Alguém se lembra da história do McLaren 720s aqui no AE de alguns meses atrás? Aquele dia foi incrível! Naquela garagem onde ficava o McLaren havia também vários Porsches e entre eles um 911 que à primeira vista achei ser um 911 qualquer dos anos 1990 e, assim, não prestei muita atenção nele. Mas. . .
No canto do meu olho vejo que esse Porsche tem algo que faz ele um pouco diferente. Lá atrás ele tem um aerofólio que me faz pensar num Porsche 959. Um 959??? Será mesmo? Não pode ser, é um carro muito raro, apenas pouco mais de 330 foram produzidos.
Na modesta oficina onde estou com aquele cavalheiro em seus melhores anos, preciso ir mais perto para ver o carro melhor. Não, isso não pode ser possível, um Porsche 959! E aquela asa parece real, não uma réplica ou acessório. Ao mesmo tempo, acho que as rodas são “simples” e pequenas, com pequenas calotas de cor única. É realmente um 959?
Se eu tivesse pensado um pouco mais eu deveria ter percebido que as calotas são pequenas demais para serem capazes de cobrir cinco parafusos de roda. Isso significa que cada roda está no lugar fixada só com uma porca central. Mas aqui e agora isso não entra realmente na cabeça. Em vez disso, pergunto ao senhor:
— Você sabe se este Porsche é um 959?
Dan franze a testa e pensa por um tempo.
— Bem, deveria ser um 959. Se me lembro direito, foi o que meu filho comprou há um ano.
Agora isso quase começa a parecer irreal. Os 959 são muito, muito incomuns e há quanto tempo eles foram produzidos? A sensação que sinto quando olho para as linhas do carro é de anos 90. Mas não foi o 959 que reivindicou ser o carro mais potente do mundo depois do Ferrari Testarossa? Eu acho que foi. Eram 450 cv contra 390 cv, se não me engano era algo assim. Então ainda deve ser do final dos anos 80. Sinto que tenho que perguntar ao senhor mais detalhes do carro.
— De que ano é, 1990?
— Não tenho menor ideia — diz o senhor — mas espere um pouco, vou pegar a chave.
Enquanto olho mais de perto o carro um tanto empoeirado, o senhor sai e escuto um barulho com algo que soa mais como um cofre do que um armário de chaves. Logo ele está de volta com uma chave de Porsche antiga. Ele abre a porta do motorista e olha em vários lugares dentro do carro.
— Não, não há documentos aqui..Então vamos abrir o capô, lá na frente. Puxa, que apertado que é aqui, você pode acessar a alavanca aqui embaixo?
O senhor ilumina com uma lanterna e eu encontro uma alavanca.
Abaixo do capô há muitos documentos sobre o carro e em um deles está escrito em italiano, primeira data de registro: 26 de setembro de1987. Ok, então ele foi produzido no ano de 1987 mesmo. Dan e eu ficamos apenas olhando o carro por um tempo, quando ele quebra o silêncio:
— Sabe que eu nunca dirigi esse? Você dirigiu um 959 alguma vez?
Eu sorrio e mexo minha cabeça: “Não, nunca.”
— Então eu acho que nós vamos sair para lavar o carro, ele está bastante sujo. Eu só tenho que antes checar com meu filho para saber se tudo está bem com o carro.
Pelo telefone, o filho responde:
— Pai, que bom, e o carro não anda há muito tempo, ótimo se você puder tirar a poeira e dar uma boa volta com ele.
Por coincidência, o filho está perto dali e quer dar uma chegada para certeza de que tudo está certo para nós.
Dali a cinco minutos o filho, de uns 40 anos de idade, chega num Bentley Bentayga, com duas bicicletas que me parecem de fibra de carbono lá atrás do porta-malas.
Curioso como eu só, pergunto ao filho como ele achou esse 959, e por que um 959, se há tantos carros bacanas nesse mundo. O filho responde que ele realmente gosta dos modelos mais exclusivos da Porsche e um 959 é o que ele sonhava há muito tempo. Esse 959 apareceu num anúncio na Europa. O preço não era baixo, mas ainda barato pelo modelo.
“Telefonei logo que vi o anúncio e disse que se o carro estivesse certo e na condição descrita, então ele poderia considerar vendido. Então peguei um avião para. . . um momento, não foi o Milão, era. . .
— Bolonha?
— Como você sabe disso?
