Esta lista apareceu naturalmente, por sugestão do Bob, na esteira da minha última lista de melhores peruas usadas.
Esta é na verdade uma celebração de outra coisa em viés de baixa, como as peruas: a indústria nacional. Já fomos prolíficos desenhadores de automóveis, mas caminhamos a passos largos a apenas produzi-los, e ainda assim graças a políticas protecionistas apenas. Tire as proteções, a indústria nacional morre. Foi o que aconteceu na Austrália recentemente.
Mas trabalhando em indústria multinacional transplantada, o brasileiro por muito tempo criou carros brasileiros. Baseados em coisa de fora, claro, mas nem por isso menos verde e amarelo. Como vocês podem ver na lista, a história é cheia de coisa interessante criada por brasileiros para brasileiros. E muitas peruas! Mas além delas, indubitavelmente já fomos melhores, ponto. Há algum tempo atrás fiz uma série sobre isso, a criatividade automobilística brasileira.
Mas hoje cada vez mais somos escravos das vontades alheias. Nossa criação caminha a passos largos a extinção, apesar de algumas exceções. E as peruas, coitadas, cada vez menos presentes, sejam criadas aqui ou transplantadas. Até importadas estão ficando raras.
Logan não ganhou aqui a peruona europeia Dacia MCV; seu concorrente Cobalt também ficou sem esta versão, apesar de aparentemente perfeito para tanto. Não existe mais Parati, não existe mais Fielder. A Golf Variant, fantástico carro, vai minguando vendas.
Então para lembrar a grande variedade de peruas em nosso mercado, aqui vai mais uma lista. Em ordem cronológica, são elas:
1) DKW-Vemag Universal/Vemaguet (1956-1967)
Pouca gente lembra, mas o primeiro automóvel de verdade a ser produzido no Brasil (se você descontar o Romi-Isetta) foi uma perua: a DKW F91 Universal, produzida aqui pela Vemag. Ainda era montada com muitos componentes importados, mas em 1958, já em sua definitiva versão F94, de carroceria mais larga — na Alemanha era a Grosser DKW (Grande DKW) se tornou o primeiro automóvel brasileiro, segundo as definições governamentais.
A Vemaguet, como todo DKW, é uma delícia de guiar. Estabilidade impecável no idioma moderno de tração dianteira. Um três-cilindros em linha dois-tempos com apenas sete partes móveis, que apesar de pouco potente para os padrões modernos (44 cv), é uma abelha giradora única, algo incrível de experimentar. E um delicioso câmbio de quatro marchas na coluna de direção.
Junte-se isso com a praticidade de uma perua, e se tem um pacote extremamente desejável.
2) Brasinca 4200GT Gavião
O Gavião é o unicórnio automobilístico brasileiro: somente um foi fabricado, e desapareceu da face da Terra pouco tempo depois, para nunca mais ser encontrado.
Uma peruinha muito legal baseada no incrível 4200GT de Rigoberto Soler, era obviamente um GT como ele, e equipada também com o Chevrolet seis em linha 261 (4,2 litros) de três carburadores SU do cupê. Como ele, era capaz de passar dos 200km/h, algo incrível então.
Feita para ser viatura da polícia rodoviária, dizem ter sido usada por algum tempo pelo primeiro grupamento da Polícia Rodoviária Federal, sediado na rodovia Anchieta ao lado da Karmann-Ghia, antes de desaparecer por completo.
3) Chevrolet Opala Caravan SS6 (1978-1980)
Em 1976 o Opala SS6, com seu seis em linha bravo chamado 250-S, era o carro mais veloz do Brasil segundo a revista Quatro Rodas. Sei que este fato é controverso, pois a revista testava em pista curta, mas vale apenas o seguinte: era um dos mais velozes carros nacionais.
A Chevrolet Caravan, versão perua do Opala lançada em 1975, recebe também a versão SS em 1978. O mais veloz podia ser uma perua também! O motor forte 250-S, diga-se de passagem, era opcional em toda linha, mas a versão SS, com seu painel com conta-giros e volante esportivo, além da bonita decoração interior e exterior, é a que entra nesta lista. Uma perua que fazia uma imitação bem próxima de um muscle-car americano.
4) VW Variant II (1978-1981)
O Bob sempre fala, com toda razão, claro, que a Variant II foi um erro. Que a VW devia ter trazido a Passat Variant alemã em seu lugar. Já imaginaram? Ia ser realmente interessante, e talvez realmente muito melhor recebida que a Variant II.
Isso porque ela sempre teve um motor pouco potente para seu tamanho. A Variantona é grande, equivalente a uma Caravan em espaço interno, mas o motor é o velho conhecido arrefecido a ar do Fusca, com 1.584 cm³ e 54 cv (65 cv brutos declarados na época).
