Neste último domingo eu tinha algumas coisas a fazer, além de tentar assistir à final da Copa. Na garagem estava um BMW M2, um cupê com uma tropa de 370 cv pedindo para soltar as pernas numa estrada, e coincidentemente os desejos dessa cavalhada batiam com meus deveres profissionais. Esse não é carro urbano, se bem que também é gostoso na cidade, posto que seu tamanho é comedido; mas ai, ai, ai… na estrada ele é dos poucos que sem medo de usar um termo exagerado podemos qualificar como espetacular. Portanto, para conhecê-lo a contento precisava ir para a estrada.
Somado a isso, o amigo Jean Tosetto, alfista de Paulínia, interior de São Paulo, há algum tempo oferecera seu sedã 156 para que eu rememorasse esse delicioso carro, que havia guiado só na época de seu lançamento, coisa de quase vinte anos atrás.
E eu estava mesmo com vontade de ver o Jean, de bater um papo ao vivo com ele, já que há anos não nos víamos e o nosso papo ficava só na base do virtual. O Jean, que volta e meia nos agracia com boas histórias no AE, é mais conhecido por seu envolvimento no Clube do MP Lafer do Brasil e por ter escrito um ótimo livro sobre essa boa réplica do MG TD.
E marcamos um encontro.
Foi logo cedo no Shopping Serra Azul (km 72 da Rodovia dos Bandeirantes, interior de São Paulo) e de lá saímos por estradinhas vicinais de bom asfalto e boas curvas. Primeiro saímos com o BMW M2 e depois no Alfa Romeo 156. Infelizmente nosso compromisso com o fabricante nos impede de darmos a direção a outro que não esteja previamente autorizado, portanto o Jean não pôde guiar o M2, mas eu pude guiar o 156 e depois ir de carona com o Jean. Do M2 conto depois, na matéria no uso que logo virá, mas do 156 posso contar agora.
O legal é que com o Jean veio seu — e agora nosso — amigo Ronaldo Borges, que apesar de pescador fanático não me pareceu nada mentiroso.
O 156 é um carro que não posso ver, porque se vejo vem a danada da tentação de tê-lo, então resolvi enfrentar de vez a tentação e o Jean se dispôs a me ajudar nesse drama. Se eu aguentasse dirigir seu 156 sem me emocionar, estaria livre do bicho. Seu motor Twin Spark (duas velas por cilindro) de 2 litros entrega 155 cv a 6.500 rpm e 19,1 m·kgf de torque a 3.500 rpm. Pesa 1.250 kg, atinge 216 km/h e faz o 0 a 100 km/h em 8,6 segundos. Bons números até para hoje.
Guiei-o, pilotei-o, e livre dele coisa nenhuma! Agora só me resta inventar tudo quanto é argumento racional para ver se convenço minha mulher que a coisa mais certa a fazer é eu comprar um raio de um Alfa Romeo 156, essa desavergonhada máquina conquistadora de corações; tarefa essa difícil, como deve saber o caro leitor.
Como convencer uma pessoa, que desconhece o prazer de dirigir, a comprar um carro focado no prazer de dirigir? Como? Raios! Dizer que tenho tremendo prazer em sentir uma direção precisa, de peso e velocidade certa, que me ajuda a contornar as curvas do jeitinho que quero e que deve ser? Isso lá é argumento que ela entenda? Como fazê-la entender que o ronco do Alfa me arrepia e me esquenta o sangue e que eu gosto de sentir meu sangue quente? Como explicar que o legal é sentarmos perto do chão, se ela gosta de suve porque gosta de olhar as coisas lá do alto, e que apesar de saber bem sabido que é mais seguro estar perto do chão, ela ainda “se sente” mais segura lá em cima? Como explicar que pressionar o pedal da embreagem e mudar marcha numa alavanca é mais legal que deixar em Drive e só acelerar e frear e não dar a mínima bola para que marcha está? Como explicar que o pedal do freio deve estar exatamente posicionado em relação ao do acelerador para que o punta-tacco saia perfeito e naturalmente? Como explicar que a posição de dirigir é essencial? Que a modulação do freio deve ser suave, progressiva?