O filho parece bastante perplexo.
— Está “BO” numa placa que está no porta-malas.
— Ah, um bom observador —, o filho comentou..
Em seguida ele contou a história de como um professor italiano, cara de professor mesmo, se confundiu, dirigindo seu carro habitual quase pendurado sobre o volante, levando meu novo amigo e hoje dono dessa maravilha a uma casa abandonada nos arredores de Bolonha. O jardim estava desleixado, a casa pertenceu à mãe do professor, que havia deixado a vida na Terra um anos atrás.
Agora a casa será vendida e então não havia lugar para o antigo Porsche do professor, logo o carro também teria de ser vendido. Para o comprador certo, note bem. O rapaz de repente percebe que o negócio não é tanto sobre se o carro é bom, mas se ele é um comprador digno do carro.
— Voei de volta para a Suécia e esperei por uma mensagem do professor. Acho que ele tinha algum professor amigo na Suécia que foi contatado para me checar— ri o filho. — No final, fui aprovado e o carro foi transportado para casa, atendido e inspecionado.
Agora o senhor se senta ao volante e liga o motor de seis cilindros boxer. O motor se firma numa marcha-lenta boa. Mas saem vapores brancos do escapamento, mesmo que esteja quente na oficina. Essa não, que triste, será que água entrou em um cilindro? Espere aí, água? O motor não é arrefecido a ar?
Que os cabeçotes são arrefecidos a água é coisa que eu naquele momento não sabia. O filho parece completamente informado e instruiu seu pai sobre a os controles de amortecimento. Depois de um tempo a fumaça desaparece, e depois eu soube que este é um fenômeno conhecido no 959.
Tão rápido quanto o filho chegou, foi embora, e o senhor e eu nos preparamos para dar uma volta com o carro. Mas agora há um problema. O 959 é provavelmente o primeiro carro do mundo com aviso de pressão de pneu no painel de instrumentos, e há uma luz vermelha para a roda dianteira direita.
Ao mesmo tempo, toca um sinal ou alarme bastante perturbador. Eu pulo do carro e ando em volta para ver os pneus, que parecem normais. O senhor ainda está sentado e mexe algumas vezes no freio de mão. “Dê partida de novo”, digo-lhe. Ok, melhor, não soará mais, mas ainda a luz vermelha na frente continua acesa
Na rua o senhor acelerara meio modestamente e nós ficamos escutando o motor meio rouco. Quando chegamos ao posto, pergunto duas vezes se o programa de lavagem é realmente sem escova. Absolutamente. Garantido. Nós entramos.
— Acha que vai entrar água no carro? — pergunto ao senhor. Ele ri.
— Espero que não, ele não é britânico!
Logo depois o senhor diz, “Opa, o que é isso?”
Ele puxa mais a porta que não estava completamente fechada, as portas de alumínio precisam de um pouco mais de força. E, em seguida, pinga um pouco de água atrás.
— Olhe — digo, está entrando um pouco de água pela janela traseira. Engenharia alemã? — pergunto ao senhor.
— Borracha velha, posso levá-lo ao mestre dos vidros um dia desses.
Com um 959 limpo e brilhando, fomos calibrar os pneus.
— Quanto é a pressão recomendada?
—- Não faço ideia — responde ele.
— Ok, então eu posso medir na esquerda que não está acesa e então coloco o mesmo na direita, assim vamos ver como fica — falo para ele.
Com o pequeno tanque de ar em uma mão, olho para a tampa da válvula da roda dianteira esquerda. O que é isso? penso para mim mesmo. A tampa tem o dobro do tamanho de uma normal. Não diga que uma conexão de válvula comum não se encaixa, ou deveria ser nitrogênio puro ou hélio no pneu? Você nunca sabe com um carro desses. Mas não, diz ou algo assim num adesivo na coluna da porta esquerda, “Atenção, só use gás especial”.
A tampa da válvula é fácil de desaparafusar e, para meu alívio, o encaixa na conexão do soquete é normal. Essa tampa parece claramente especial com seu grande diâmetro, e é devido ao fato de que há um pequeno anel de borracha no fundo que suporta um assento de metal, então a válvula não é de borracha como em um carro comum.
