O evento desta matéria é organizado pelo SAAC-MCR (Shelby American Automobile Club-Motor City Region), e se realiza todos os anos no estacionamento do edifício-sede da Ford Motor Company, em Dearborn, área metropolitana de Detroit.
Apesar da presença que pode ser considerada pequena esse ano, alguns carros interessantes estavam lá, e tentando evitar os modelos mais comuns, registrei o que me pareceu mais curioso.
Um Mustang King Cobra de 1976 não se vê em qualquer lugar, e a explicação é que essa versão de topo do GT Cobra teve apenas seis exemplares fabricados nesse ano. Dá para lembrar imediatamente do Cobra II dirigido pela Jill, personagem de Farrah Fawcett (1947-2009) no seriado “Charlie’s Angels” (“As Panteras”, no Brasil).
Mais único ainda é o Mustang tubular, que tem carroceria apenas para aparência, com todo seu chassis sendo uma estrutura de tubos soldados, como em gaiolas e carros de corrida de vários tipos. Direcionado para andar em pistas, tem todos os equipamentos para as ruas, e por isso era emplacado e registrado. Fenomenal.
A réplica do Cobra Daytona Cupê fabricada pela Factory Five é um carro que eu precisa ver de perto há muito tempo, e agora consegui. Ótima em construção, tem um acabamento muito de acordo com o propósito do carro, que não é de luxo, mas sim um carro de corrida aerodinâmico feito sobre um Cobra aberto, e com o capô incluindo os para-lamas, nos deixa pensando como seria legal ter carros normais nas ruas com essa configuração. Para consertos, é perfeito. A posição do motor é considerada dianteiro-central, já que todo o motor está atrás do eixo dianteiro. Isso faz o capô longo e a posição dos bancos bem recuada.
Para saber a incrível história do carro original, não deixe de ler essa matéria, e também essa outra aqui.
O Galaxie foi um modelo que teve poucas versões no Brasil, sempre de quatro portas apenas, mas na sua terra natal, o conversível, o duas-portas e a perua quatro-portas eram parceiros na fabricação, e assim sempre aparece algum desses em eventos nos EUA. O conversível com cor de cobre é do ano de 1963, e estava impecável, tendo apenas rodas não originais na parte visual. Um duas-portas, cupê azul-claro do mesmo ano, era do modelo 500, e pode ser considerado um dos mais belos estilos do Galaxie em toda sua vida de produção, de 1959 a 1974 nos Estados Unidos, e de 1967 a 1983 no Brasil.
Uma Ranch Wagon de 1953 chamava bastante atenção no local, pois tinha algumas alterações visuais que não estragaram seu estilo, como rodas e pneus de medidas mais modernas, além de motor e câmbio dos Mustangs de cerca de cinco anos atrás, freios a disco nas quatro rodas e até volante de direção com regulagem de altura. Com apenas duas portas, não era exemplo da praticidade das peruas, mas deve ser muito boa de andar.
De 1965 a 1968 o Galaxie passa a ter o par de faróis um acima do outro de cada lado, e dessa fase havia uma perua da versão básica, branca e com calotas simples, muito chamativa e quase toda original. Sendo na verdade um Fairlane, linha de veículos bastante baseados nos Galaxies, tem algumas diferenças visuais. Equipamento não original, dois defletores ao lado do vidro vigia servem para diminuir a sujeira que fica nos vidros de peruas e hatches, que os tem no final carro, diferente de um sedã, por exemplo.
Da mesma linha Fairlane foi feito o Thunderbolt, modelo pequeno dessa linhagem, e que tinha alívio de peso pelo capô, para-lamas e para-choques feitos em compósito de fibra de vidro, motores de 427 polegadas cúbicas (7 litros) com 425 hp/ 431 cv e até mesmo tomada de ar no lugar dos faróis internos, com mangueiras levando o ar direto para os carburadores. O Thunderbolt era usado em corridas de arrancada, mas sempre foi usado também nas ruas por alguns felizardos.