Como fazer entender que esses e outros detalhes são importantes, ou melhor, essenciais? Esqueça, amigo leitor. Esqueça, pobre Arnaldo. Não convenceremos ninguém. Quem entende essas nossas necessidades também nasceu com elas e a gente não precisa ficar explicando coisa nenhuma.
O 156 já tem quase vinte anos de janela e ainda não perde em formosura e gostosura para a imensa maioria dos mais modernos automóveis com espírito esportivo.
Agora nem eu sei quem vai ganhar esse braço de ferro, se o coração ou a razão.
Obrigado, Jean. Se eu comprar um 156 você terá que estar comigo quando chegar com ele em casa. Você é bom de conversa e, se mesmo com seu papo minha mulher não ficar convencida, ao menos terei um amigo que me leve rapidinho de Alfa para o pronto-socorro.
E enquanto guiava o 156 me deu um estalo. Para complementar aquela manhã superagradável, pedir ao Jean para ele falar de sua macchina. Pedi e ele aceitou de pronto, leia a seguir.
AK
O CHAMADO DAS MÁQUINAS
Por Jean Tosetto
Tenho um amigo que recentemente fez o Caminho de Santiago de Compostela. O Doni percorreu a pé mais de 800 quilômetros entre a França e a Espanha. Com ele saí para fazer uma caminhada no fim do sábado e ele me contou — todo empolgado — como foi bom sentir aquela energia positiva emanada pelos colegas peregrinos e pelas rotas vencidas. Logicamente me incentivou a fazer o mesmo um dia, encerrando a conversa com uma frase de efeito:
— Não é você que escolhe fazer o caminho. É o caminho que te chama.
Gosto muito caminhar para organizar as ideias, mas gosto ainda mais de guiar máquinas sobre rodas. Portanto, para mim, o provérbio é outro:
— Não é você que escolhe guiar a máquina. É a máquina que te chama.
Este tipo de chamado — meio místico, meio transcendental — raramente é cristalizado em sinais óbvios. Você tem que identificá-los nas entrelinhas da trama que constrói o seu cotidiano. Raramente um chamado vem através do toque de um telefone. Então, quando isso ocorre, é impossível negá-lo.
E o telefone tocou. Do outro lado da linha estava o emissário das máquinas sobre rodas, Arnaldo Keller. Ele, num tom de empolgação semelhante ao do peregrino Doni, revelou que estava com um BMW M2 de teste para o AUTOentusiastas e lembrou-se de mim, com saudades de guiar um Alfa Romeo 156 que havia entrado novamente em sua lista de desejos.
Ele propôs da gente se encontrar no Shopping Serra Azul sobre a Rodovia dos Bandeirantes, no domingo de manhã, antes da final da Copa da Rússia. Opa! Merchandising espontâneo no AE: pode isso, Arnaldo? (pode, Jean! AK)
Ele viria de São Paulo com o BMW M2 e eu partiria de Paulínia com o Alfa 156. Tomaríamos um café e depois trocaríamos impressões sobre os carros. O chamado era irrecusável e ainda ganhei permissão para levar outro amigo, o Ronaldo.
Você pode imaginar que o interesse das pessoas por carros e motos está com os dias contados, em função dessa onda toda de associar carros com cigarros e tudo o mais que fez do século 20 um tempo divertido e saboroso. Mas se você for ao Serra Azul num domingo de manhã, verá que pelo menos algumas gerações de entusiastas está garantida.
Neste lugar vemos gente, carros e motos de várias tribos e marcas — muitos deles se encontrando sem hora marcada. Entre as motos se vê desde Honda até Harley-Davidson. Os carros germânicos também se reúnem lá: Porsche, Audi, Mercedes e BMW. E logicamente os musculosos americanos não poderiam faltar: Mustang, Camaro, Corvette.
