O motociclismo brasileiro vive dias conturbados e surpreendentes se comparado com o cenário de décadas passadas quando apenas duas fábricas exploravam o mercado nacional. Era uma época na qual Honda e Yamaha investiam seriamente em atividades de pista e de motocross, eventualmente enfrentando até investidas tímidas de Suzuki e Kawasaki. Eram tempos em que boas disputas de brasileiros em competições nacionais e internacionais levaram ao surgimento de uma categoria antológica no mundo verde-amarelo das duas rodas: a Fórmula CG, categoria monomarca que não apenas revelou pilotos como deu oportunidade para preparadores e mecânicos enveredar e fazer carreira no mundo da competição. Para disputar curvas com Denísio Casarini, Adu Celso, Edmar Ferreira, Walter “Tucano” Barcchi e tantos outros, expoentes em ascensão como Alex Barros, Cláudio Girotto, José Xavier Biriguí, Marco Greco & cia. passavam por estágios de aprendizado e aperfeiçoamento. Criava-se ali uma escola e um sistema que facilitaram o amadurecimento de talentos em diversas áreas, ao mesmo tempo que ensinava critérios básicos de segurança para a prática do esporte.
Décadas mais tarde o mercado brasileiro cresceu com a chegada de várias marcas, mas a gestão do saudoso Eloy Gogliano, à frente do lendário Centauro Motor Clube, e o trabalho de Wilson Abdalla, um dos mais ativos presidentes que a Federação Paulista de Motociclismo já teve, não tiveram continuidade. O que se vê hoje é um motociclismo praticado de forma rústica onde, apesar do grande apoio de fabricantes de motos, pneus e acessórios e do sucesso de público, a estrutura do esporte esfarela de forma trágica: o último fim de semana foi marcado pela morte de Danilo Berto, de 35 anos, em consequência de um acidente quando se preparava para largar para a prova da categoria Extreme. Foi a segunda fatalidade em três etapas do SuperBike disputadas em Interlagos este ano e o segundo acidente do piloto nesse torneio em menos de um ano.
Transferir para as o Autódromo de Interlagos a culpa por tais fatalidades é a atitude mais ilógica e inconsequente que se pode ter. Estudar a estrutura vigente no motociclismo brasileiro e encontrar soluções lógicas e inteligentes é o caminho a ser seguido. Infelizmente, a atitude anunciada ontem por Honda, Kawasaki e Yamaha, a retirada temporária do apoio ao Campeonato SuperBike Brasil, tem efeito ambíguo. Em consequência do acidente, elas decidiram “suspender temporariamente sua participação em todas as categorias e o patrocínio ao SuperBike Brasil, até que as causas sejam esclarecidas e medidas efetivas sejam tomadas pela organização para atestar as condições de segurança aos participantes” conforme comunicados de imprensa distribuídos ontem. Embora sensato, é difícil não enxergar nas entrelinhas dessas mensagens a expressão que inicia com o sempre lamentável “depois da casa arrombada…”
Há tempos que se questionava o apoio de fábricas e corporações a esse e outros campeonatos semelhantes; a razão dada para tal era a inexistência de projetos alternativos. Mesmo que categorias como a Júnior Cup — disputada como motos Honda Titan de 160 cm3, um revival da Fórmula CG-, justificassem o empenho, é difícil entender os critérios adotados no esporte, como um todo, para classificar a habilidade e progresso dos pilotos.
No site da Federação Paulista de Motociclismo (FPM), por exemplo, consta na página 6/24 referente ao Campeonato Paulista de Motovelocidade, que “É de inteira e absoluta responsabilidade do piloto selecionar sua classe categoria de inscrição.”
No site do evento SuperBike Brasil a página dedicada a informações para pilotos informa que o primeiro passo para participar dessa competição é fazer um curso de pilotagem, pois “O SuperBike presa (sic) pela segurança antes de tudo.” Na mesma página fica claro que a categoria escolhida pelo piloto para participar das provas “estará ligada diretamente a sua experiência”. Tal afirmação causa espanto ao se notar que adiante consta como 15 anos a idade mínima para participar da categoria Extreme, onde são admitidas motos como BMW S100R, Ducati Panigale e Honda CBR 1000RR, todos modelos de alto desempenho. Nenhuma exigência quanto à comprovação dessa experiência.
Nota-se nesse cenário cores de entusiasmo e formas do jeitinho brasileiro, combinação imprópria a esportes onde os riscos são inerentes à própria prática. Pouco importa se nas redes sociais circula desde domingo um vídeo onde o público assistia ao lado do asfalto os pilotos freando ao atingir o ponto mais veloz do traçado paulistano, a freada para o S do Senna. Até a manhã de hoje, (28/05/2019) nem a Confederação Brasileira de Motociclismo (que representa a Federação Internacional de Motociclismo no País) nem a FPM haviam se manifestado oficialmente sobre o segundo acidente fatal em três etapas consecutivas do SuperBike Brasil em provas realizadas no Autódromo de Interlagos.
A julgar por essa atitude de quem se espera zelar pela prática correta do esporte há coisas mais importantes a tratar do que, no mínimo, acompanhar de perto um evento tido como a expressão máxima da especialidade. O fato desse promotor não ser filiado à CBM e à FPM não pode ser aceito quando se considera que o esporte como um todo é prejudicado quando na pista se pratica o errado. No site da SuperBike nenhuma nota a respeito da decisão das fábricas de motos em retirar a maior parcela de apoio ao evento, mas já se anuncia a próxima etapa da temporada, dia 16 de junho, em Interlagos, cuja administração tenta, timidamente, criar um protocolo de obrigações mínimas para quem usa o autódromo.
WG