. Pouquíssimo tempo para cruzar toda a cidade. Liguei para meu vizinho e editor de Veículos do DP, o grande Mário Pati — que entre outros feitos históricos havia corrido no final dos anos 1940 e foi o diretor de prova do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 nos seus primeiros 10 anos, justamente quando não havia um Bernie Ecclestone, os pilotos não queriam vir ao Brasil por medo de cobras e não havia a menor infraestrutura.
Bem, lá fomos nós. Ele dirigindo o próprio carro. Conseguimos a façanha de chegar em cerca de 20 minutos. Não me perguntem como, pois são uns 25 quilômetros, com sinais e, claro, muito trânsito. Outro, de grande e suave tocada. Como toda pessoa que dirige bem, sabe tudo de Física e Geometria – e é um grande jogador de sinuca. Ganhamos juntos, em dupla, um campeonato de jornalistas da área automobilística. Eu não jogo nada de nada, sou um verdadeiro desastre, mas com ele fazendo os pontos e eu espalhando as bolas de um jeito que ninguém conseguia fazer coisa alguma depois das minhas, vá lá, jogadas, formávamos uma dupla perfeita. Ele ainda tinha a paciência de me mostrar e explicar onde e qual bola eu deveria acertar. Mostrava o ângulo e a distância com o taco. Claro que na teoria eu entendia, mas quem diz que eu conseguia?
Éramos todos amigos, eu era acho que a única mulher e permitiam-me essas dicas – até porque no meu caso eram absolutamente inócuas. Zero efeito prático. A distância entre a teoria e a prática era abissal. Mas valeu pela farra e, claro, foi meu único troféu na modalidade.
Caros leitores, entendem por que digo que adoro dirigir, mas com algumas pessoas estar no banco do carona é até mais legal do que ficar atrás do volante, não é?
Mudando de assunto: Eba! Mais uma corrida de Fórmula 1 fantástica. O GP da Inglaterra teve de tudo, mas sobrou emoção do começo ao fim. O destaque da prova para mim foi o Kimi. Todo mundo sabe que torço por ele, mas mereceu. Fez ultrapassagens lindas, apesar do toque no Hamilton na largada. Para mim, coisa de corrida, mas ele, com aquele jeito blasé e sincero disse que foi erro dele e não achou nada demais uma punição mais dura do que a que deram para outros pilotos por manobras mais arriscadas do que a dele. Então, tá. Mas todos os pilotos tiveram seus momentos de destaque e, claro, a recuperação do Hamilton merece palmas também. Valeu muito a pena ter assistido.
NG