Este texto da continuação sobre o Blue Cloud 2018 (foto de abertura) já estava pronto quando numa manhã de sexta-feira acordei com diversas mensagens informando o passamento de um dos meus Mestres, meu amigo Roberto Nasser. O nobre jornalista, quem sempre admirei pelo conhecimento e belos textos, deu-me a honra de brindar este “escriba luso-brasileiro” com sua amável e atenciosa amizade, entre as oportunidades que ele me ofertou está a de dirigir, pela primeira vez, uma DKW-Vemag Vemaguet com embreagem automática Saxomat.
Para contar esse breve relato, precisamos nos transportar ao ano de 2007, quando o Galaxie brasileiro completou 40 anos. Em meu ofício de escrever e abordar a história dos automóveis, procurei o prestativo amigo Nasser para incluir na pauta uma das peças de sua coleção, o Landau presidencial que estava no acervo do Museu Nacional do Automóvel, em Brasília. Como deslocamentos sempre aumentam o valor de investimento em pautas, temos o hábito de aproveitar para fazer mais de uma matéria, e mais uma vez o Nasser colaborou me indicando o seu amigo José Mattos, de Brasília, e sua DKW-Vemag Vemaguet 1967 — uma das últimas produzidas, em novembro daquele ano— sem pedal de embreagem. Foi assim tive a oportunidade de dirigir o carro.
De volta a 2018, uma semana antes do Blue Cloud deste ano, passei por Botucatu para visitar grandes amigos e comemorar o aniversário do piloto e colecionador Dimas de Mello Pimenta Filho. A festa, na Fazenda Dimep, seria só no domingo e aproveitei o sábado com amigos da cidade passeando com um Galaxie 500 1967, e eis que me encontro com o Marcelo, que é apaixonado por DKW-Vemag Fissore e tem o pitoresco costume de instalar o Saxomat em seus carros. Então dirigi mais um DKW com este sistema que elimina o pedal de embreagem, mas dessa vez um Fissore.
O Saxomat apenas dispensa o pedal de embreagem, na realidade o câmbio e boa parte do sistema é o do conjunto de mudanças convencional do câmbio manual de quatro marchas. A embreagem é acionada de duas maneiras. Uma, por um platô especial com massas centrífugas em conjunto com um volante de motor específico. Em marcha-lenta essas massas estão recolhidas e a placa de pressão do platô é afastada do disco, desacoplando a embreagem. Pode-se engatar a primeira normalmente. Ao acelerar as massas se expandem e a placa de pressão aproxima-se do disco, iniciando o movimento do carro.
Porém, estando o motor girando acima da marcha-lenta as massas estão expandidas e a embreagem está acoplada. Para que ela desacople e permita as trocas de marchas, há um servo a vácuo para desacoplá-la. Para o servo funcionar, uma válvula eletromagnética (solenoide) é atuada por um microinterruptor elétrico na base da alavanca de câmbio, comunicando assim o vácuo do coletor de admissão com a câmara de vácuo do servo. A cada troca de marcha, ao tocar na alavanca a embreagem é imediatamente desacoplada, igual ao que seria feito pelo pedal da esquerda.
O sistema era fabricado pela fabricante alemã de embreagens e fornecedora da indústria automobilística Fichtel & Sachs e aplicado em veículos de várias marcas, como Mercedes-Benz, Opel e Borgward.
Algo parecido foi usado, mais tarde, em 1999 no Mercedes Classe A e início dos anos 2000 em carros como o Fiat Palio Citymatic e Chevrolet Corsa Autoclutch, mas não havia mais a parte centrífuga do platô, o controle era totalmente eletroeletrônico. Mas, incompreensivelmente, não teve sucesso junto aos consumidores, pois eliminava o mais cansativo no trânsito anda e para, o uso da embreagem, e não ficou muito tempo em produção.
Chegou a data do Blue Cloud e com ela o tema da minha publicação anterior aqui no AEs. Chegou, também, a admiração ao evento que não frequentava há muitos anos e nunca tinha vivenciado de maneira tão intensa. Lá conheci um grupo de argentinos que veio para o Brasil, uma parte já estava há uma semana em terras brasileiras e hospedados com o Marcelo, os demais vieram rodando com seus maravilhosos DKW fabricados na Argentina pela Indústria Automotriz Santa Fé, sob licença da Auto Union GmbH — como foi com a brasileira Vemag — de 1960 a 1969.
No evento, em Poços de Caldas, também reencontrei o Roberto Fróes, mais um amigo que fiz por conta de matérias e que mora no Rio de Janeiro. A primeira vez que o vi foi por conta do seu DKW-Vemag Belcar usado num dos clipes do cantor Gabriel, O Pensador, mas dessa vez o carioca levou à estância turística de Minas Gerais um outro modelo, reprodução do DKW “carretera” de pista modificado pela Vemag, bastante aliviado de peso e com teto rebaixado para reduzir a área frontal. Achei uma maneira muito criativa de salvar um veículo que prestou nobres serviços como doador de peças e agora retrata um outro capítulo da história brasileira, dessa vez, o automobilismo.
Por falar em automobilismo, os frutos do Blue Cloud foram tão bons que levaram ao Tiago Songa a projetar para o ano de 2019 um encontro que, também, será uma prova de DKWs. O evento serána Fazenda Dimep e terá o nome de Pé-Na-Tábua Dois Tempos, uma versão ainda mais dinâmica do tradicional encontro da galera que curte a fumaça azulada. Recebi a notícia do, meu grande Irmão, Ricardo Ferron, que me fez o convite para cobrir o Blue Cloud. Se depender dos entusiastas por DKW a fumaça azul estará sempre relembrando a paixão por essas pequenas maravilhas, assim como o saudoso Roberto Nasser sempre manteve viva a paixão por carros, incluindo os antigos.
PT