Olá, amigos autoentusiastas. Antes de mais nada quero me apresentar: meu nome é Douglas Loiola, sou pediatra há 25 anos e além da medicina tenho paixão pelos automóveis e toda sua história.
Acredito que muitos já me conheçam (apesar de ser leitor assíduo não costumo comentar) pelas matérias com o Cadillac De Ville conversível 1970 feitas pelo Arnaldo e Paulo Keller e em Interlagos com o Bob Sharp. Também estou sempre no rali do Jan Balder com o Camaro. Essa paixão automobilística acabou por me aproximar de alguma forma de vários editores do AE através de encontros de carros promovidos pelo próprio AE, como por amigos em comum.
E olha que turma incrível: Carlos Meccia e Josias Silveira, que encontrei em Tatuí, estou rindo das histórias dos dois ate hoje; Wagner Gonzalez também é uma simpatia e manja muuuito de vinhos; Daniel Araújo, que encontrei no Velo Città e me deu uma aula sobre o Gol a ar e seu motor; no Box 54 conheci o fantástico Alexander Gromow, Roberto Nasser e Ronaldo Berg. Também não posso esquecer do amigo Juvenal Jorge, detalhista e antenado em tudo quando analisa um carro. Sem contar o MAO e sua BMW Touring.
Mas tenho que deixar um comentário especial para três figuras ímpares: Arnaldo Keller — o homem dirige muuuuito mesmo, tive o prazer de andar ao seu lado com o Camaro em Interlagos; meu grande amigo Paulo Keller — nos divertimos muito nas Autobahnen e em Nürburgring recentemente (mas essa história fica para a próxima), e por último alguém muito especial por quem eu tenho um imenso respeito, admiração e carinho também não só por toda sua bagagem técnica e jornalística, mas pela pessoa humana que é — Bob Sharp!
PESADELO NA ESTRADA
Mas vamos a essa “história de leitor”. Após conseguir uma folga na rotina estressante da vida de hospital, estava indo visitar alguns parentes no interior de Minas Gerais,viagem que já fiz dezenas de vezes, quase mil quilômetros de distância. Com 30 anos de habilitação jamais me envolvi em algum acidente.Todos que me conhecem sabem do zelo e carinho com que cuido de todos meus carros, sempre em perfeitas condições! Aliás carro para mim é como filho, se é para ter tem que cuidar, e bem, caso contrário melhor nem ter.
Estava com minha esposa Juliana e minha filha Luísa (2 anos) no BMW 535i (N.d.E.: a foto de abertura é ilustrativa apenas; o BMW do autor da história é idêntico) e meus outros meninos, já bem maiores, haviam ficado na casa de primos no interior de São Paulo curtindo a última semana das férias. Sei que sou meio pé de chumbo na estrada, mas naquele dia estava bem tranquilo e no trânsito sempre trato a todos com respeito e educação (aliás, educação é tudo na vida e obrigado pai e mãe pela educação que me deram).
Naquelas estradas sem acostamento cheia de ondulações e buracos, numa curva cega à esquerda, onde só se enxerga quem vem em sentido contrário em cima da hora, sou surpreendido por um caminhão com uma caçamba cheia de entulho e barras de ferro invadindo completamente minha pista. Foi quando notei inúmeras barras de ferro e outros materiais se soltando da caçamba que não estava coberta vindo em minha direção.
Aí aconteceu o pior a: caçamba que não estava presa se soltou do caminhão, o choque era inevitável, eu já estava com uma roda na terra praticamente subindo o barranco à minha direita conseguindo evitar o choque frontal, porém a caçamba me acertou bem na coluna A e praticamente arremessou o BMW contra o barranco. O choque foi seco, forte, violento lembro-me de antes ter gritado “segurem que vai bater!” e ter visto várias barras que haviam se desprendido da caçamba vindo em direção ao para-brisa. Num ato instintivo me abaixei para o lado direito praticamente colando minha cabeça no console central do BMW. Mais tarde descobri que aquilo havia salvo minha vida!
O barulho foi indescritível. O carro enfim parou, gritos e choro por todos os lados, todos os airbags haviam disparado, levantei a cabeça tremendo e, perplexo, vi que uma barra de ferro havia perfurado o vidro e parado a cerca de 2 ou 3 cm do encosto de cabeça do motorista. Destruição total!
Porém minha preocupação era com minha filha e minha esposa, consegui abrir a porta e as retirei do banco traseiro. Luísa, que estava na cadeirinha, chorava muito e dizia “dodói”, apontando para coxa direita, e Juliana em prantos reclamava do pescoço. Nesse momento de desespero, como se algo divino me acalmasse, pensei, faça seu trabalho! Pois o que fiz a vida inteira com os outros, salvando vidas, tinha que fazer agora com minha amada família!
Então comecei, vias aéreas livres, sinais vitais ok, carreguei-as com cuidado e as deixei retinhas no chão e pedi que não se mexessem. Lembrei de sinalizar o acidente, peguei o triângulo e corri, meus pulmões a pleno se enchiam com o ar frio da manhã naquele dia, nem o Bolt me pegaria!
Voltei para as meninas e me lembrei do estojo de primeiros socorros no porta-malas do BMW, peguei a tesoura e uma atadura. A pequena Luísa ainda reclamava da coxa direita, então cortei sua roupa e vi um edema na região próxima da coxa — poderia haver uma fratura — pensei. Precisa de uma tala para imobilização, então veio a luz, tirei placa dianteira do para-choque e enfaixei sua perna imobilizando-a, e lhe dei umas gotas de remédio para dor e a cobri. Ela se acalmou e me deu um beijo em minha mão.
Agora era vez da Juliana e seu pescoço, preciso de um colar cervical, mas como? Então cortei um pedaço de uma caixa de papelão, passei a faixa e pronto, já tinha um colar cervical. Estava com minha maleta, então tinha estetoscópio e otoscópio, fiz ausculta cardíaca e pulmonar e verifiquei abdômen e reflexos pupilares das duas, tudo ok graças a Deus!
Então sentei ao lado delas e olhei a pista. Dejetos e pedaços de metal por todo lado e a caçamba ali, e o caminhão havia ido embora, sumiu, e eu sem sinal de celular!
Passaram -se longos minutos quando um carro passou e nos levou ao hospital em Juiz de Fora. Lá, após exames de tomografia, realmente Luísa havia sofrido uma fratura no fêmur e Juliana lesão em dois lugares na coluna, porém sem maior gravidade. As duas devem ficar de molho por dois meses, mas sem quaisquer sequelas. Luísa com gesso e Ju com cinta e colar cervical.
Já à noite no hospital o colega médico me chama e diz : “Espere aí, você também é acidentado, já fez seus exames?” Não havia feito nada ainda, minha única preocupação era com as meninas. Então fiz tomografia de corpo inteiro e nada, nem um arranhão!
Fui até o quarto onde elas estavam e as duas dormiam após tanto sofrimento. Saí de lá e sentei no chão mesmo no corredor do hospital e aí desabei, chorei muito aquele choro de lavar a alma; chorava por tudo que havia acontecido; chorava por elas graças a Deus estarem bem, mas também chorava (para aqueles que tem fé e realmente acreditam em Deus seja ele de que religião for) porque aquele dia 27 de julho, além de realmente ser o Dia do Pediatra pelo calendário, era o dia do aniversário de meu falecido e amado pai!
Douglas Loiola
São Paulo
P.S.: A polícia me informou posteriormente ter localizado o motorista que abandonou o local do acidente sem prestar socorro e o caminhão. Este não não tinha mais os pontos para amarrar a caçamba, que estava apenas pousada na carroceria!