Lentamente, começo a perceber que esse 959 está longe de um carro comum, já que ele pode passar de 300 km/h. Não era nada para brincar na década de 1980, e hoje também não. Se eu tivesse sabendo mais detalhes desse carro, eu ia saber que essa roda “simples” na minha frente, é de magnésio, muito leve, com raios ocos. Uma roda dessas nova ia custar, pelo menos, o salário mensal de um engenheiro alemão. Se for para ser usado no inverno deve ser totalmente lubrificada com vaselina. Bem, eu não estou brincando, eu li isso mais tarde no manual do carro.
Agora com pressão boa nos pneus dianteiros, noto que todas essas manobras lentas com o carro, o calor neste dia do verão, e algumas partes de metal no corpo do senhor, faz com que ele prefira deixar o banco do motorista para mim. Eu jurei que não fiquei triste por causa disso.
—Também precisa abastecer — diz o senhor.
Eu pergunto se a tampa da gasolina está do lado direito. “Seu filho mostrou algum tipo de vareta de óleo dentro da porta do lado esquerdo?” Sim, o senhor concorda. Bem estacionado ao lado da bomba de gasolina, tentamos descobrir como abrir a portinhola ao lado direito, mas em nenhum lugar existe algo para destravar ou abrir. Olhamos em todos os lugares dentro do carro e empurramos e cutucamos de todas as maneiras possíveis na portinhola também. Ela é extremamente rígida e não se moveu nenhum milímetro.
— Mas espere, isso é um Porsche, o tanque não está na frente? — digo para Dan.
— Neste monstro também? O senhor responde com ceticismo.
Penso que deve ter algo para abrir no para-lama dianteiro esquerdo, mas lá não tem nada como em um 911 normal da época, mas tem algo no “capô”. Eu me coloco no banco do motorista novamente e pego algo que se parece como um controle de um afogador antigo, completamente sem indicação. Bingo! Do lado de fora do para-brisa, vejo uma enorme tampa cheia de energia se abrir, só falta o palhaço pré-carregado por mola pular também. Mais de 70 litros depois, esticamos nossos cintos novamente.
Como em um “carro esportivo real”, a primeira marcha é para baixo à esquerda, mas também há uma outra posição na frente da primeira. Lá não está escrito R, mas G! G como de Gelände, terreno difícil.. Essa é a única coisa em que consigo pensar. Marcha de mais força, mais baixa, em um carro que faz mais de 300 km/h? Isso é para ser mais fácil subir para a estrada novamente quando eu perco o ponto de frear e saio fora da estrada?
Eu dirijo para fora da cidade, para uma estrada rural lindamente ondulada. O motor gira bem e realmente gosta de rotações altas. Ficar em 4.000 rpm e não parece nada estressado de alguma forma. Embora o motor esteja cheio de alta tecnologia dos anos 80, a curva de potência não é linear.
Abaixo de 3.000 o motor é bastante manso, mas depois, com os 450 cv do turbo, ele se sai muito bem, não há como se perder todo o controle, mas ele chega a forte e rápido a 7.000rpm! Um motor muito legal com alguns sons diferentes e antiquados do turbo, dependendo de como você lida com o acelerador, delicioso isso.
As marchas 2ª e 3ª são como a 3ª e 4ª de um carro normal, e jogando ou trocando entre elas funciona muito bem. Entre as curvas o carro acelera bem, grande potência. Isso vem principalmente da pressão alta no turbo. Com o acelerador no fundo, o pequeno medidor de pressão mostra 2 bar! É mais do que o dobro de um 911 Turbo contemporâneo.
A direção também é brilhante e o carro aponta exatamente para onde você quer. A única coisa que eu e o senhor estamos pensando que parece um pouco “gasto” é o amortecimento da dianteira, parece um pouco “esperançoso”, assim como falta amortecimento de distensão, mesmo que o botão esteja na posição máxima. Mais tarde eu soube que este é um fenômeno comum do 959 que acontece ao longo dos anos. Um bom mecânico e algumas peças novas devem ser capazes de remediar isso.
Atrás do volante deste Porsche 959 fico nas nuvens, que experiência incrível esse. Depois de um bom tempo eu entro em um estacionamento vazio em uma pequena comunidade. É hora de entregar o volante para o senhor de novo, é evidente que ele está com vontade de dirigir novamente. Primeiro, nós abrimos a tampa do motor para olhar um pouco. Ela é gigantesca porque inclui as grades de saída de ar traseiras e tem a asa característica integrada de lado a lado.
