Um dos meus lugares favoritos para estar é dentro de um carro. De preferência, atrás do volante. Se tiver uma estrada legal e um som idem é algo que chega a beirar a perfeição, mas, como dizem por aí, tudo tem hora para acabar e mais hora menos hora tenho que sair do carro. E aí vêm algumas coisas engraçadas.
Posso dizer com segurança que poucas coisas em mim são convencionais e também posso dizer que sair do carro não é uma delas. Como já comentei neste espaço, tenho uma incrível facilidade para carregar eletricidade estática. Em minha última viagem, ao Atacama e ao noroeste da Argentina, lugares extremamente secos, foi uma tortura. Tomei choque a torto e a direito — nas lojas, ao escolher algum item, nas mercearias ao comprar algum item de comida (odeio embalagens metalizadas, um verdadeiro atentado contra nós, seres “estáticos”), nos restaurantes ao apoiar em algum móvel metálico e, obviamente, ao encostar no carro.
Para mim a manobra de sair de um veículo é algo que leva um tempinho. Sempre encosto a mão em algo metálico e só depois de um breve tempo, o pé no chão. Espero alguns segundos entre uma manobra e outra e somente então desço completamente. Manobra de contorcionista, mesmo. Como nem sempre isso é suficiente para “descarregar” a eletricidade, fecho sempre o carro com o pé. Suavemente, mas com o pé. Ainda assim, algumas vezes, shazam! tomo choque.
Teve lances engraçados de eu sair pulando num pé e agarrando a mão atingida e as pessoas à minha volta olharem com cara de interrogação. Outras vezes ao chegar aos hotéis e encostar em algo metálico no balcão. Chamar o elevador é algo que evito sempre. Até ando mais devagar para que outros cheguem primeiro. Se não tem jeito, aperto o botão com o cotovelo. Mesmo assim, a toda hora tomo susto e meu marido já vai logo avisando quando eu me afasto murmurando e me contorcendo: “Ela é assim mesmo, não se preocupem, está bem”. Às vezes alguém insiste em saber sobre mim e ele explica a questão da eletricidade estática. Senão devem achar que é normal eu ser possuída por alguma entidade maligna que me transtorna por segundos.
Mas, fora isso, incorporei há algum tempo um hábito que vi em alguma revista como um movimento que começou na Holanda e agora pode virar lei no Reino Unido: a manobra “Dutch reach”. Ou seja, abrir a porta sempre com a mão oposta àquela que está mais próxima da própria porta. Assim, se você é o motorista abra a porta com a mão direita. Se for passageiro dianteiro use a mão esquerda para abrir a porta.
Consultar o retrovisor do lado do motorista, com na foto abaixo, também serve, mas para isso os atuais espelhos convexos, e não planos com o da foto, não são tão adequados, especialmente numa noite chuvosa combinado com bicicletas sem nenhum tipo de iluminação.
A utilidade do “Dutch reach” é simples: condicionar o motorista ou passageiro a olhar para trás e sobre o ombro antes de abrir a porta. As consequências são óbvias: evita-se que um ciclista que passe mais próximo do veículo seja abalroado pela porta ou a atinja (em inglês existe o verbo “to door” — acho fantástico um substantivo passar a verbo) ou que a porta do veículo seja arrancada por outro que passa ou, por óbvio, que quem desce do veículo estacionado pela porta “de fora” — proibido pelo CTB, Art. 49, § Único, exceto o motorista — seja atropelado. Ou seja, é mais segurança para todos. Tem até um adesivo de lembrete, bem simples e fácil de entender.
Sempre tive o hábito de olhar para trás antes de sair do carro, seja como motorista, seja como carona. Ainda que a porta se abra sobre a calçada. E se estiver passando uma pessoa? Ou um cadeirante? Imaginem o impacto de uma porta de carro sobre um schnauzer? Vira papel de parede, coitado.
O movimento pela manobra começou depois que se observou que muitos ciclistas eram vítimas de portas de carros abertas descuidadamente. Recentemente, vi um vídeo na internet gravado aqui no Brasil que é um show de horrores. A criatura não tem a menor noção de distância nem de como estacionar um veículo. Mas se fosse apenas a demora em estacionar seria o de menos. Com o mesmo desleixo com que larga o carro, longe do meio-fio e deixando o passageiro descer com o carro em movimento, a motorista abre a porta sem olhar e derruba um ciclista que, supremo azar, é atropelado, ainda no chão, por um veículo que vem logo em seguida. Incrível é que nem a van e muito menos a motorista distraída parecem perceber a tragédia. Pesquisando, soube que o senhor faleceu logo em seguida.
