“A política da Allard…
Por Sydney H. Allard
Os objetivos da Allard Motor Company são, como sempre foram, produzir carros de alta performance e vendê-los pelo menor preço possível, levando em conta a produção limitada e especializada. Como uma empresa privada e um “negócio familiar”, não temos necessidade de constantemente visar aumento de volume de negócios e lucros, a fim de satisfazer os acionistas cujo interesse natural é em dividendos, e não em automóveis.”
(“The Allard Yearbook 1951-52” – Allard Motor Company)
Um gentleman. Um piloto corajoso, aparentemente desprovido de medo. Um mecânico bruto, a vontade com forja, martelo e bigorna. Uma pessoa divertida e engraçada, tanto em conversa de bar como na vida profissional. Um hot-rodder tradicional num país nada acostumado com isso. Um pai de família presente, amoroso, envolvido. Um empresário de sucesso. Um amigo leal. Um inovador poucas vezes reconhecido como tal. Com quase 2 metros de altura, um sujeito grandão, mas que, com óculos redondos, cabelo bem penteado e um sorriso na cara, não amedrontava ninguém.
Não importa de que fase de sua multifacetada vida falemos, uma coisa transparece claramente para qualquer um que entenda a história de Sydney Herbert Allard: tratava-se de um ser humano excepcional. Um entusiasta que, tal qual Ferry Porsche e Enzo Ferrari, no pós-guerra criou uma fábrica de carros esporte basicamente para financiar suas atividades no esporte-motor. Mas diferente dos outros dois, Allard queria pilotar ele mesmo, sendo esse seu maior interesse: o banco do piloto.
Sua vida e trabalho sempre estiveram ao redor do automóvel, e a sua fama, ainda reverberando mundo afora, vem de uma quantidade ínfima de carros produzidos com seu nome, durante um período de menos de 10 anos. Os Allard tiveram seu ápice no curto período que vai de 1948 até 1954, e sua fama provém basicamente de um monstro que inspira tanto medo quanto admiração.
Algo feio, cru, e principalmente, assustador. Assustador em seu barulho grave, sério, bravo. Na óbvia exposição de seus ocupantes ao mundo lá fora. Em sua incrível capacidade de velocidade. Em sua desconcertante capacidade de colocar quatro rodas apontando para lugares totalmente diferentes. Um verdadeiro monstro cuspidor de fogo, algo famoso não pela aparência, mas pela fama de letal se usado levianamente, mas terrivelmente efetivo se entendido. Um carro de vida e sucesso curtos, mas cuja influência ainda é sentida, de Cobra a Viper, de Panoz a Caterham Seven: O Allard J2
Gentleman Driver
Assim era Sydney Allard durante os anos 30. Seu pai era um empresário de sucesso, que dentre outras coisas, tinha uma concessionária Ford em Putney, um subúrbio de Londres, chamado Adlards & Co. , tocado por Sidney. O porquê de Adlards e não Allard é fonte de uma miríade de explicações não oficiais, mas a que prefiro é que foi uma brincadeira mesmo, bolada por Sidney e o pai para confundir todo mundo. Isto porque S.H. Allard, de acordo com todos que interagiam com ele, tinha algo raro hoje em dia no mundo empresarial: um saudável e bem-desenvolvido senso de humor. Imagino o quanto ele continua rindo até hoje, lá de cima, das explicações mirabolantes de historiadores sobre o nome Adlards.
Mas divago; como dizia, Sidney era um piloto amador, e sua categoria preferida era aquele bem peculiar, e eminentemente inglês, tipo de competição a motor chamado de “Trials”. Esse tipo de competição off-road coloca carros em impossivelmente apertados morros lamacentos, onde a tração, a agilidade e a manobrabilidade extrema são importantíssimos. Um percurso é marcado no meio do mato para ser percorrido no menor tempo possível, e sem cometer faltas diversas, um carro de cada vez.
Obviamente com acesso fácil aos carros da Ford, Sydney competia basicamente com Ford V-8, sendo ele mesmo um fã do motor Ford cabeça-plana que aparecera nos EUA em 1932. Logo evolui para criar um carro dedicado para as competições: usando os restos de dois carros acidentados, um Ford V-8 e um Bugatti T51, é criado o Allard Special. Ainda não era possível saber disso, mas era a gênese da marca Allard.