Vários Mustangs novos estavam presentes, como o azul Grabber da foto abaixo, cor reproduzida com tecnologia atual, para homenagear o modelo antigo de 1970. Ambos incríveis e entre os mais interessantes de todos os Mustangs presentes, sem desmerecer um dos mais extensamente modificados, um fastback de 1966 com tudo do bom e do melhor em suspensões, motor, câmbio e aerodinâmica, com remoção de para-choques, difusor na parte inferior traseira, carroceria mais próxima do solo e internamente, um grande alívio de peso, facilmente confirmado pela ausência de carpete ou outro revestimento no assoalho.
Picapes também atraem muitos entusiastas, pois sua praticidade é sempre muito querida. Havia duas da mesma geração, a quarta, de 1961 a 1966, sendo que ambas que fotografei tinham suspensão dianteira independente Twin-I-Beam, que entrou na linha em 1965. Algumas em perfeito estado se ladeavam com outras já bastante usadas mas que são mantidas como o tempo e uso as deixou, formando elementos da categoria survivor (sobrevivente), muito apreciadas por quem não é fanático por perfeição e nem imagina ser razoável gastar mais que o valor de um carro apenas para restaurá-lo. É uma filosofia diferente do que o povo comum imagina, e dá gosto de ver carros com décadas de vida ainda ativos e sem problemas maiores de conservação. Carro para ser usado, simples.
Um Maverick que está na mesma família desde novo é mantido em condição de uso constante, e tinha muita coisa dentro, mostrando que o dono veio viajando até o encontro. Outro “maverick” era o Mercury Comet, exatamente o mesmo carro exceto pelos acabamento da marca de luxo intermediário da Ford — a marca de topo é a Lincoln, criado para concorrer com o Cadillac — e pelo estado, só podia ter sido restaurado.
O Fox body era a carroceria base da terceira geração do Mustang, de 1979 a 1993, e tem modelos totalmente sem graça até alguns muito desejados. Um cupê versão de polícia estava impecável, e com seu 5-litros debaixo do capô sem dúvida dava o que pensar antes dos infratores das estradas do Missouri cometerem qualquer ação.
Um Cobra preto era talvez o carro em estado mais perfeito do evento, e com as rodas de desenho com efeito de extratores de ar forma um belo conjunto, talvez o melhor dessa fase do Mustang, antes da quarta geração.
O ano final da quarta geração viu a primeira fase dos modelos Bullitt, em 2004. O carro era uma homenagem ao filme de mesmo nome, conhecido por quase todos os autoentusiastas, onde um Dodge Charger com meliantes é perseguido por um Mustang 68 do detetive Frank Bullitt (Steve McQueen). O carro do filme era verde, Highland Green, mesma cor de escolha quase majoritária de quem comprou essa rara versão em 2004, apesar de haver também o preto. O carro exposto tinha o certificado emitido pela Ford, uma caneta com o número do exemplar e uma miniatura que estava colocada junto ao motor apenas para a mostra. Sem dúvida uma versão valorosa.
Outros modelos de Ford também estavam presentes, como o Mercury Montego de 1969, conversível numa cor amarelo forte impressionante, um Torino com a mais aerodinâmica das carrocerias desse modelo, desenhado para fazer frente aos Dodge Charger e Plymouth Daytona na Nascar, o Thunderbird 57 com sua inconfundível janela circular na coluna traseira, uma picape Falcon, carro que deu origem mecânica ao Mustang e sobreviveu na Argentina até a década de 80, um Bronco, modelo da geração de 1980 a 1986, descontinuado em 1991 mas que irá retornar totalmente novo em 2020 e já gera grande expectativa. O Bronco é um carro cultuado, e há oficinas e vendedores de peças dedicados ao modelo.
Também, como é de hábito em qualquer encontro com carros antigos, haviam vendedores de peças, literatura e miniaturas, sempre atrativo para muitos, e com aquela chance de encontrar algo que se precisa ou apenas que se deseja ao encontrar. Um bom consolo quando não se pode vir embora com algum carro de verdade.
JJ