Então por que está aqui? Por dois motivos.
Primeiro, porque é um interessante e diferente projeto nacional. A suspensão dianteira é McPherson, parecida com a do Passat, a direção é moderna pinhão e cremalheira, e usa freios a disco na frente. Atrás são braços arrastados. Uma configuração excelente, parecida com o VW411 alemão, ao Porsche 911 e ao Porsche 924 (este de motor dianteiro).
Além disso, o espaço interno é incrível, com porta-malas gigante atrás (motor de “ventoinha baixa”), e grande também na frente, quase nenhum espaço tomado pela mecânica, e laterais bem retas. Pode ser lento, barulhento e beberrão pelo seu motor antigo, mas não sem suas vantagens.
E segundo porque meu sogro teve uma nos anos 80. Não posso nem devo contar as loucuras que vivi nela, mas posso dizer que era um carro gostoso de dirigir, estável, previsível, e que me salvou da morte certa algumas vezes. Eu sou um fã.
5) Chevrolet Chevette Marajó (1980-1987)
A Marajó nunca teve tanto sucesso quanto o Chevette sedã. Mas era ainda melhor que ele: com mais peso atrás, tinha distribuição perfeita de massa nos eixos (50%/50%), e por consequência era ainda mais estável e neutra que o sedã. Sim, isso é possível. A saudosa revista Motor 3 a proclamava como “o carro mais estável do Brasil”.
Outro carro que povoou meus primeiros anos ao volante: a 86 de minha mãe foi meu primeiríssimo carro, o que contribui muito para o fato de eu ainda estar vivo.
6) Ford Belina 4×4 (1985-1987)
O Corcel II e sua versão perua Belina são talvez os mais emblemáticos carros brasileiros. Não existem em outro lugar, e só poderiam ter sido feitos aqui. Baseados no Renault 12, até o fim tinham as rodas de três furos que é tradição Renault, agora de volta nos Kwid. Mas foram muito modificados pela Ford, e em certo ponto de sua história até receberam motores e câmbios VW!
Existem muitas Belinas interessantes que poderiam estar na lista. Gosto muito, por exemplo, das primeiras Del Rey Scala. Ok, nem chama Belina essa, mas vocês entenderam. Mas a mais interessante e diferente de todas elas sem dúvida foi a versão de tração 4×4 temporária, de vida curta e cheia de problemas, mas de qualquer forma, um carro interessantíssimo.
7) Chevrolet Omega Suprema (1993-1996)
A última perua grande feita no Brasil é também algo sensacional: carro alemão de Autobahn no idioma de Mercedes E e BMW 5. Uma perua enorme, extremamente útil, e um cruzador de estradas de primeira linha. A minha com o seis em linha Opel de 3 litros e câmbio manual, por favor.
8) VW Parati turbo (2000-2005)
A VW Parati é talvez a perua nacional de maior sucesso. Teve vida longa e interessante, com um sem-fim de versões desejáveis. Desde a primeira, com mecânica derivada de Passat, é um carro muito gostoso de dirigir.
Pensei em colocar aqui a rara versão GTi 16V, a mais potente e veloz de todas. Mas pensando bem, a versão 1.0 turbo é a mais interessante de todas. Tenho experiência pessoal aqui: em 2002 comprei uma Crossover turbo, preta, zero km.
O 1,0 turbo teve problemas hoje conhecidos e repetidos à exaustão; vou falar portanto só da parte boa. Era um motor fantástico, pequeno, mas tão potente quanto o dois litros. Estado da arte então, com duplo comando, 4 válvulas por cilindro, e turbo com intercooler. Fazia 14 km/l em estrada e atingia 200 km/h; mas não os dois juntos, claro. Foi uma visão do futuro, hoje presente, de pequenos motores extremamente potentes em carros de família.
Mas não na carroceria perua; esta, sumiu da família Gol, como de tantas outras famílias Brasil afora.
9) Toyota Fielder (2004-2008)
O Corolla é um grande carro. Tamanho sucesso não vem à toa. Pode não ser um carro esporte, mas ter um é sempre uma experiência agradabilíssima, o que faz clientes voltarem.Pena que hoje não temos mais a versão perua dele, algo que fez tremendo sucesso aqui de 2004 a 2008. Meu cunhado adorava a dele, e depois que pararam de fazer peruas, passou para Citroën (Picasso) e depois Honda (HR-V). Toyota, preste atenção. Cliente perdido demora a voltar — se voltar.
10) Renault Mégane Grand Tour (2006-2012)
Outra excelente perua que não teve sucessor, e que foi um sucesso danado enquanto existiu. Sim, este sucesso em parte se deve a preços baixos praticados, mas é uma pena que tenha sumido completamente, deixando-nos praticamente sem opções a não ser o mercado de usados.
MAO