Observo as pessoas andando entre as máquinas e vejo sitiantes do entorno levando seus filhos para ver a movimentação do lugar. É parte do programa dominical deles e o que me deixa feliz em ser da turma do Arnaldo é que ele deixa as crianças entrarem das máquinas que testa.
Aliás, foi assim que o conheci há quase dez anos, ali mesmo na Rodovia dos Bandeirantes, mas em outro posto. Comportei-me como uma criança quando vi aquele Kougar Jaguar fatiando o vento e parando para verificar a pressão dos pneus. Estacionei logo atrás, depois de seguir o torpedo por alguns instantes. O Keller e seu primo Paulo estavam produzindo uma reportagem para a revista Car and Driver brasileira. Desde então, não parei mais de segui-los nas postagens e paisagens do AE.
Sobre o BMW M2, o Arnaldo poderá falar dele com mais propriedade. Sentei no lado do carona. O Ronaldo se abancou atrás de nós. O Arnaldo ao volante conhecia o carro, mas eu conhecia o caminho para amansar os mais de 300 cavalos do motor lacrado. Fui ditando a direção entre as estradinhas vicinais que se interligam na zona rural entre Jundiaí e Itupeva, uma região muito bonita e ironicamente pouco conhecida entre aqueles que, momentos antes, vimos no estacionamento do Shopping.
Uma pisada no acelerador e sentimos o tranco nas costas. Nossas vísceras se abraçavam umas nas outras para não se embaralharem a cada golpe cavalar oriundo daquele pedal. A aceleração do BMW é realmente inebriante. E a sua capacidade de frenagem? Se não conhecesse o Arnaldo, duvidaria que o carro tivesse condições de fazer a primeira rotatória do trajeto. Não era uma questão de velocidade alta, mas de curta distância entre o ponto de início da frenagem e o mergulho na curva. Porém, o piloto ordenou a trajetória e o carro obedeceu.
Em alguns momentos, me senti como um boneco de plástico aparafusado num carrinho de autorama: o BMW M2 é colado no chão e não sai do trilho, não sai da fenda. Só o urro do motor — que ainda não é elétrico… — me resgatava daquela sensação.
Quando não estou dirigindo, gosto de observar quem está no meu lugar favorito do carro. O Arnaldo tem um jeito próprio de guiar. Preste atenção nos vídeos onde ele conversa com a gente, enquanto dirige. Suas mãos obviamente estão próximas da posição correta, como se fossem dez minutos para as duas horas no relógio de ponteiros. Mas reparem em seus dedos indicadores: eles apontam para frente e para o alto. Gestos inconscientes que entregam uma personalidade otimista, típica de pessoas que exalam energia positiva.
Você se lembrou de Santiago de Compostela? Eu também.
Observei o Arnaldo guiando, então seria lógico que e ele fizesse o mesmo quando trocássemos de carro para completar nosso Grande Prêmio particular. Algo me diz que sua educação o impedirá de confidenciar meus cacoetes.
O Alfa Romeo 156 não tem sequer metade da potência do BMW M2, mas conserva um câmbio manual honesto e um motorzinho Twin Spark de ótimo desempenho. Sobre ele, creio que posso falar alguma coisa. Estou com o carro há cinco anos e não quero ser repetitivo, dado que na condição de leitor do AE dediquei uma trilogia de artigos para o modelo (primeiro, segundo, terceiro). No entanto, se você tem paixão por algo, sabe que o assunto nunca se esgota.
E se tem algo que mantém a Alfa Romeo viva, até hoje, é justamente a paixão que ironicamente a mantém em eterna crise. A mania dos italianos de desenhar carros com licenças poéticas — e referências aos ícones do passado — custa muito caro para eles. Os concorrentes germânicos são mais frios, objetivos e racionais, e mesmo assim encontraram uma fórmula de agradar um público mais abrangente.
