Em tempos de fake news, pós-verdade e outros modismos fica até difícil saber o que é fato e o que não. Ou mesmo o que está corretamente contado e o que não. Por isso acho louvável e acompanho com interesse os grupos de checagem de notícias que surgiram não apenas no Brasil mas no exterior, já que desse mal de espalhar mentiras ou semimentiras, quando não interpretações errôneas, não somos pioneiros nem trata-se de doença endêmica em terras tupiniquins.
Mas como fazer quando a menor informação é controversa? Refiro-me (lá vai a ênclise que estava devendo havia tempo) ao comentário de um jornalista na semana passada. Ao narrar o acidente entre dois carros acontecido em São Paulo e comentado aqui pelo Bob, quando dois veículos colidiram num cruzamento no qual os dois sinais estavam em amarelo piscante, o repórter disse que “não há preferência neste caso”. Como tantas coisas no Brasil eu diria: veja bem…
A ideia de deixar o sinal em amarelo piscante depois de um certo horário é, para mim, um horror. Sei da questão dos assaltos. Moro em São Paulo desde minha adolescência e, sinceramente, não tenho uma solução para a questão da segurança. Nem para São Paulo nem para as outras cidades onde isso acontece. Mas não acho que o sinal no amarelo piscante tenha trazido bons resultados, justamente por casos como este.
Claro que a culpa maior é dos motoristas, que não diminuem a velocidade nem olham para os lados, redobrando a atenção, como deveriam.
E aí começam as controvérsias. O que diz nossa legislação? O Código de Trânsito Brasileiro (CTB), no Anexo II, item 4.2.1, que trata da sinalização semafórica de advertência diz que: no caso de grupo focal de regulamentação, admite-se o uso isolado da indicação luminosa em amarelo intermitente, em determinados horários e situações específicas. Fica o condutor do veículo obrigado a reduzir a velocidade e respeitar o disposto no artigo 29, inciso III, alínea ‘c’” (preferência de quem vem à direita, em cruzamentos não sinalizados). Destaco que somente é prevista a posição de amarelo intermitente e não vermelho intermitente como têm optado alguns órgãos de trânsito.
Até aqui, parece claro, não? Mas lembrem-se, caros leitores, estamos no Brasil. E como quase tudo por estas paragens é “veja bem…”. Pois eis que o Anexo II do CTB foi substituído pelos Manuais Brasileiros de Sinalização e o manual de Sinalização Semafórica diz que: “Os controladores semafóricos eletrônicos permitem a programação, por horário, para operação em amarelo intermitente. Nesse caso o condutor do veículo fica obrigado a reduzir a velocidade e respeitar o disposto no Art. 29, inciso III, do CTB“.
Novamente lembro que o repórter disse que não há preferência — então, lá fui eu pesquisar, pois de cabeça lembro que, se não há sinalização, é praxe que a preferência seja de quem vem pela direita. Novamente, veja bem…
Encontrei várias sentenças de juízes de diversos estados dando ganho de causa em casos de colisão ora a um ora a outro, ora a nenhum dos dois. Em alguns casos, eles deram sentença seguindo, e citando o Artigo 29 e puniram quem não respeitou a preferencial. Em outros casos, entenderam que não há que se falar em direito de preferência de passagem no fluxo de veículos porque “de acordo com o Artigo 89 do CTB, as indicações do semáforo prevalecem sobre os demais sinais, bem como as indicações dos sinais prevalecem sobre as demais normas de trânsito. Logo, prevalece o semáforo sobre as normas de trânsito e isso afasta a preferencial nos cruzamentos”.
Alguns julgadores vão além e alegam que o mesmo CTB admite dois tipos de sinalização: de regulamentação e de advertência, sendo que este último “tem a função de advertir da existência de obstáculo ou situação perigosa, devendo o condutor reduzir a velocidade e adotar as medidas de precaução compatíveis com a segurança para seguir adiante. Essa sinalização semafórica de advertência se caracteriza exatamente pela composição de uma ou duas luzes de cor amarela, cujo funcionamento é intermitente ou piscante alternado, no caso de duas indicações luminosas. Ou seja, a sinalização semafórica de advertência não controla o trânsito, e sim adverte sobre a existência de obstáculo ou situação de perigo”. Assim, muitos consideram que ambos veículos envolvidos num acidente num cruzamento com farol em amarelo piscante têm a mesma culpa.
Como diria o poeta, e agora, José?
Pessoalmente, não faço a menor ideia. Sempre acho a legislação brasileira confusa. Não entendo por que temos uma constituição com mais de 400 páginas (sem considerar todas as emendas feitas desde 1988) e mesmo assim a toda hora é desrespeitada ou reinterpretada livremente com argumentos como que algum item não é suficientemente claro. Para os Estados Unidos basta uma, redigida em 1787 e com somente 27 emendas desde então, e que tem 5 páginas. Ou mesmo a Argentina, que com todas as emendas e atualizações feitas até agora tem 28 páginas. O mesmo acontece em vários países. Isso sem falar nos diversos tipos de justiça que temos. Quando comentei com um amigo norte-americano que no Brasil existe uma “justiça desportiva” ele não entendeu nada. Nem podia. Lá, casos de clubes de futebol envolvidos em qualquer tipo de ilícitos são julgados, vejam só, pela justiça comum. O mesmo com partidos políticos. Mas no Brasil temos também uma justiça eleitoral.
