Muito tempo atrás um amigo veio me pedir para criar um carro esportivo sobre o chassi-plataforma do Fusca.
Achei que este seria um tema interessante para vocês entenderem como são os primeiros passos do desenvolvimento de um automóvel.
Neste exato momento em que escrevo estou em uma viagem ao exterior, portanto minha única ferramenta, seja para escrever, seja para desenhar, é um IPad Pro, suficiente para criar um conceito, e claro, principalmente um desenho com suas limitações.
Esta é a imagem final, um carro esportivo muito simples mas com boas proporções, e sem grandes pretensões, que servirá somente para explicar como se desenvolve o raciocínio de um Designer quando se defronta com um desafio como este: desenhar um esportivo com um “pique” de carro esportivo típico europeu de motor central-dianteiro, mas que tenha como base mecânica o Fusca.
Não estou nem um pouco preocupado por enquanto de criar algo muito sofisticado ou entrar em detalhes devido às minhas limitações de ferramentas de trabalho nesse momento.
Na internet achei este “side view” ou seja, uma vista lateral de uma plataforma do Fusca, muito básica e antiga, mas que já serve como referência para minha explicação.
Nela vemos algumas medidas básicas, vista lateral de um desenho ortogonal do chassi.
O “Package”, desenho que demonstra o posicionamento dos principais “blocos” mecânicos da plataforma do Fusca, foi criado para um carro popular, levar cinco passageiros, motor traseiro, com tanque de combustível na frente do motorista, que na época pareceu o melhor compromisso para atender a necessidade da demanda de um “carro do povo”, mas que só ganharia o mundo verdadeiramente após a Segunda Guerra Mundial..
Agora vamos ter que desenhar um esportivo à la SP2, ou Puma, dois carros brasileiros que tinham o mesmo desafio pela frente.
A primeira coisa a fazer é reposicionar o motorista e passageiro dianteiro mais para trás na plataforma levando os bancos dianteiros para próximo da roda traseira.
Os bancos traseiros serão eliminados.
Junto com os bancos, vamos trazer os comandos do veículo: volante de direção, pedais, alavanca de câmbio e do freio de estacionamento..
Por enquanto vamos manter a distância entre eixos original e ver o que como poderia ficar a silhueta (perfil) do nosso carro.
Mantendo a distância entre eixos original do Fusca percebemos que a silhueta ficou “estranha”, desbalanceada.
O eixo traseiro parece estar muito avançado em relação às proporções do carro.
A coluna C está muito para trás, o que traz “peso visual” para a traseira, o corte de abertura traseira da porta quase interferindo com a caixa de roda traseira.
Por sua vez, a traseira como um todo parece muito “pesada”.
O banco do motorista, para um carro esporte, está muito alto na posição original do Fusca.
Portanto, vamos retrabalhar o “Package”, aumentando a distância entre eixos e abaixar o Ponto H, isto é, a posição de sentar do motorista, e gerar uma nova silhueta
Agora sim, me parece que o carro ficou melhor proporcionado.
Mais baixo, e com a coluna C caindo parcialmente sobre o eixo traseiro, o que traz uma sensação de estabilidade e um proporção melhor.
Retirando o desenho de Package que estava por trás do desenho principal, eu normalmente pinto de preto o interior das caixas de roda e gosto sempre de simular um motorista dentro da cabine para sentir melhor a proporção final.
Depois criamos os principais “gaps”, ou seja as divisões das tampas, portas, e detalhes como lanternas, faróis, espelhos e algumas referências de linhas e formas da carroceria.
Um primeiro esboço da roda, também serve como referência para valorizar as proporções.
Designers sempre exageram o tamanho das rodas, o que valoriza a proporção do carro.
Depois de ter definido todas as linhas e elementos que vão compor o desenho final, ajustado a proporção respeitando o pacote mecânico e ergonômico, começa o processo de definição e colorização do desenho.
Com as cores, sombras e luzes o Designer tenta exprimir a forma da carroceria, usando alguns truques, que variam muito, conforme a técnica e estilo de cada Designer.
Mas no fundo o que temos que respeitar, ou melhor, observar, é como a luz vai se comportar para apresentar a carroceria do automóvel proposto.
Eu, com a ferramenta disponível no momento (estou usando um programa chamado Pro Create instalado em um IPad Pro), aplico o que seria a cor geral do carro, no caso um cinza azulado.
A princípio ele é usado sem nenhuma nuance (claro e escuro), portanto chapada.
Depois vêm as nuances mais escuras, que representariam as sombras nas partes que recebem menos luz, imaginando que a luz esteja vindo por cima do veículo.
Toda parte inferior do carro recebe um tom mais escuro.
Depois parto para aplicar uma nuance mais clara da mesma cor, em alguns casos chegando até a nuance mais clara, que é o branco total, onde a carroceria recebe a luz direta.
Com isso, tentamos mostrar como a carroceria se conforma em termos de forma.
Em qualquer forma a ação da luz se comporta da mesma maneira.
Olhe para sua mão agora e observe que conforme a direção da luz, algumas áreas mais iluminadas têm um tom mais claro e áreas menos iluminadas têm um tom mais escuro, mesmo sendo sua mão de uma cor só.
Para observar este eleito da maneira mais plena, observe uma escultura em mármores branco e você perceberá como o claro e escuro provocado pela luz e sombras revela a forma.
Finalmente, partimos para detalhes, e refino das linhas e efeitos para finalizar o desenho.
Esta finalização pode demorar bastante, dependendo do nível de acabamento que você pretende da ao seu desenho.
Neste caso, mudei as rodas, dei melhor acabamentos às linhas, reduzindo a espessura das linhas de contorno, aplicando pequenos reflexos brancos e definindo melhor as zonas de luz.
Também troquei o desenho das rodas e pneus, usando uma foto como referência.
O toque final fica pela introdução de um “Background”, ou um plano de fundo, que ajuda a criar uma sensação de três dimensões, fazendo com que o desenho do carro se desprenda do fundo limpo e esteja visualmente sobre uma paisagem de fundo.
E assim, chegamos ao Sketch final, pronto para a apresentação, neste caso para vocês, queridos leitores do AUTOentusiastas.
E como todo bom Designer, estou aberto a críticas, sejam elas positivas ou negativas, assim como fazem nosso chefes!
LV