A conversa foi longa. O Arnaldo assumiu o volante do Alfa 156 e em poucos minutos extraiu azeite de oliva das suas oito velas, identificando um pequeno furo no escapamento – algo que eu não havia falado antes. Ele também me cantou a necessidade de revisar os amortecedores em breve e, além disso, recomendou um ajuste no trambulador do câmbio, um aspecto que nunca me incomodou, embora as pequenas folgas progressivas possivelmente tenham sido camufladas pelo uso frequente, às quais nos vamos acostumando sem perceber.
Por isso é bom emprestar o carro para alguém experiente, de vez em quando. Não tem essa de ciúmes ou comportamento egoísta. Afinal de contas, carro não é cônjuge. Carro foi feito para ser guiado e compartilhado. Se não fosse assim, o Fernando Alonso não teria vencido a 24 Horas de Le Mans no mês passado pela Toyota, uma corrida que está para os entusiastas por carros assim como o Caminho de Santiago está para os peregrinos.
A gente não caminha sozinho. A gente não guia sozinho. Se pudermos fazer isso entre amigos, o prazer vem em triplo: da estrada, da máquina e da companhia.
JT
FICHA TÉCNICA ALFA ROMEO 156 2,0 TWIN SPARK 16V | |
MOTOR | |
Tipo | L-4 dianteiro, transversal, bloco de ferro fundido, cabeçote de alumínio, duplo comando de válvulas, correia dentada, 4 válvulas por cilindro, atuação direta por tuchos-copo, duas velas por cilindro, injeção no duto, gasolina |
Cilindrada (cm³) | 1.970 |
Diâmetro x curso (mm) | 83 x 91 |
Potência (cv/rpm) | 155/6.500 |
Torque (m·kgf/rpm) | 19,1/3.500 |
Taxa de compressão (:1) | 10 |
Gerenciamento do motor | Bosch Motronic M1 5.5 |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Transeixo dianteiro com câmbio manual de 5 marchas mais ré, embreagem monodisco a seco, comando hidráulico, tração dianteira |
Relações das marchas (:1) | 1ª 3,545; 2ª 2,238; 3ª 1,520; 4ª 1,156; 5ª 0,946; ré 3,909 |
Relação do diferencial (:1) | 3,562 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, triângulos superpostos, mola helicoidal, amortecedor hidráulico e barra estabilizadora |
Traseira | Independente, multibraço, mola helicoidal, amortecedor hidráulico e barra estabilizadora |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência hidráulica |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 11,1 |
FREIOS | |
De serviço | Hidráulico, dupla circuito em diagonal, servoassistido a vácuo |
Dianteiros | Disco ventilado |
Traseiros | Disco |
Controle | ABS |
PNEUS | 205/60R15V |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Monobloco em aço, sedã 4-portas, 5 lugares |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente aerodinâmico (Cx) | 0,31 |
Área frontal (m²) | 2,05 |
Área frontal corrigida (Cx x A, m²) | 0,635 |
PESOS | |
Em ordem de marcha (kg) | 1.250 |
Carga útil (kg) | 520 |
DIMENSÕES EXTERNAS (mm) | |
Comprimento | 4.430 |
Largura sem espelhos | 1.745 |
Altura | 1.415 |
Distância entre eixos | 2.595 |
Bitola dianteira/traseira | 1.511/1.498 |
Distância mínima do solo | 140 |
CAPACIDADES (L) | |
Porta-malas | 378 |
Tanque de combustível | 63 |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) | 8,6 |
Velocidade máxima (km/h) | 216 km/h |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 5ª (km/h) | 34 |
Rotação a 120 km/h em 5ª (rpm) | 3.500 |
Rotação à velocidade máxima em 5ª (rpm) | 6.350 |