A única coisa clara e quase unânime (quando se fala de legislação no Brasil jamais uso a palavra unânime. No máximo, “quase unânime” o que é um óbvio contrassenso) que achei quanto aos sinais em amarelo piscante foi que deve-se seguir o que está no Capítulo III, Artigo 44: Ao aproximar-se de qualquer tipo de cruzamento, o condutor do veículo deve demonstrar prudência especial, transitando em velocidade moderada, de forma que possa deter seu veículo com segurança para dar passagem a pedestre e a veículos que tenham o direito de preferência.
Um par de anos atrás cheguei a ver alguns projetos de lei que falavam em cancelar as multas por atravessar no farol vermelho, sem mexer nas luzes, depois de um determinado horário à noite, mas nenhum deles foi adiante.
OK, não vamos entrar na questão do direito de preferência se não voltamos ao looping anterior e eu preciso entregar esta coluna até terça-feira à noite, tá?
Caros leitores, observem que não entro aqui no mérito de se está certo ou não que haja ou não preferência no caso do amarelo piscante. No trânsito, como em tudo, quero apenas normas e leis claras. Detesto interpretações, brechas, etc. Adoro gradações de cinza na poesia, nas artes plásticas, mas nas leis tem de ser preto no branco.
Em alguns países como Estados Unidos (vi isso também recentemente na Finlândia, se não me engano, mas pode ser que tenha sido Estônia) pode-se fazer conversões mesmo quando o sinal está vermelho, desde que indicado expressamente e após a parada total do veículo. A não ser que eu tenha visto muito nitidamente a placa, o que não é o caso quando se está em lugar onde está nevando, por exemplo, não viro pois isso é sempre exceção e não regra. Geralmente, tomo alguma buzinada na orelha e aí sim, faço a conversão. Obviamente lá funciona porque as pessoas realmente param totalmente antes de fazer a conversão e olham, mas é algo que não recomendaria fosse adotado aqui. Por isso é que sou contra exceções no Brasil. Acho que aqui deve ser: pare no vermelho. E pronto. Nada de “pode virar depois de parar”. Já pensaram? Alguém acha que um motorista nestas terras pararia? Desculpem meu desânimo, mas não aposto uma moeda de 3 centavos nisso.
Mas voltando nas empresas e nos grupos de checagem, quem cravaria que o repórter acertou ou errou ao dizer que não há preferência em cruzamento com sinal em amarelo piscante? Se nem juízes, que devem julgar e sentenciar chegam a um acordo, como é que jornalistas/checadores o farão?
Por mim, pode ter preferência ou não. Mas deixem isso claro, pelamordedeus! E que seja sempre da mesma forma. Não dá para ficar mudando a toda hora, abrindo exceções. Quem vai lembrar que a preferência é de quem vem pela direita, mas em caso de lua cheia pode ser que não se aplique? Ou que você pode furar o sinal se estivermos no equinócio da primavera (ops, mas isso era no Hemisfério Norte ou no Sul?). Desculpem, mas assim é realmente difícil até mesmo decidir o que é “fato” e o que é “fake”.
Mudando de assunto: este é totalmente off topic, mas diz muito sobre nosso país. Passei quase quatro semanas tentado fazer uma compra por e-mail pois o site da empresa está fora do ar há três meses (hã? Tempo real? Ferramenta de vendas? O que é isso?). Mando cinco perguntas, numeradas, mas as dificuldades começam logo na primeira. Coisa mais ou menos assim:
Gostaria de comprar 6 unidades do item X, modelo A ou B, dependendo do preço (favor informar se há diferença e qual é).
Resposta da fábrica: qual dos dois modelos você vai querer?
Eu: depende do preço. Poderia me informar se há diferença?
Fábrica: tem diferença, sim.
Eu: entendo que tenha diferença. Qual o preço do item A e qual o do item B?
Fábrica: tem diferença, mas é pequena.
Desisto de insistir nessa pergunta e volto a outra questão, quem sabe dou mais sorte? Pergunto se eles entregam no meu endereço e qual o valor do frete.
Fábrica: preciso saber se você vai querer o modelo A ou B para fechar a proposta e calcular o frete.
É mole? E esse é o departamento comercial da empresa… Chequei numa loja de varejo o preço do modelo A e do B, vi que a diferença era pequena, escolhi o mais caro, que era mais bonito e fechei a encomenda. Adivinhem como terminou a história? Claro, o pedido veio errado.
NG