Então… se esta péssima motorista pelo menos tivesse aberto a porta do carro com a mão direita teria sido obrigada a virar a parte superior do corpo para trás e muito provavelmente teria visto o ciclista. Ë praticamente impossível não ver o espelho retrovisor e atrás da coluna do carro ao abrir a porta com a mão “trocada”. Basicamente, sempre a mão que está mais longe da porta. Simples, não?
Muitas coisas na nossa vida são apenas hábitos e justamente os hábitos bons é que devem ser incentivados e ensinados desde cedo. Conheci esta dica quando já dirigia há muito tempo, embora sempre me virasse, mas tenho certeza de que se tivesse aprendido isso desde que deixei a cadeirinha e passei a sentar no banco do carro teria sido mais natural e melhor — embora eu seja muito, mas muito boa para hábitos. Diria até que tenho muita dificuldade em mudar hábitos arraigados. Quando eu estava convalescendo da ruptura de ligamentos do pé direito, há dois anos, o Bob me disse para frear meu carro automático com pé esquerdo para poupar o direito, mas perguntem se esta criatura de hábitos consegue? Das vezes que tentei freei com tanta força que se não fosse o cinto eu talvez tivesse sido ejetada pelo para-brisa. Ainda bem que tentei numa rua sem trânsito e sem saída, mas nem assim consigo. Acostumei a usar o pé direito para acelerador e freio e pronto, se não tem embreagem, não tem pé esquerdo.
Mas voltando à tal manobra, ela foi criada há cerca de 50 anos justamente na Holanda e agora está sendo adotada em outros países. No Reino Unido, onde o Código de Estradas é publicado e atualizado periodicamente desde 1931, a recomendação foi incluída depois de um incidente ocorrido em 2016 quando, ironicamente, o secretário de Transportes Chris Grayling abriu a porta do passageiro do seu carro oficial atingindo e derrubando um ciclista logo na frente do Parlamento de Westminster, em Londres.
E aqui vem algumas curiosidades. Embora a manobra tenha se originado na Holanda, hoje é proporcionalmente menos utilizada lá do que em outros lugares — mas em nenhum país é obrigatório para obter a CNH fazer isso. Basta apenas sair de forma segura. O termo “Dutch reach” teria sido criado oficialmente por um físico de Cambridge, Massachusetts em 2016 embora já tenha aparecido na imprensa dos Estados Unidos com esse nome antes desta data. Mas na última década há menção a essa forma de sair do veículo em vários países como Canadá, Austrália, Nova Zelândia e em cidades dos Estados Unidos, na maioria das vezes como “Truque (ou dica) da Mão Oposta”. Dito assim, soa meio tábua Ouija ou sessão espírita, não? Deve ser por isso que deram um nome mais pomposo mas que, de fato, acabou “pegando”.
Mudando de assunto: adorei ver o jovem Leclerc andando na frente no Bahrein. Lamentei não ter terminado em primeiro, pois fez tudo certo, mas acho que com o talento e o bom senso e maturidade que já demonstra é apenas uma questão de tempo. Já faz tempo que acho que ele é uma promessa e tanto, mas já me enganei outras vezes e, por exemplo, consigo errar todos meus prognósticos para eleição presidencial nos Estados Unidos, logo… Belíssima ultrapassagem de Hamilton sobre Vettel que errou totalmente, triste ver dois pilotos dos quais gosto muito fora da prova, Hulkenberg e Ricciardo, e Verstappen sendo Verstappen ao rodar perto do final. Assisti a corrida num lugar sem internet, apenas com a tevê aberta e cada vez tenho menos paciência com aquele locutor que acha que sabe tudo, insiste em coisas impossíveis como “limite extremo” (adoraria conhecer um limite intermediário) e que disse que era a primeira vez que Kimi Räikkönen levava os filhos ao circuito. Como não lembrar do “Kiminho” chacoalhando uma garrafinha de água mineral no pódio logo depois de ver o pai fazer isso com um champanhe no ano passado?
NG