Este primeiro carro usava o chassi, motor e câmbio do Ford V-8, mas a carroceria, do curvão para trás, era do Bugatti. O motor era reposicionado, mais para trás para dar mais tração, as suspensões eram Ford bem modificadas, e a caixa de direção vinha do Bugatti. Apesar do nome proeminente na grade (Allard Special) , ficou conhecido como CLK5 (sua placa), e foi um grande sucesso em competições com Allard ao volante, fazendo com que os amigos de Sydney começar a entreter noções de competir também com cópias do CLK5.
Nosso herói prepara uma oficina dedicada para competições, e junto com dois amigos (Tom Hutchinson e Guy Warburton) cria uma nova escuderia de competição; “The Tailwaggers”- literalmente “os balançadores de rabo”. Mais dois “Allard Special” são criados, cada um uma evolução do anterior. O primeiro carro (se esquecermos o CLK5, convertido também depois), de Warburton, teria uma novidade que posteriormente estaria em todo Allard até o fim de sua produção: a suspensão independente dianteira feita em casa, inspirada nas conversões de Leslie Ballamy.
Um parêntese aqui para explicar isso. Les Ballamy conseguiu sucesso nos anos 30 na Inglaterra com uma ideia simples: converter eixos rígidos dianteiros em independentes, cortando fisicamente o eixo ao meio e pivotando os dois pedaços restantes no meio do chassi. Claro que as molas e amortecedores tinham que ser modificados também, e dois braços extras se tornam necessários para controlar o movimento, mas era uma modificação barata e relativamente efetiva. Bellamy sabia o que fazia: vendia a conversão somente com modificações no eixo traseiro também, basicamente uma barra Panhard lateral e ajuste de carga das molas, para que o comportamento do carro fosse coeso.
Claro que, comparado a uma suspensão moderna, a solução de fundo de quintal nos anos 30 nos parece pífia, e muitos teóricos mantém que o eixo rígido bem acertado é muito melhor que a conversão (tecnicamente um braço oscilante dianteiro), propensa a imensas variações de câmber, quase nunca nos momentos e direções desejáveis. Mas como um pacote completo, mais acertado e desenvolvido que o equipamento de fábrica, e visando competições, fez muito entusiasta feliz com seus Ford Pilot “Bellamy I.F.S. converted”.
No caso dos carros de “trials” de Allard, era teoricamente uma vantagem: o grande curso e variação de câmber era uma vantagem teórica e real para os terrenos e velocidades em que os “Tailwaggers” competiam. Engraçado notar que Sydney nunca mais abandonaria esta suspensão dianteira teoricamente deficiente, mesmo quando saiu da terra para o asfalto. É uma prova clara de sua filosofia; sempre dizia, meio brincando, meio declarando seu pensamento, que se algo funcionava na prática, você pode enfiar a teoria onde bem entender…
Assim, os carros de Warburton e Hutchinson (este último, o terceiro Allard Special, equipado com um V-12 Lincoln) tiveram grande sucesso em competições, alcançando grande fama na Ilha. A revista The Motor testou o carro de Hutchinson, cronometrando-o a 16 segundos no quarto de milha, o mais rápido carro de rua da Inglaterra de então, segundo a revista. Allard, com isso, vende mais 3 Allard Specials com o V-12 Lincoln, e começa a entreter sonhos de se tornar um fabricante.
Mas chega a Segunda Guerra Mundial, e com ela, claro, outras preocupações mais importantes. Sydney Allard passa o conflito em sua oficina, trabalhando em reparo e peças de reposição de caminhões Ford para o governo. Quando o conflito acaba, encontra-se numa posição ótima para retomar as atividades do pré-guerra: tinha vasto estoque de peças e motores V-8 Ford e Mercury, instalações maiores, uma quantidade maior de funcionários, e um mercado ávido para carros de todo tipo, depois de seis anos sem vendas de carros novos.
Empresário, construtor e piloto
Sydney não perde tempo: aproveitando a “seca” que tornava qualquer coisa disponível um sucesso de vendas, lança três carros. O primeiro, J1, era praticamente uma evolução dos seus “special” do pré-guerra, um roadster de competição dedicado aos “Trials”, mas que podia ser usado nas ruas, claro. O K1 era um roadster maior e mais equipado e luxuoso, para rua. E o M1 era um conversível de 4 lugares. Todos eles usavam a suspensão dianteira Allard, chassi próprio, e o máximo de peças mecânicas Ford possível, incluído aí o V-8 de válvulas laterais, 3,6 litros e 85 cv.
Como tudo era comum nessa época de vendas represadas sendo liberadas, os carros venderam bem, e Allard praticamente vendia tudo que podia produzir. Mas sabia que tal situação não duraria para sempre, e então continua desenvolvendo modelos futuros.