O motor, por outro lado, parece bastante pequeno, e só se veem as unidades auxiliares, turbina axial e coletor de admissão. E sem ver entendo que no interior do motor há muitas coisas exclusivas e caras, peças de magnésio e titânio, cabeçotes arrefecidos a água e turbos duplos com interresfriadores para o ar de admissão, e lubrificação por cárter seco com 18 litros de óleo!
De volta ao banco direito, é possível estudar a cabine um pouco mais de perto. Por dentro não é realmente uma grande diferença para um Porsche 911 normal da época. Uma diferença clara é o esquema de cores. Basicamente nada é preto. Em vez disso, tudo é cinza antracite, todos os estofos, volante, proteção solar, em toda parte está essa cor cinza quase metal. O couro dos bancos tem quatro tons.
O volante é o único lugar no carro onde encontramos o texto “959”. A carroceria é completamente limpa de emblemas, exceto pelo emblema Porsche no nariz, claro. A instrumentação, por outro lado, é um pouco diferente. Tem aviso de pressão dos pneus para cada roda. Duas luzes de aviso para amortecimento e distância ao solo.
As escalas para pressão de turbo, giros do motor e velocidade são únicas e o “relógio número cinco” na extrema direita é um instrumento completamente único. Dois ponteiros analógicos mostram como os diferenciais traseiro e intermediário distribuem a potência para as rodas.
Ah, sim, mais uma coisa, o para-brisa. Em um adesivo discreto no topo, há um pequeno Achtung! O para-brisa é extraleve e fino e tem um interior de plástico! Em outras palavras, raspar a parte que está dentro do carro, é um pecado mortal, embora o decalque expresse isso de maneira um pouco mais sutil.
Na volta para casa chegamos a um caminho que leva a um “lugar de voo”. É amplo, vazio, seco e com boa visibilidade. O senhor e eu nos entreolhamos, sorrimos e acenamos com a cabeça. O senhor acelera. O boxer atrás de nós é potente, mas discreto, a pressão de turbo, duas barras, o conta-giros aumenta rapidamente, de novo e de novo. O ponteiro do velocímetro varre a escala.
Agora é hora de terminar essa história. Só posso acalmar os leitores preocupados com o fato de o que o velocímetro não estava perto dos 315 km/h, que o 959 pode atingir. O carro mais rápido do mundo em 1987.
Um pouco da história do 959
Em 1983, a Porsche mostrou o conceito de carro “Grupo B”. Os motivos foram vários, um foi para mostrar o potencial no 911 que estava em uma fase de envelhecimento e falta de desenvolvimento. Parcialmente também era uma maneira de desenvolver novas tecnologias avançadas e construir um carro para homologar no Grupo B. Isso explica por que o motor é de apenas 2,85 litros: a cilindrada de motores superalimentados considerada é aquela física corrigida por um coeficiente 1,4 (hoje é 1,7). No caso dos ralis a cilindrada máxima admitida era 4 litros, assim 2,85 x 1,4 é igual a 3,99 litros.
Como um carro quase pronto de produção, o Porsche 959 apareceu no Salão de Frankfurt em 1985 e a ideia era que a produção começasse em 1986. No entanto,tudo se complicou e a produção dos 292 carros começou com atraso em 1987. Infelizmente, os regulamentos do Grupo B foram cancelados em 1986, e havia apenas alguns 959 que vieram para competir.
A ”linha de montagem” para o 959 era fora da Porsche em Zuffenhausen, Stuttgart, pois a como o série ia ser limitado a 300 carros. A empresa Baur foi contratada para montar os Porsches 959. Baur também está localizada na área de Stuttgart. O preço por um Porsche 959 na época era de aproximados três vezes mais alto do que um 911 Turbo. E o preço para Porsche construir e montar era mais caro ainda. Hoje um 959 usado é pelo menos três vezes mais caro do que um 911 Turbo novo de 2019!
O 959 foi o carro produzido em série mais rápido do mundo quando foi lançado, 317 km/h. Logo depois, em 1987, o Ferrari F40 de 478 cv tomou esse título com poucos km/h mais, chegando a 324 km/h. Porsche contra-atacou com a liberação do 959 S. Esta versão S, com a aumento de potência de 450 cv para 515 cv, foi cronometrada a 339 km/h na pista circular de 12,5 km de Nardò em 1988.
HJ
Fotos do autor, exceto onde indicado