O engenheiro de desenvolvimento é responsável pela interação dos atributos funcionais do veiculo, requerendo o seu envolvimento com o projeto, testes e avaliações, tanto em campo de provas quanto nas ruas e estradas, analisando as varias situações reais que o consumidor vai se deparar. Para tal, requer do profissional um amplo conhecimento interativo do produto, discernimento e disponibilidade para viagens tanto no Brasil quanto no exterior.
Os atributos funcionais indicam os sistemas que independentemente interagem entre si, indicando o melhor caminho para que o consumidor fique satisfeito. Cada atributo, explicitado em seus detalhes, daria para escrever um compêndio:
- Conforto de rodagem
- Direção
- Estabilidade
- Ruído do conjunto motriz
- Ruído de componentes eletromecânicos
- Ruído de vento e de rolagem
- Freios
- Sensação de desempenho
- Dirigibilidade
- Câmbio
- Controle climático
- Bancos e cintos de segurança
- Visibilidade e espaço interno
- Controles funcionais
- Sistemas de entretenimento
- Manutenção
- Iluminação
Todos os atributos passam pelo crivo da engenharia, em termos de testes, medições, análises virtuais e avaliações veiculares, esta ultima gerando viagens representativas dos ambientes vários que o consumidor irá se defrontar com seu veículo.
A percepção do consumidor é fundamental quando se fala em DNA da marca, por exemplo, a Ford sempre se destacou pelo acabamento interno e conforto, a VW em durabilidade geral, a GM em termos de equilíbrio entre os atributos sem grandes destaques individuais, etc. Ruídos espúrios sempre geram insatisfação e veículos silenciosos são normalmente elogiados.
Falando em conjunto motriz, os motores são calibrados inicialmente em dinamômetros que levantam mapas de torque, potência e consumo específico em função das rotações e cargas, desde a marcha-lenta até a rotação máxima especificada do motor. A calibração em veículo é feita em campos de provas e/ou em ambientes externos, ao nível do mar, em altitudes, em baixas e altas temperaturas/umidade relativa do ar, etc.
Lembro-me nos idos de 1982, eu e mais dois engenheiros, em viagem a Campos do Jordão-SP, em pleno inverno, para avaliações de dirigibilidade do Escort em clima frio e em altitude, como parte do trabalho de desenvolvimento do veículo para o Brasil.
A cidade de Campos do Jordão fica na Serra da Mantiqueira a 1.630 m de altitude, tendo o seu ponto mais alto, o Pico do Itapeva a 2030 m e no inverno, sua temperatura ambiente chega fácil a 0 °C.
A altitude afeta o rendimento do veiculo pela perda de potência. Para motores aspirados, a 1.000 m, a redução é de 10%; a 2.000 m, a queda atinge 23%; em 2.500m, chega a 31%. No Pico do Itapeva o motor estaria com 23% a menos de potencia com relação a seu valor ao nível do mar.
A estrutura da dirigibilidade inclui os seguintes pontos:
– Facilidade na partida do motor, tempo para funcionar e qualidade sonora
– Marcha-lenta, estabilidade e retorno à rotação especificada
– Suavidade nas mudanças de marcha, facilidade de concatenar o acionamento da embreagem e o acelerador durante as trocas
– Desempenho em velocidades estabilizadas na estrada e em tráfego anda e para, nas cidades- Respostas ao movimento do pedal do acelerador em todo o seu curso, acelerações e desacelerações, com progressividade
– Respostas em regime máximo do motor em várias cargas
– Facilidade de partir em rampas, considerando a modulação da embreagem e a redução do câmbio
Basicamente podemos resumir que a sensação de perda de torque/potência está intimamente ligada a efeitos observados de descontinuidades de calibração do motor.
A dirigibilidade se relaciona com a qualidade do motor em termos de gerenciamento da mistura ar-combustível e tempo de injeção e ignição. As avaliações são efetuadas na condição de motor frio e motor quente, nas diversas condições ambientais de temperatura, pressão e umidade relativa do ar.
Os principais focos são os seguintes: facilidade de partida do motor a frio e a quente, estabilidade de marcha lenta, dirigibilidade em trafego anda e para, dirigibilidade na estrada, freio motor, progressividade em acelerações e desacelerações, tempo de reação em varias posições do pedal do acelerador etc.
Avaliamos o Escort com o motor CHT 1,6 comparativamente ao original CVH 1.6, gasolina com 10% de álcool e com grata surpresa, o CHT se comportou bem, tanto em desempenho quanto em dirigibilidade.
Em outra viagem de avaliação, fomos com os dois Escort para a cidade de Teresina no Piauí, na condição de praticamente ao nível do mar (75 m de altitude) e temperaturas acima de 30 °C, repetindo todos os pontos de dirigibilidade da viagem anterior.
Na realidade o motor CHT, mesmo de concepção antiga, foi a abertura para que a Ford do Brasil fosse considerada centro de criação de produtos mundiais, graças ao programa brasileiro de exportação do Escort CHT para os países nórdicos, principalmente para a Finlândia. Este fato foi importante para justificar mais investimentos para o Campo de Provas de Tatuí e para toda a engenharia. Várias avaliações foram feitas também na Finlândia, incluindo o comportamento das borrachas, liquido de arrefecimento, óleo do motor, graxas e lubrificantes em geral em temperaturas bem abaixo de zero, podendo chegar a 20 °C negativos. Eu, infelizmente não estava lá.
Imagine para quem gosta de dirigir como nós, autoentusiastas, conhecendo novas paragens e trabalhando com prazer. Realmente não tem preço.
CM
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