Mas nosso amigo não se contentava apenas nisso. Sua carreira de piloto continuava a todo vapor, principalmente em provas de subida de montanha, com um Allard monoposto criado especificamente para isso. Sydney comprou em um leilão um carregamento de modernos e exóticos motores estacionários Steyr, capturados pelos ingleses durante a guerra, e agora vendidos como sucata. Os motores interessaram muito o espírito Hot-Rodder de Sydney, que viu potencial em algo que literalmente era lixo para o resto do mundo.
Eram motores V-8 pequenos, basicamente os mesmos 3,6-litros e 85cv dos Ford de válvulas laterais tão conhecidos da Allard. Mas isso acontecia apenas por causa da taxa de compressão baixíssima e a rotação baixa exigidos de motores deste tipo em tempo de guerra. Mas era arrefecido a ar, leve, e com cabeçotes de válvulas opostas no cabeçote, e câmara de combustão hemisférica. Uma base promissora, esperando desenvolvimento. Logo Sydney tinha um em seu monoposto deslocando 5 litros e girando alto, para algo próximo de 300 cv. Com este carro, foi campeão inglês de subida de montanha em 1949.
Em 1948 chega na Allard alguém importante para a história da companhia: o russo/americano Zora Arkus-Duntov. Com a falência da sua Ardun em Nova York, a venda dos direitos do cabeçote especial para Ford V-8 para os californianos Don Clark e Clem Tebow (C&T Automotive), e a separação de sua esposa Elfi, Zora se mudara para a Inglaterra para tentar um novo começo. Lá, se aproxima de Sydney inicialmente para tentar vender o cabeçote Ardun para os carros de Allard (Zora ainda recebia algum dinheiro de royalties por cada unidade vendida), mas logo os dois se tornam amigos, e o russo acaba empregado na empresa de Sydney, num período muito fértil que acabaria em 1952.
Os antigos motores V-8 Ford de válvulas laterais estavam se tornando obsoletos então. Zora monta vários esquemas para contornar isso. De um lado, importa peças de preparação dos EUA para oferecer como kits nos Allards: cabeçotes de maior taxa de alumínio da Edelbrock, carburações múltiplas Stromberg, e muitos outros. Vendidos também ao público em geral, começam um movimento Hot Rod inglês, bem menor que o americano claro, mas análogo. De outro lado, inicia a produção de cabeçotes Ardun na Allard, criando mais uma opção de aumento de potência. Fora isso, faz muito do que é o seu real talento: acerto de comportamento dinâmico de carros esporte. Do monoposto de corrida aos Allard de rua, passando pelos J2 de uso misto, Zora Arkus-Duntov coloca sua marca na empresa, e na eficiência em pista dos Allard.
Como todos sabem, ao voltar aos EUA em 1952, ficaria famoso por ser o primeiro e mais importante engenheiro-chefe do Chevrolet Corvette.
O Allard J2 e J2X
Em 1949, Sydney cria o carro que seria o símbolo de sua marca no futuro, e seu maior clássico. O Allard J2.
Desenvolvido como um carro de uso misto como fora o J1, o foco agora mudava: ao invés das pistas enlameadas de fazendas úmidas no interior da Inglaterra, agora o novo J2 brilharia nas competições de velocidade em pista, competindo com outros carros esporte. Seu maior mercado é a ensolarada Califórnia, um lugar tão diferente que podia ser em Plutão.
A receita básica de roadster leve com motor V-8 americano forte é mantida, mas muito muda, claro. O chassi é tipo escada tradicional, exclusivo. Na frente são adotadas molas helicoidais e amortecedores telescópicos, mas a geometria básica do eixo rígido cortado em dois para virar independente permanecia. Atrás, grande novidade: a suspensão era um engenhoso deDion, criado por Sydney usando componentes Ford, barato mas muito eficiente. Os freios, enormes tambores, eram inboard na traseira, perto do diferencial e não na roda. O câmbio era Ford manual de três marchas.
O motor se tornaria um problema. Sydney e Zora prepararam o carro para receber o novo motor Cadillac V-8 de alta taxa de compressão e válvulas no cabeçote, 5,4 litros e 160 cv de série. Mas importar este motor para a Inglaterra era praticamente impossível então. Para remediar isso, os carros vendidos na Ilha vinham com V-8 Ford e Mercury, originais ou modificados. Como Sydney fabricava o cabeçote Ardun agora, era oferecido de série na Inglaterra como um motor Allard OHV, mas logo ganharia fama de nada confiável, e poucos foram vendidos assim.
