A garantia é um elemento de segurança para o comprador no caso de o produto apresentar um problema, dando-lhe tranquilidade. É também uma potente ferramenta de marketing, atestado pelos prazos que vêm crescendo nos últimos anos. Ficou décadas com um ano e com limite de quilometragem, prevalecendo o que vencesse antes; hoje é de pelo menos três anos e já há um caso de seis anos, o da marca chinesa JAC. O limite de quilometragem só ficou restrito a veículos de uso comercial.
Há dois tipos de garantia, a legal e a contratual. A primeira é determinada pelo Código de Defesa do Consumidor e é de 90 dias. Já a contratual é liberalidade da fabricante. É recomendável ler as Condições de Garantia do veículo que se quer comprar antes de fechar negócio e tirar eventuais dúvidas.
No momento em que o veículo em garantia apresenta um defeito, nem sempre o atendimento é o que o cliente espera. A seguir, algumas desculpas esfarrapadas que ele ou ela poderá ouvir do consultor técnico, chefe de oficina ou gerente de pós-venda da concessionária para não ser atendido.
“Desgaste natural” – Argumento campeão é o desgaste natural de embreagem, amortecedor, pastilhas de freio, pneus, etc. Ninguém ignora que determinados componentes não têm vida eterna e devem mesmo ser substituídos ao final de sua vida útil. Mas, o que define essa “vida útil”? Pneu dura 40 mil km ou 80 mil km? E a embreagem? Não há dúvida de que podem durar mais ou menos de acordo com o estilo ou maneira de dirigir do motorista, ou condições da estrada ou peso carregado.
Mas as fábricas (nem todas), por seus representantes, as concessionárias, se valem disso para se defender diante de um componente que se desgastou prematuramente e difícil de se determinar de quem é a culpa: incompetência do motorista ou falta de qualidade da peça? Mas muitas vezes o desgaste anormal se deu num grande volume de carros. Todos eles são dirigidos por “barbeiros”? A solução para estes casos, que muitas vezes vão parar na Justiça, é a emissão de um laudo técnico por um perito judicial para se determinar o culpado.
“Terceirização” – Muitas fábricas “decidiram” — assim o expressam nas condições de garantia — ter o direito de transferir responsabilidade para seus fornecedores. E o fazem com pneus, baterias, equipamento de som e outros. O dono leva o carro à concessionária alegando um problema e ela sequer se enrubesce de encaminhá-lo, por exemplo, a um revendedor de pneu da marca em questão. Mas este alega que a culpa é da roda desalinhada e o manda de volta à concessionária. E não se resolve o jogo de empurra…
“Homologado” – A concessionária instala um acessório não homologado pelo fabricante e garante para o cliente que não há problema. E honra a garantia do automóvel. Mas, um belo dia, o carro é levado à oficina de outra concessionária, que nega a garantia exatamente em função daquele componente. E a fábrica tenta também se eximir, esquecendo-se de que seu logotipo está dependurado lá na fachada da concessionária. Vários desses casos são resolvidos na Justiça, em geral, a favor do dono do carro.
“Vicio oculto” – O problema pode ser detectado assim que o carro deixa o salão de vendas. Outros, porém, podem surgir só após algumas dezenas de milhares de quilômetros, quando a garantia já venceu. A fábrica tem consciência de sua culpa no cartório, pois o defeito se apresenta num grande volume de unidades produzidas. Mas se faz de desentendida e alega que o carro “está fora do período de garantia”. Mas se o freguês é cliente fiel da concessionária, sempre leva o carro lá para revisão e outros serviços, a concessionária, sob orientação da fábrica, dá uma de “boazinha” e faz o reparo como “cortesia”. Casos frequentes são defeitos no motor ou câmbio em elevadas quilometragens, por falta de qualidade de um componente ou de projeto.
“Na calada da noite…” – É frequente o carro zero-km sofrer avarias antes de ser entregue ao cliente. Pequenas esbarradas ao manobrar, ao carregar ou descarregar da “cegonha” ou chuva de granizo podem deixar marcas na pintura. A própria fábrica ou concessionária costuma efetuar o reparo. Mas é impossível igualar a pintura original depois que o carro deixou a linha de montagem com revestimentos, cabos elétricos e equipamentos. O reparo é realizado sigilosamente e não informado ao comprador. Depois de dois ou três anos começam a surgir “inexplicáveis” manchas na pintura. A culpa? Dos passarinhos nas árvores sob as quais o dono estacionava o carro…
“Mau uso” – A culpa do defeito pode também ser atribuída ao mau uso do carro. Se não é o dono, é seu filho que “topa pegas” à noite ou se envereda por trilhas no final de semana. Ou do combustível adulterado. Excesso de peso, de velocidade ou de buracos na estrada entram também na criativa “lista negra” das concessionárias.
“Característica do veículo” – Essa desculpa é ouvida com frequência e não necessariamente é esfarrapada, mas é importante é por isso foi incluída. O cliente reclama de um barulho e lhe é dito ser característica do veículo. De fato, em grande parte das vezes é, mas não em todas. Só quem pode decidir imparcialmente, esgotadas as negociações com a concessionária ou a fabricante, é um juiz de direito, baseando-se em laudo pericial.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.