Diversos vídeos do universo automobilístico intrigam internautas. Um dos acontecimentos que geram mais curiosidade e tem causas pouco conhecidas pelos espectadores é quando aparece um motor Diesel disparado. Quem segue páginas automobilísticas, principalmente aquelas focadas em picapes e caminhões, já deve ter se deparado com vídeos de veículos com funcionamento descontrolado, saindo grande quantidade de fumaça pelo escapamento, e não entende por que o proprietário não toma decisões como o simplesmente desligar o motor.
O problema do motor Diesel disparar, exemplificado neste vídeo ocorre quando há alguma falha no sistema de alimentação, como, por exemplo, perder o controle da dosagem de combustível, ou quando ele é alimentado por uma segunda fonte. Isso é possível devido à forma de funcionamento dos motores de ciclo Diesel que, diferentemente dos motores ciclo Otto, não utilizam uma centelha entre os eletrodos da vela de ignição, produzida por corrente de alta tensão e baixa intensidade, para dar início à combustão da mistura ar-combustível.
Em vez da centelha, motores Diesel precisam apenas que combustível seja injetado sob alta pressão — de no mínimo 1.500 bares — na câmara de combustão em ambiente de ar altamente aquecido por efeito de compressão do ar pelo pistão no seu movimento de subida..
O fato é que esse problema de disparo é real e pode acontecer com qualquer motor Diesel, seja ele mais velho ou não. Por isso, virar a chave para desligar o motor não tem qualquer resultado, já que o corte no sistema elétrico não fará com que ele desligue.
Normalmente, este fato acontece por problemas na bomba injetora (quando o sistema de injeção ainda não tinha controle eletrônico), bicos injetores (alguns possuem dispositivos para que este não aconteça), falhas por desgaste excessivo nos anéis de pistão, grande quantidade de sustãncias químicas que têm propriedades de combustão semelhantes ao diesel em suspensão no ar (relatos somente em ambientes fechados), e o mais comum, problemas relacionados aos turbocompressores.
Os turbocompressores trabalham com lubrificação do próprio óleo de motor por meio de uma tubulação que direciona o lubrificante para os seus mancais. O turbocompressor possui duas câmaras e uma árvore (“eixo”). Uma câmara é dita “quente”, onde fica a turbina que recebe os gases de escapamento, gira em altíssimas rotações (acima de 150.000 rpm) e por meio da árvore aciona o compressor na outra câmara, dita “fria”. É nesta que o ar atmosférico é comprimido e chega ao motor.
Os principais causadores do desgaste destes mancais existem, pois o conjunto de rotores dos turbocompressores trabalham em altas rotações, e quando o motor é desligado o sistema de lubrificação é normalmente cessado. Muitas vezes os donos de veículos que possuem este sistema, ao parar, não esperam a redução desta rotação para desligá-lo, o que gera desgaste prematuro uma vez que a lubrificação foi interrompida.
Outro fator é a grande variação de temperatura sofrida por este sistema, que em alguns casos chega a alcançar 840 °C, segundo André Mitsumori, engenheiro de aplicação da Honeywell/Garrett. Isso é algo que naturalmente pode gerar desgaste dos componentes, mesmo hoje os materiais sendo mais resistentes do que outrora. Óleos lubrificantes contaminados também estão entre causas de desgaste prematuro.
Dificilmente é possível certeza de se estar livre destes problemas, mesmo porque a folga que permite a passagem de óleo normalmente acontece na câmara quente, já que ela é a que sofre a maior diferença de temperatura (de ambiente e de trabalho) e não oferece riscos para que o motor dispare. Algumas precauções para evitar estes acontecimentos, são: trocas de óleo conforme a especificação do fabricante; antecipação da troca do lubrificante quando em uso severo; esperar alguns instantes quando for desligar o veículo para que não haja danos por falta de lubrificação da turbina; e sempre ficar atento às revisões para que não se mantenham folgas n a árvore.
Desligar um veículo que passa por tal situação é algo, em alguns momentos, até perigoso. A alternativa mais eficaz é o corte do comburente (ar de admissão), no caso, de alguma forma, fechando a admissão. Uma alternativa para veículos de câmbio manual é engrenar a marcha mais alta e tentar desligá-lo soltando a embreagem de forma não brusca (este método pode causar danos ao sistema de transmissão do veículo).
Prejuízos com um motor diesel disparado são de grande monta. Provavelmente restará ao proprietário trocar o motor, turbocompressor, e bicos injetores. Infelizmente, por ser algo pouco frequente, os fabricantes acabam por não fazer uso de sistemas que poderiam causar o desligamento por corte do ar de admissão, e assim continuaremos a ver relatos e vídeos sobre o assunto.
A empresa canadense Diesel Tech Industries produz, sob encomenda, uma válvula capaz de fazer o corte na admissão impedindo o descontrole do motor, um ótimo item de segurança, mas que por aqui ainda não vimos semelhantes.
As pesquisas sobre o assunto surgiram quando eu, ainda estudante de engenharia mecânica, me deparei com esta situação na empresa da minha família. Um caminhão, em meio a uma viagem, entrou em processo de disparo, não sendo possível controlar seu funcionamento. Os prejuízos ultrapassaram os R$ 40.000,00 com a compra de um novo motor, turbocompressor e diversos outros componentes, além de toda a mão de obra gasta. Isso gerou curiosidade, ainda mais por eu ser um grande fã de veículos e vendo que isso poderia acontecer com qualquer um que faça uso dos motores Diesel. Portanto, decidi compartilhar este assunto tão relevante com o leitor ou leitora, independentemente de serem ou não utilizadores desse tipo de veículo.
Gistavo Delano
Montes Claros – MG
Nota: Esta matéria é colaboração espontânea ao AE de Gustavo Delano, engenheiro mecânico, de dono da página @gdcoachcars no Instagram. O autor participou recentemente da seção “Carro do leitor”.