Mas a grande sacada foi a seguinte: os carros enviados aos EUA iam sem o motor, com todas as fixações e acionamentos preparados para receber o V-8 Cadillac. Desta forma, os americanos foram os únicos a receber o carro da maneira que seus criadores desejavam. Mais tarde, com o passar dos anos, essa técnica se aprimorou: você poderia escolher por exemplo, V-8 Chrysler Hemi, ou qualquer outro motor americano, que Allard lhe mandava um carro pronto para recebê-lo. Há notícias de carros com motores Packard, Lincoln, GMC 6 em linha, Oldsmobile e Buick.
O mais comum, barato e mais vendido J2 era equipado com o V-8 Ford de válvulas laterais, claro. Mas o motor mais famoso, e que casa melhor com o carro, é sem dúvida nenhuma o motor para qual foi desenvolvido: o V-8 Cadillac. O Allard J2 Cadillac se tornaria uma lenda, temida em toda pista que aparecesse.
Com o motor Cadillac, o carro pesava apenas 900 kg a seco, distribuídos 45/55% entre a dianteira e a traseira, respectivamente. O carro media menos de 3,8 metros no total, e o entre-eixos era de 2.540 mm. Interessante notar que a bitola traseira era 100 mm menor que a dianteira, que media 1.435 mm.
Em 1950, com Sydney como um dos pilotos, quase ganharam Le Mans. Se não fosse a quebra do câmbio Ford no meio da prova, deixando o carro com apenas uma marcha, teriam vencido certamente. Chegaram em terceiro, atrás somente dos Talbot-Lago, praticamente carros de fórmula 1 convertidos para dois lugares, conforme as regras de Le Mans. O J2 foi terrivelmente eficiente em competições nos EUA, fazendo uma fama considerável, tanto na pista quanto fora dela.
O J2 era um carro para iniciados apenas. Senta-se em cima dele, e não dentro, grande parte de seu torso exposto aos elementos. Os motores V-8 são incrivelmente potentes para o pouco carro que há à sua volta, e as massas bem recuadas dão ótima capacidade de tração. Ou seja, o treco acelera muito. Freia até bem, também, com seus enormes tambores, mas o comportamento em curvas… bem, digamos que inspira respeito. Famosamente fotografado com rodas apontando para todo lado (e nenhum deles a direção de deslocamento do veículo), era algo para ser domado por pilotos tarimbados apenas. Efetivo se bem pilotado, letal se tratado com desdém, é quase algo vivo, que você controla apenas parcialmente. Dizem que ao frear sobre-esterça, e ao acelerar subesterça; sempre um desafio à quem está pilotando. Mas num mundo moderno onde tudo parece se dirigir sozinho, dá água na boca a todo mundo que realmente gosta de automóvel.
Em 1952, aparece o J2X, facilmente identificado pelo nariz mais comprido, que acaba depois das rodas dianteiras, necessário para jogar o motor mais a frente. Tal modificação teve dois objetivos: mais espaço no cockpit, e um pouco mais de peso na dianteira, para ajudar o comportamento dinâmico. Isto, e mais um sem-fim de ajustes e modificações criadas por Sydney e Zora no carro, tornam esta indiscutivelmente a melhor versão para se andar rápido, apesar do nariz comprido não ajudar a aparência de um carro que já era feio por natureza. Também não teve tanto sucesso em pista quanto a versão anterior: em 1952, a concorrência era muito mais sofisticada, de Mercedes a Jaguar, de Ferrari a Porsche, e o velho chassi pré-guerra modificado perdia sua vantagem.
É criada também uma nova carroceria chamada “Le Mans” ou simplesmente LM, mais moderna e larga, com para-lamas integrados, que foi usada quase exclusivamente em competições.
Mas quão rápido era um J2 em sua fase áurea? Diz o site thoroughbred-cars.com :
“Em 1966, a revista Car & Driver se disse impressionada com os 15 segundos no quarto de milha de um J2X Cadillac em 1954, e notou que este tempo era mais rápido que aquele de um Shelby Cobra 289 de rua. O maravilhoso J-2 de Tom Carsten fez ainda melhor: postou um quarto de milha nos 13 segundos, e um 0-100 km/h em aproximadamente 5 seg. Estes tempos foram alcançados em pneus diagonais DE RUA de 6,25-16.
O Allard de Tom Carsten, merece mais atenção. O carro, número de série 1850, foi comprado em 1950 e quando chegou em os EUA foi despachado sem motor para a oficina de Vic Edelbrock, em Los Angeles. Lá Edelbrock instalou um Cadillac V-8 modificado, o primeiro motor de Cadillac que ele preparou. Durante os dois anos seguintes, este carro se tornaria uma lenda, já que venceu 8 grandes corridas seguidas. Vitórias no Golden Gate Park, Torrey Pines, Reno e Pebble Beach. Tom tinha um senso apurado de estilo e o carro mostrava isso. O automóvel era preto brilhante e detalhes em vermelho, incluindo o interior e todas as partes de suspensão visíveis. Com rodas raiadas Borranni feitas sob medida (em vermelho, claro) com pneus largos faixa branca, incluindo dois estepes laterais e um bagageiro em cima do porta-malas, o carro parecia mais em casa em frente ao clube em Pebble Beach do que na pista de corrida. Mas durante a sua corrida inaugural naquela pista, em 1951, ele ultrapassou todo mundo, incluindo o Allard segundo colocado, DUAS VEZES!”
Allard depois de J2
Em 1952, Sydney se torna campeão no famoso Rali de Monte Carlo com um sedã de quatro lugares P1. Seria o ápice da marca em competição, e o maior troféu de Allard como piloto. O segundo colocado foi Stirling Moss, num Sunbean-Talbot, o que mostra que Allard sabia o que fazia atrás do volante.
Depois de 1954, os carros da Allard progressivamente foram ficando menos competitivos, e as tentativas da empresa em novos desenvolvimentos batiam de frente com grandes conglomerados, agora gastando fortunas em desenvolvimento de carros completamente novos, algo impossível para a pequena oficina de Londres. Em 1959, fecha completamente. A concessionária permanece, e é fonte de várias preparações e conversões de carros Ford durante os anos 60, o mais famoso sendo o Anglia com compressor chamado de “Allardette”. O Hot-rodder em Sydney Allard permanecia, claro.
Durante os anos 60, também, Allard se dedica a incentivar as competições de arrancada na Inglaterra. O primeiro dragster dedicado, tubular, da ilha é de Sydney, claro. Um legado pelo qual é também lembrado até hoje em sua terra natal. Claro que ele mesmo era o piloto.
Olhando a história da Allard e seu criador, não podemos deixar de notar que não seria possível nos dias de hoje. O J2, um quase incontrolável animal selvagem, que exige dedicação, coragem e habilidade do seu piloto para circum-navegar suas idiossincrasias, mas que o recompensa com velocidade, aceleração e rapidez nos reflexos que só pode vir de algo muito leve e potente, seria um fracasso hoje onde pilotos dispostos a isso estão em franca extinção.
E mesmo que não estivessem, o pior não é isso. O pior é que governos tomaram para si uma sagrada cruzada para acabar com qualquer efeito que o automóvel sobre o mundo, legislando ele de tal forma que é simplesmente impossível uma empresa pequena validar algo assim sem gastar uma fortuna irrecuperável. Cada vez mais, apenas coisas com números de produção gigantes são possíveis. Apenas em pequenos oásis como a própria Inglaterra eles ainda são possíveis, fruto de uma população realmente enamorada pelo automóvel e uma indústria acostumada a ser pequena e especial. Mas, ao contrário de Allard, que fez a maioria de suas vendas e fama exportando, eles hoje estão confinados àquela pequena Ilha, sua importância diminuída e mantida sob controle com limites de produção draconianos, que por sua volta criam preços altos demais.
Olhando por esse lado, talvez seja providência divina Sydney ter partido tão cedo, de câncer aos 55 anos em 1967. Desta forma, sua vida quase perfeitamente engloba a fase áurea do automóvel como expressão artística e individual. O divino, como se sabe, tem um plano para tudo, e apesar de não nos ser dado o dom de entendê-lo, algumas vezes conseguimos enxergar um cadiquinho, um pequeno vislumbre, de sua perfeição.
MAO
Para saber mais (fontes):
Automobile Quarterly Vol 8 nr 4 – Verão 1970
Automobile Quarterly Vol 44 nr 1 – 2004
Zora Arkus-Duntov -The Legend Behind Corvette – Jerry Burton – 2003
Literatura de divulgação da empresa disponível em: http://www.allardregister.org/allard-brochures
P.S. :O Milton Belli já andou de Allard J2X em Interlagos, e nos contou aqui.